São Paulo, sábado, 05 de abril de 2008

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Reforma mantém regra que disfarça imposto maior

Usado hoje no ICMS, "cálculo por dentro" transforma alíquota de 25% em 33,33%

Regra diz que o "imposto integrará sua própria base de cálculo", ou seja, será cobrado sobre o produto ou serviço e sobre ele mesmo

GUSTAVO PATU
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Com uma frase que passou quase despercebida em seu novo projeto de reforma tributária, o governo Luiz Inácio Lula da Silva procura ampliar o uso de um expediente capaz de mascarar as reais alíquotas dos tributos incidentes sobre mercadorias e serviços.
Pela proposta, o IVA (Imposto sobre Valor Agregado), a ser criado com a fusão de quatro tributos federais, "integrará sua própria base de cálculo", conforme um inciso que se pretende acrescentar ao artigo 153 da Constituição, referente aos impostos da União. Em português mais claro, as alíquotas do imposto incidirão não apenas sobre o valor do produto, mas também sobre o próprio imposto embutido no produto.
Trata-se do que os especialistas chamam de "cálculo por dentro", hoje utilizado no ICMS, principal fonte de receita dos Estados. Por meio desse mecanismo, uma alíquota nominal de 25%, por exemplo, corresponde a uma tributação efetiva de 33,33% para os contribuintes, ou seja, para os consumidores dos bens e serviços (ver quadro nesta página).
No exemplo, um produto que custa R$ 100 passa a R$ 133,33. É que os 25% incidem sobre R$ 133,33 -e não sobre R$ 100.
Segundo a reforma proposta, o IVA será, se não o maior, um dos três maiores tributos federais, ao lado do Imposto de Renda e da contribuição previdenciária. O imposto deverá substituir os atuais Cofins, PIS/Pasep, Cide e contribuição para o salário-educação.
A crítica mais comum ao expediente aponta a falta de transparência: quem compra um automóvel ou um quilo de feijão não sabe quanto está pagando de fato em tributos, nem mesmo se consultar a tabela do ICMS de seu Estado. Esse desconhecimento, argumenta-se, diminui a resistência política à criação e à elevação de tributos.
"Quando estudei o modelo do IVA nos países europeus, descobri que nenhum país adota esse critério de cálculo", diz o advogado Antonio Carlos Rodrigues do Amaral, que, por requerimento da oposição, falou sobre o tema na semana passada à CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara.
União, Estados e municípios, porém, têm outro interesse em consagrar na Constituição a regra do "cálculo por dentro": a resolução de conflitos jurídicos em torno do mecanismo.
Está em curso no Supremo Tribunal Federal, por exemplo, uma batalha jurídica contra a inclusão do ICMS na base de cálculo da Cofins.
O STF já deu seis votos pela inconstitucionalidade, mas um pedido de vista interrompeu o julgamento, em 2006. "Se estou incluindo um imposto na base de cálculo de outro imposto, estou tributando dinheiro público, que não é do contribuinte", diz a tributarista Ângela Martinelli.
Com argumento semelhante, o ministro Marco Aurélio Mello, do STF, votou contra o "cálculo por dentro" do ICMS em 1999, mas, na época, foi voto vencido. O julgamento da Cofins pode reabrir a discussão.

Justificativa do governo
A Fazenda também aponta a segurança jurídica como uma das razões para a inclusão do assunto na reforma tributária, mas dá mais ênfase às peculiaridades do Brasil. "A metodologia de cobrar "por fora" se presta mais a países com apenas um tributo sobre o consumo", afirma André Paiva, secretário-adjunto de Política Econômica.
Paiva avalia que, embora não haja menção na legislação, a tributação do PIS e da Cofins já segue esse modelo na prática, porque as duas contribuições incidem sobre a receita das empresas -composta pela venda de produtos em cujos preços estão embutidas as próprias contribuições e outros tributos.


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