São Paulo, domingo, 5 de julho de 1998

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DIAGNÓSTICO & RECEITA
Discurso flatulento

OSIRIS LOPES FILHO
Pretende o governo federal perpetuar a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). Para tanto, informa-se que o novo texto da sua proposta, que tarda a ser apresentada oficialmente no vernáculo, vai contê-la.
Em verdade, ela não destoa das monstruosidades que têm sido anunciadas, como balões juninos -são infladas pela propaganda oficial, alcançam vôo sob a admiração de observadores esperançosos, mas seu tempo de sustentação é limitado, como a ventosidade estrepitosa dos traques.
Tenta-se disfarçar o seu odor putrefacto, com finalidades altruístas e nobres, como o financiamento da saúde. A realidade é que ela não tem servido efetivamente a tal objetivo, seja pelos desvios de aplicação permanentes, seja porque o social neste governo é matéria apenas de retórica, sem sinceridade e eficácia, discurso flatulento e demagógico.
Alguns comentaristas conseguem enxergar pelo menos algumas virtudes na CPMF. Ela seria insonegável e pegaria necessariamente os sonegadores. História de carochinha.
Não há tributo insonegável. Há sempre a possibilidade de fuga ao pagamento do tributo devido, se esse é o objetivo do sonegador. Além disso, as instituições financeiras deste país, incumbidas de zelar pela correção dos recolhimentos da CPMF, não são instituições tão idôneas como tem sido alardeado.
Os escândalos dos bancos Econômico, Nacional e Bamerindus, e das instituições financeiras envolvidas na maracutaia dos precatórios, estão a demonstrar a fragilidade dessa argumentação.
Argumenta-se que o tributo pega a economia informal e a criminosa. Essa seria uma virtude capital. Talvez. É uma questão de credulidade.
Quando o montante do tributo for considerável, as negociações far-se-ão no exterior, utilizando-se recursos lá existentes ou mesmo aqui, empregando-se o dólar ou outra moeda conversível disponível.
Mesmo os sacoleiros ou ambulantes dificilmente serão alcançados, pois a dinâmica do seu negócio leva à imediata conversão dos seus lucros em novos estoques sem transações bancárias.
Mas, como sempre, inescapável a tal incidência monstruosa, pagarão os contribuintes corretos. Essa, a terrível repetição de espoliação tributária, promovida, insistentemente, pelo governo FHC.


Osiris de Azevedo Lopes Filho, 58, advogado, é professor de Direito Tributário da Universidade de Brasília e ex-secretário da Receita Federal.



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