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LUÍS NASSIF
Os físicos e o novo
mundo
No ambiente acadêmico, há
quem os considere arrogantes.
Eufemisticamente, se poderia
admitir que são bastante
conscientes de sua forma superior de pensar -e não escondem isso. Embora existam
especialidades em sua profissão, jactam-se do oposto, de
sua visão sistêmica, "holística", generalista, conforme
gostam de defini-la.
Em geral, ironizam a objetividade sólida do engenheiro e
o pretenso saber científico dos
economistas. E tratam com
solene desprezo os "especialistas", que não conseguem enxergar além da sua especialização.
Em diversos centros e institutos acadêmicos, a grande
revolução científica brasileira
vem sendo comandada pelos
físicos. Em parte pelo investimento sistemático feito no setor nas últimas décadas, que
acabou gerando vários centros de excelência. Em parte,
pelos pioneiros que lograram
incutir princípios éticos e
científicos bastante sólidos em
seus discípulos.
Mas, na maior parte, pelo
fato de os físicos terem desenvolvido uma forma de pensar
superior, muito mais adequada para se locomover em um
mundo em constantes transformações, onde caem a cada
dia as fronteiras entre as diversas formas de conhecimento -que antes desenvolviam-se de forma estanque,
uns dos outros.
Não lhes interessa a parte,
mas o todo; não o evento isolado, mas o sistema integrado;
não o resultado estático de
um experimento, mas a maneira como os fenômenos interagem em si, como se afetam
mutuamente, recriando realidades dinâmicas, como o
equilíbrio de um tabuleiro de
xadrez sendo afetado continuamente pelas peças movidas.
Realidade complexa
Nas últimas décadas, as tentativas de compreensão do
Brasil foram subordinadas a
uma visão macroeconômica
estreita, da qual o exemplo
mais ostensivo foi a famosa
batalha do Itararé em Carajás -a reunião da equipe
econômica com o presidente
da República, que resultou
em uma série de recomendações que, tivessem sido seguidas, "teriam salvo o Cruzado
e o país". Levaram-se anos
para perceber que faltavam
pré-condições mínimas para
se conquistar a estabilização
na época.
Ainda hoje, esse tipo de visão -de que um país se forja
na boca do caixa do Tesouro
ou na mesa de câmbio do
Banco Central- é dominante
na opinião pública. O país irá
acabar ou estará salvo, dependendo do nível do déficit
público, das transações correntes ou da taxa de investimento da economia.
Recente relatório da MacKinsey concluiu que há espaço para aumento da produtividade em mais de 30%, na
maior parte dos setores nacionais, unicamente por meio da
implantação de novos parâmetros gerenciais, programas
de qualidade total, somados à
capacidade dos setores de
passarem a se articular cooperativamente ao longo da
cadeia produtiva.
Quando se entra nesse campo, descobre-se um universo
infinitamente mais rico e
mais complexo, onde entram
o conhecimento, valores gerenciais, relações sociais, articulações políticas, pesquisas
etc. e a consistência macroeconômica, é claro.
Economicismo
Em recente debate de que
participei acerca dos quatro
anos do Real -presentes economistas de oposição e de governo-, a discussão foi monopolizada pelas projeções
sobre os déficits público e em
conta corrente.
De lado a lado, os economistas caminhavam com desenvoltura em torno de conceitos como grau de déficit
público aceitável, nível de investimento necessário para
retomar o desenvolvimento
etc. Comparavam-se dados de
investimento sobre PIB de
agora com os dos últimos
anos, sem levar em conta os
enormes desperdícios ocorridos ao longo dos últimos 15
anos, em obras inacabadas ou
superfaturadas, por conta de
falta de controle e inflação,
descontinuidade na liberação
dos recursos orçamentários e
tudo o mais que caracterizou
os anos 80.
Nenhum dos presentes -eu
no meio- tinha a mais vaga
idéia, além da observação
empírica, sobre como fatores
políticos e sociais se entrelaçam, como se cria um ambiente de desenvolvimento,
como se reproduzem experiências vitoriosas de articulação da cadeia produtiva,
em outras partes do país, qual
o peso das mudanças culturais na formação desse ambiente e assim por diante.
Éramos todos contadores, discutindo o balanço, sem a mínima noção acerca da complexidade das teias políticas,
sociais e econômicas que definem o processo de desenvolvimento.
Visão sistêmica
É aí que entra a visão sistêmica do físico -perto da
qual essa enorme discussão
macroeconômica torna-se
uma pobreza franciscana. Em
nível internacional, ajudaram a ciência econômica a
sistematizar novas formas de
pensar, com suas contribuições sobre a teoria do caos ou
sobre a natureza dos mercados de derivativos.
Não é por outro motivo que,
no Brasil, os físicos vêm ocupando cada vez mais cargos-chave e tendo papel central nessa reavaliação de conceitos. Hoje eles estão na vanguarda das discussões sobre a
política científico-tecnológica, são os que melhor têm demonstrado entender o novo
papel da universidade, e mesmo o fenômeno do desenvolvimento em si. Embora haja
chutadores em qualquer profissão, a existência de um físico à frente de determinado
órgão é garantia, no mínimo,
de uma visão original acerca
do problema a ser enfrentado.
São convencidos? São, sim.
Mas justificadamente.
Email: Inassif@uol.com.br
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