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OPINIÃO ECONÔMICA
A difícil convivência com a ignorância - 2
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
Vários leitores da Folha
cobraram-me exemplos
pontuais dos erros de análise da
imprensa nos dias mais quentes
da crise econômica que estamos
vivendo. Essa incapacidade de interpretar corretamente os sinais
enviados pelos mercados acabou
por agravar as dificuldades que
estamos vivendo. Na minha coluna da semana passada, procurei
expor meu entendimento sobre as
origens dos momentos difíceis
deste último ano da era FHC. Hoje vou procurar refletir sobre alguns aspectos pontuais da cobertura da imprensa em relação aos
acontecimentos recentes que estamos vivendo.
Começo com o debate em relação ao chamado risco Brasil e sua
explosão nas últimas semanas. As
manchetes dos principais jornais
e agências de notícias exploraram
ao limite o fato de o Brasil ser
considerado hoje o país de maior
risco financeiro do mundo -excluído, é claro, o paciente terminal chamado Argentina. Nos últimos dias, as agências on-line passaram a informar a cada meia
hora a flutuação do risco Brasil,
como se o país fosse um paciente
terminal na UTI de um hospital,
com seus sinais vitais irradiados
de minuto a minuto para os investidores angustiados.
Em nenhum momento, entretanto, foi explicado ao público o
que representa na verdade essa
dança de números. Parte-se do
pressuposto de que ele representa
realmente a visão que o mundo
econômico tem da economia brasileira hoje. Não se ouviu uma
única voz que qualificasse com rigor o que está ocorrendo. Não se
viu ninguém que dissesse que, em
momentos de pânico, o volume de
transações com papéis soberanos
nos mercados cai a níveis inexpressivos. Também não se alertou
para o fato de que poucos especuladores podem, nesta situação de
desfuncionalidade dos mercados,
interferir na formação de preços
dos ativos brasileiros com o objetivo de realizar lucros em outros
mercados com maior liquidez, como o de câmbio e juros futuros.
A ameaça de uma vitória de
Lula nas próximas eleições presidenciais criou um clima de insegurança em relação à solvência
externa do Brasil. Essas preocupações tiveram, na prática, um
efeito negativo sobre nosso crédito, principalmente em razão da
elevada dependência de recursos
externos que temos hoje. Mas não
na intensidade que pode sugerir a
leitura simplista, quase horária e
sem qualificação, da evolução do
risco Brasil. Se isso fizesse sentido,
os mercados estariam sinalizando que é mais seguro investir na
Colômbia -país à beira do caos
político e social, mas com um risco soberano de 600 pontos- do
que no Brasil. O mesmo conselho
poderia ser dado em relação à Nigéria ou à Bósnia. Sabemos, entretanto, que os mercados financeiros, apesar de seus erros freqüentes, não são idiotas a esse
ponto.
Outra falha gritante no dever
de informar vem ocorrendo em
relação à nova política de preços
da Petrobras. Desde que a estatal
foi autorizada a definir com total
liberdade os preços de seus produtos, algumas vozes têm procurado
alertar para os perigos dessa decisão. Pedem também um esclarecimento detalhado sobre os critérios que estão sendo adotados,
principalmente no caso da produção interna de petróleo e gás. Mas
o monopólio estatal tem mantido
segredo sobre suas decisões, e a
imprensa deixou esse problema
de lado.
Tomemos o exemplo do gás de
cozinha, produto de primeira necessidade e de grande impacto
nos orçamentos dos consumidores de renda mais baixa e que já
subiu mais de 40% neste ano.
Uma pesquisa realizada por um
diligente analista de ações do
mercado financeiro mostra uma
armação infernal para aumentar
os lucros da empresa à custa dos
consumidores. O preço de venda
do gás produzido no Brasil, e que
representa mais de 65% do consumo total desse produto, é calculado a partir de seu preço internacional mais o custo do transporte
do exterior, até os terminais de
armazenamento da companhia.
Ou seja, o consumidor brasileiro é
obrigado a pagar um sobrepreço
por um transporte que não existe.
Como essa decisão pode ser revista a qualquer momento a critério
da Petrobras, nenhuma outra
empresa vai investir nesse setor
para aumentar a competição. Pune-se dessa forma duplamente o
consumidor brasileiro em beneficio de uma empresa pública.
Outra questão relevante na
conjuntura política atual e que
tem sido colocada de forma imprecisa pela imprensa é a relação
entre os mercados e a transição
política. Alguns analistas têm
acusado os mercados de tentar
interferir nas eleições brasileiras
ao cobrar do PT e de seu candidato Lula uma política econômica
conservadora nas questões fiscais
e monetárias. Para obter sucesso
nessa empreitada, estariam
criando artificialmente uma crise
financeira de grandes proporções.
Minha visão é diferente e gostaria
de dividi-la com o leitor desta coluna.
O que os mercados estão dizendo na sua linguagem estranha e
dura é que Lula precisa considerar em seus planos de governo o
fato de que nossa economia depende em larga escala da entrada
de capitais para funcionar normalmente. Para que isso tenha
um curso normal, a gestão da política econômica precisa seguir
uma série de princípios que são
conhecidos da teoria econômica.
Em outras palavras, que um governo do PT não pode fugir desse
caminho mínimo sob o risco de
mergulhar o país em uma grave
crise de balança de pagamentos e
destruir qualquer possibilidade
de êxito do novo governo. Mais do
que uma ameaça, essa posição é
uma lembrança de que a realidade de hoje não pode ser mudada
unilateralmente. Caberá ao PT
encontrar um espaço de mudanças estruturais que não agrida essa armadilha estrutural que vivemos hoje.
Luiz Carlos Mendonça de Barros, 59, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br
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