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TELEVISÃO
Herdeira de ex-acionista da então TV Paulista suspeita de documentos, e perícia conclui que datas foram forjadas
Globo é acusada de fraudar papéis em compra de TV
ELVIRA LOBATO
DA SUCURSAL DO RIO
DANIEL CASTRO
COLUNISTA DA FOLHA
A prática de fazer negócios na
radiodifusão por meio de contratos de gaveta levou a família Marinho à Justiça. Roberto Marinho
está sendo acusado pelas herdeiras do ex-deputado federal Oswaldo Ortiz Monteiro, morto em
84, de falsificar procurações e recibos referentes à compra da ex-Rádio Televisão Paulista, atual TV
Globo de São Paulo.
A ação corre na 41ª Vara Cível
do Rio de Janeiro.
Oswaldo Ortiz Monteiro, que
foi deputado federal em cinco legislaturas, por São Paulo (de 1951
a 1971), seu irmão Hernani, o cunhado Vicente da Costa e Vicente
Bento Costa (não identificado no
processo) foram acionistas controladores da TV Paulista nos
anos 50.
Em 55, eles venderam 15.099
ações da emissora (52% do capital) a Victor Costa Petraglia, que
morreu quando a transferência
da emissora para seu nome ainda
tramitava no antigo Dentel (Departamento Nacional de Telecomunicações).
Seu filho, Victor Costa Petraglia
Júnior, retirou o pedido de transferência com o propósito de reapresentá-lo depois de terminado
o inventário. Com isso, a empresa
ficou sob o comando de Victor
Costa Júnior, embora as ações
continuassem em nome dos ex-acionistas.
Venda
Em 64, Victor Costa Júnior vendeu a emissora para Roberto Marinho. A empresa foi negociada dentro de um pacote que incluía
mais duas TVs e três rádios. A família Marinho pagou Cr$ 3,7 bilhões (cerca de US$ 2 milhões, na
época) pelo pacote.
As 15.099 ações, no entanto,
permaneceram em nome da família Ortiz Monteiro por mais 13
anos, até 1977, quando, finalmente, foi formalizada a transferência
para Roberto Marinho.
O episódio, que parecia enterrado 25 anos atrás, está sendo revolvido pela filha mais velha do ex-deputado, Regina Marietta Junqueira Ortiz Monteiro, 35.
Na condição de inventariante
dos espólios do pai e dos tios, ela
quer que a venda seja declarada
inexistente, por entender que envolveu documentos supostamente falsos.
Erros grosseiros
Como Victor Costa Petraglia
morreu antes de a emissora ser
transferida para seu nome, o negócio foi registrado como se Roberto Marinho tivesse adquirido
as ações diretamente da família
Ortiz Monteiro. Recibos e procurações assinadas pelo ex-deputado foram entregues ao governo
como comprovantes da realização da negociação.
Entre os documentos, estão dois
recibos de Cr$ 60.396,00 que teriam sido pagos por Roberto Marinho pela cessão total de 15.099
ações do capital inicial da emissora. Os documentos têm redação
idêntica, mas, curiosamente, foram assinados com 11 anos de diferença. O primeiro é de dezembro de 64 e o segundo, de julho de
75.
Além dos recibos, há um documento, com data de dezembro de
64, em que Oswaldo Monteiro
transfere a Roberto Marinho a
procuração que teria recebido dos
outros ex-sócios, já mortos, para
registrar as ações em seu nome ou
no de terceiros.
Há, ainda, três procurações que
conferem esse mesmo poder ao
ex-diretor da Globo Luiz Eduardo
Borgerth, hoje consultor do SBT,
de Sílvio Santos.
A primeira procuração, com data de 5 de outubro de 1953, refere-se às 5.000 ações pertencentes a
Hernani Ortiz Monteiro.
As outras duas, de 5 de dezembro de 64, referem-se às 2.000
ações de Manoel Bento da Costa e
às 2.700 ações pertencentes a Manoel Vicente da Costa.
Perícia feita pelo Instituto Del
Picchia, de São Paulo, concluiu
que as datas de 1953 e de 1964 que
constam nas procurações de Luiz
Borgerth são falsas e que, provavelmente, elas foram redigidas
entre 1974 e 1975. Seria falsa também a data (5 de dezembro de
1964) colocada no primeiro recibo e na procuração de Oswaldo
Monteiro para Roberto Marinho.
Aparentemente, as datas teriam
sido alteradas por causa da morte
de dois dos ex-sócios. Como Hernani Monteiro morreu em junho
de 62, a procuração referente às
suas ações saiu com a data de
1953.
Ao retroceder a data, a Globo ficou em situação inexplicável. Se
Roberto Marinho afirma ter comprado a emissora de Victor Costa
em 1964, como explicar que o executivo tenha recebido a procuração em 53?
O laudo do Instituto Del Picchia
foi feito com base nos recibos e
procurações apresentados pelos
advogados que fazem a defesa da
Globo e faz parte da ação judicial.
Ele aponta erros grosseiro nas
procurações dadas a Luiz Borgerth com datas de 53 e de 64.
Ambas trazem o número do CIC
(Cartão de Identificação de Contribuinte) do executivo, mas esse
sistema só foi criado pelo governo
em 1969.
Além disso, Borgerth foi admitido na Globo apenas em 67.
Há discrepância de informações
também em relação ao valor das
ações. No recibo em favor de Roberto Marinho, datado de dezembro de 64, consta o pagamento de
Cr$ 60.396,00 pela cessão de
15.099 ações, com valor nominal
de Cr$ 1.000,00 cada uma.
A multiplicação dá Cr$ 15 milhões e não Cr$ 60 mil. Já nas duas
procurações dadas a Borgerth, em
dezembro de 64, as mesmas ações
aparecem com valor nominal de
Cr$ 1,00.
Além disso, o recibo dado por
Oswaldo Ortiz Monteiro a Roberto Marinho em 75 continua referindo-se à emissora como Rádio
Televisão Paulista, apesar da mudança de nome havida em 73,
quando a empresa passou a se
chamar TV Globo de São Paulo.
Espólio
A TV não faz parte do espólio
do ex-deputado, mas Regina diz
na ação que decidiu questionar a
família Marinho depois que encontrou os recibos assinados por
seu pai, aparentemente inconsistentes, e o subestabelecimento de
procurações em nome de ex-acionistas quando estes já estavam
mortos.
O ex-deputado morreu aos 85 anos, deixando duas filhas, na época adolescentes: Regina Marietta e Alexandra Georgia, hoje com 35 e 33 anos.
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