São Paulo, sexta-feira, 05 de julho de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

A difícil convivência com a ignorância - 2

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

Vários leitores da Folha cobraram-me exemplos pontuais dos erros de análise da imprensa nos dias mais quentes da crise econômica que estamos vivendo. Essa incapacidade de interpretar corretamente os sinais enviados pelos mercados acabou por agravar as dificuldades que estamos vivendo. Na minha coluna da semana passada, procurei expor meu entendimento sobre as origens dos momentos difíceis deste último ano da era FHC. Hoje vou procurar refletir sobre alguns aspectos pontuais da cobertura da imprensa em relação aos acontecimentos recentes que estamos vivendo.
Começo com o debate em relação ao chamado risco Brasil e sua explosão nas últimas semanas. As manchetes dos principais jornais e agências de notícias exploraram ao limite o fato de o Brasil ser considerado hoje o país de maior risco financeiro do mundo -excluído, é claro, o paciente terminal chamado Argentina. Nos últimos dias, as agências on-line passaram a informar a cada meia hora a flutuação do risco Brasil, como se o país fosse um paciente terminal na UTI de um hospital, com seus sinais vitais irradiados de minuto a minuto para os investidores angustiados.
Em nenhum momento, entretanto, foi explicado ao público o que representa na verdade essa dança de números. Parte-se do pressuposto de que ele representa realmente a visão que o mundo econômico tem da economia brasileira hoje. Não se ouviu uma única voz que qualificasse com rigor o que está ocorrendo. Não se viu ninguém que dissesse que, em momentos de pânico, o volume de transações com papéis soberanos nos mercados cai a níveis inexpressivos. Também não se alertou para o fato de que poucos especuladores podem, nesta situação de desfuncionalidade dos mercados, interferir na formação de preços dos ativos brasileiros com o objetivo de realizar lucros em outros mercados com maior liquidez, como o de câmbio e juros futuros.
A ameaça de uma vitória de Lula nas próximas eleições presidenciais criou um clima de insegurança em relação à solvência externa do Brasil. Essas preocupações tiveram, na prática, um efeito negativo sobre nosso crédito, principalmente em razão da elevada dependência de recursos externos que temos hoje. Mas não na intensidade que pode sugerir a leitura simplista, quase horária e sem qualificação, da evolução do risco Brasil. Se isso fizesse sentido, os mercados estariam sinalizando que é mais seguro investir na Colômbia -país à beira do caos político e social, mas com um risco soberano de 600 pontos- do que no Brasil. O mesmo conselho poderia ser dado em relação à Nigéria ou à Bósnia. Sabemos, entretanto, que os mercados financeiros, apesar de seus erros freqüentes, não são idiotas a esse ponto.
Outra falha gritante no dever de informar vem ocorrendo em relação à nova política de preços da Petrobras. Desde que a estatal foi autorizada a definir com total liberdade os preços de seus produtos, algumas vozes têm procurado alertar para os perigos dessa decisão. Pedem também um esclarecimento detalhado sobre os critérios que estão sendo adotados, principalmente no caso da produção interna de petróleo e gás. Mas o monopólio estatal tem mantido segredo sobre suas decisões, e a imprensa deixou esse problema de lado.
Tomemos o exemplo do gás de cozinha, produto de primeira necessidade e de grande impacto nos orçamentos dos consumidores de renda mais baixa e que já subiu mais de 40% neste ano. Uma pesquisa realizada por um diligente analista de ações do mercado financeiro mostra uma armação infernal para aumentar os lucros da empresa à custa dos consumidores. O preço de venda do gás produzido no Brasil, e que representa mais de 65% do consumo total desse produto, é calculado a partir de seu preço internacional mais o custo do transporte do exterior, até os terminais de armazenamento da companhia. Ou seja, o consumidor brasileiro é obrigado a pagar um sobrepreço por um transporte que não existe. Como essa decisão pode ser revista a qualquer momento a critério da Petrobras, nenhuma outra empresa vai investir nesse setor para aumentar a competição. Pune-se dessa forma duplamente o consumidor brasileiro em beneficio de uma empresa pública.
Outra questão relevante na conjuntura política atual e que tem sido colocada de forma imprecisa pela imprensa é a relação entre os mercados e a transição política. Alguns analistas têm acusado os mercados de tentar interferir nas eleições brasileiras ao cobrar do PT e de seu candidato Lula uma política econômica conservadora nas questões fiscais e monetárias. Para obter sucesso nessa empreitada, estariam criando artificialmente uma crise financeira de grandes proporções. Minha visão é diferente e gostaria de dividi-la com o leitor desta coluna.
O que os mercados estão dizendo na sua linguagem estranha e dura é que Lula precisa considerar em seus planos de governo o fato de que nossa economia depende em larga escala da entrada de capitais para funcionar normalmente. Para que isso tenha um curso normal, a gestão da política econômica precisa seguir uma série de princípios que são conhecidos da teoria econômica. Em outras palavras, que um governo do PT não pode fugir desse caminho mínimo sob o risco de mergulhar o país em uma grave crise de balança de pagamentos e destruir qualquer possibilidade de êxito do novo governo. Mais do que uma ameaça, essa posição é uma lembrança de que a realidade de hoje não pode ser mudada unilateralmente. Caberá ao PT encontrar um espaço de mudanças estruturais que não agrida essa armadilha estrutural que vivemos hoje.


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 59, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br


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