São Paulo, sexta-feira, 05 de julho de 2002

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TELEVISÃO

Herdeira de ex-acionista da então TV Paulista suspeita de documentos, e perícia conclui que datas foram forjadas

Globo é acusada de fraudar papéis em compra de TV

ELVIRA LOBATO
DA SUCURSAL DO RIO

DANIEL CASTRO
COLUNISTA DA FOLHA

A prática de fazer negócios na radiodifusão por meio de contratos de gaveta levou a família Marinho à Justiça. Roberto Marinho está sendo acusado pelas herdeiras do ex-deputado federal Oswaldo Ortiz Monteiro, morto em 84, de falsificar procurações e recibos referentes à compra da ex-Rádio Televisão Paulista, atual TV Globo de São Paulo.
A ação corre na 41ª Vara Cível do Rio de Janeiro.
Oswaldo Ortiz Monteiro, que foi deputado federal em cinco legislaturas, por São Paulo (de 1951 a 1971), seu irmão Hernani, o cunhado Vicente da Costa e Vicente Bento Costa (não identificado no processo) foram acionistas controladores da TV Paulista nos anos 50.
Em 55, eles venderam 15.099 ações da emissora (52% do capital) a Victor Costa Petraglia, que morreu quando a transferência da emissora para seu nome ainda tramitava no antigo Dentel (Departamento Nacional de Telecomunicações).
Seu filho, Victor Costa Petraglia Júnior, retirou o pedido de transferência com o propósito de reapresentá-lo depois de terminado o inventário. Com isso, a empresa ficou sob o comando de Victor Costa Júnior, embora as ações continuassem em nome dos ex-acionistas.

Venda
Em 64, Victor Costa Júnior vendeu a emissora para Roberto Marinho. A empresa foi negociada dentro de um pacote que incluía mais duas TVs e três rádios. A família Marinho pagou Cr$ 3,7 bilhões (cerca de US$ 2 milhões, na época) pelo pacote.
As 15.099 ações, no entanto, permaneceram em nome da família Ortiz Monteiro por mais 13 anos, até 1977, quando, finalmente, foi formalizada a transferência para Roberto Marinho.
O episódio, que parecia enterrado 25 anos atrás, está sendo revolvido pela filha mais velha do ex-deputado, Regina Marietta Junqueira Ortiz Monteiro, 35.
Na condição de inventariante dos espólios do pai e dos tios, ela quer que a venda seja declarada inexistente, por entender que envolveu documentos supostamente falsos.

Erros grosseiros
Como Victor Costa Petraglia morreu antes de a emissora ser transferida para seu nome, o negócio foi registrado como se Roberto Marinho tivesse adquirido as ações diretamente da família Ortiz Monteiro. Recibos e procurações assinadas pelo ex-deputado foram entregues ao governo como comprovantes da realização da negociação.
Entre os documentos, estão dois recibos de Cr$ 60.396,00 que teriam sido pagos por Roberto Marinho pela cessão total de 15.099 ações do capital inicial da emissora. Os documentos têm redação idêntica, mas, curiosamente, foram assinados com 11 anos de diferença. O primeiro é de dezembro de 64 e o segundo, de julho de 75.
Além dos recibos, há um documento, com data de dezembro de 64, em que Oswaldo Monteiro transfere a Roberto Marinho a procuração que teria recebido dos outros ex-sócios, já mortos, para registrar as ações em seu nome ou no de terceiros.
Há, ainda, três procurações que conferem esse mesmo poder ao ex-diretor da Globo Luiz Eduardo Borgerth, hoje consultor do SBT, de Sílvio Santos.
A primeira procuração, com data de 5 de outubro de 1953, refere-se às 5.000 ações pertencentes a Hernani Ortiz Monteiro.
As outras duas, de 5 de dezembro de 64, referem-se às 2.000 ações de Manoel Bento da Costa e às 2.700 ações pertencentes a Manoel Vicente da Costa.
Perícia feita pelo Instituto Del Picchia, de São Paulo, concluiu que as datas de 1953 e de 1964 que constam nas procurações de Luiz Borgerth são falsas e que, provavelmente, elas foram redigidas entre 1974 e 1975. Seria falsa também a data (5 de dezembro de 1964) colocada no primeiro recibo e na procuração de Oswaldo Monteiro para Roberto Marinho.
Aparentemente, as datas teriam sido alteradas por causa da morte de dois dos ex-sócios. Como Hernani Monteiro morreu em junho de 62, a procuração referente às suas ações saiu com a data de 1953.
Ao retroceder a data, a Globo ficou em situação inexplicável. Se Roberto Marinho afirma ter comprado a emissora de Victor Costa em 1964, como explicar que o executivo tenha recebido a procuração em 53?
O laudo do Instituto Del Picchia foi feito com base nos recibos e procurações apresentados pelos advogados que fazem a defesa da Globo e faz parte da ação judicial. Ele aponta erros grosseiro nas procurações dadas a Luiz Borgerth com datas de 53 e de 64. Ambas trazem o número do CIC (Cartão de Identificação de Contribuinte) do executivo, mas esse sistema só foi criado pelo governo em 1969.
Além disso, Borgerth foi admitido na Globo apenas em 67.
Há discrepância de informações também em relação ao valor das ações. No recibo em favor de Roberto Marinho, datado de dezembro de 64, consta o pagamento de Cr$ 60.396,00 pela cessão de 15.099 ações, com valor nominal de Cr$ 1.000,00 cada uma.
A multiplicação dá Cr$ 15 milhões e não Cr$ 60 mil. Já nas duas procurações dadas a Borgerth, em dezembro de 64, as mesmas ações aparecem com valor nominal de Cr$ 1,00.
Além disso, o recibo dado por Oswaldo Ortiz Monteiro a Roberto Marinho em 75 continua referindo-se à emissora como Rádio Televisão Paulista, apesar da mudança de nome havida em 73, quando a empresa passou a se chamar TV Globo de São Paulo.

Espólio
A TV não faz parte do espólio do ex-deputado, mas Regina diz na ação que decidiu questionar a família Marinho depois que encontrou os recibos assinados por seu pai, aparentemente inconsistentes, e o subestabelecimento de procurações em nome de ex-acionistas quando estes já estavam mortos.
O ex-deputado morreu aos 85 anos, deixando duas filhas, na época adolescentes: Regina Marietta e Alexandra Georgia, hoje com 35 e 33 anos.



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