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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Falácias de devedor
LUCIANO COUTINHO
Sem desmerecer o sucesso do
Plano Real na derrubada da
inflação para níveis baixíssimos, quatro anos depois de
iniciado não conseguiu fixar
uma trajetória sustentável
para o crescimento da economia brasileira. A nossa vulnerabilidade é inconteste e se
origina primordialmente do
elevado déficit externo (lucros, juros, fretes, gastos dos
turistas brasileiros), ao qual
se acresce o déficit comercial.
No ano passado o rombo totalizou US$ 33,4 bilhões (4,2%
do PIB) e em 1998, apesar de
alguma redução no desequilíbrio comercial, o déficit em
transações correntes com o
exterior deve ficar entre US$
32 e 33 bilhões (4,0% do PIB).
Com esse volume absoluto e
relativo de dependência de
novos capitais/financiamentos estrangeiros, sem contar a
rolagem das obrigações acumuladas, o governo brasileiro
fica à mercê da tirania dos
mercados financeiros internacionais. Fica obrigado a dançar a música por eles determinada (e.g. privatizar as empresas públicas sem critérios
de racionalidade e de soberania) e nos momentos de turbulência vê-se forçado a sacrificar o emprego, a saúde das
empresas, o crescimento da
economia -colocando nos
píncaros a taxa de juros.
Que inveja da China! Com
as suas contas externas equilibradas e reservas de divisas
sólidas, o seu banco central
pôde reduzir nesta semana as
taxas de juros de curto e de
médio prazos para empréstimo às empresas, respectivamente de 7,02% a.a. para
6,57% a.a. e de 7,92% a.a. para 6.93% a.a. Enquanto isso, o
Brasil fica prisioneiro de uma
taxa de juros básica hoje em
21% a.a. e que dificilmente
poderá se reduzir muito abaixo de 20% a.a. no ano que
vem. Registre-se que essa taxa
básica chega às pequenas e
médias empresas, via bancos,
custando entre 60% e 100%
a.a. para um simples desconto
de duplicatas!
Seria urgente que o governo
agisse com muita determinação para reduzir os déficits
externo e interno o quanto
mais rapidamente possível. Isto implicaria controlar mais
as importações de bens finais
de consumo e os gastos de turismo no exterior. Exigiria
uma política mais incisiva de
apoio à exportação. Requereria seriedade -e não populismo eleiçoeiro- no controle
dos gastos públicos. Com um
programa firme de contenção
dos dois déficits seria possível
ir diminuindo consistentemente a taxa de juros e esse
seria um processo virtuoso,
pois ajudaria a acelerar a redução do déficit fiscal cujo
componente principal são os
próprios encargos com juros
sobre a dívida pública (de
5,2% do PIB em 97 e de 6,2%
do PIB previstos para 98).
Ao contrário, ao invés de
enfrentar os verdadeiros desafios, o governo FHC refugia-se
em falácias.
1) Vincula a redução dos juros e do déficit público à implementação das reformas administrativa, previdenciária e
tributária e culpa o Congresso
Nacional pelo atraso destas.
Esconde: a) que sempre teve
maioria folgada no Parlamento; b) que não foi capaz
de preparar os seus projetos de
reforma em tempo hábil (até
agora, por exemplo, não há
projeto definido para a reforma tributária); c) que não é
relevante, a curto prazo, o impacto das reformas sobre o déficit público.
2) Pretende debitar o elevado nível de desemprego aos
processos de reestruturação
empresarial decorrentes da
"globalização" e ao efeito dos
encargos trabalhistas, para
eludir o fato de que este resulta, principalmente, do ritmo
medíocre e irregular de crescimento da economia.
3) Busca camuflar as verdadeiras razões que o levam a
privatizar de forma irracional
o Sistema Telebrás, argüindo
que o modelo proposto maximizaria a concorrência e, portanto, beneficiaria o consumidor -desviando a discussão
da premência com que vem
sendo obrigado a vender, de
forma a agradar aos mercados e financiar parte dos déficits interno e externo.
Com relação a este ponto cabem mais esclarecimentos,
pois, carente de argumentos, o
sr. ministro das Comunicações bate abaixo da linha da
cintura e o governo se lança
em uma falaciosa campanha
publicitária: a) não tem fundamento a hipótese de que a
fragmentação do sistema brasileiro de telefonia fixa em
três empresas regionais acirrará a competição no que tange à rede local e às chamadas
locais. Uma fonte insuspeita,
a OECD, em relatório que
examina a competição local
em telecomunicações, constata: "Depois de mais de uma
década de introdução da
competição nos sistemas de
telecomunicações dos países
da OECD, mais de 99,6% de
todas as linhas locais ainda
são supridas pelos antigos
operadores públicos"(*). A
fragmentação não aumentou
de forma significativa a competição local, nem nos EUA
(onde as "baby bells" estão se
reconcentrando) nem na Inglaterra, nem nos demais países.
Portanto, é falsa a proposição de que a fragmentação do
sistema se justificaria em virtude dos benefícios que traria
para os consumidores; b) é
também falacioso o argumento de que a privatização, da
forma como será feita, criará
milhões de empregos, dado
que uma privatização alternativa -na forma como já
propus nesta coluna (a Brasil
Telecom)- poderia gerar
ainda mais empregos. Com
efeito, além dos empregos em
serviços que o governo contabiliza, também criar-se-iam
mais empregos na produção e
desenvolvimento local de
equipamentos, sistemas e softwares, empregos esses -mais
nobres- que certamente não
florescerão se as três empresas
de telefonia fixa e a Embratel
vierem a ser controladas por
operadoras estrangeiras. Nesse caso, esses empregos serão
criados no exterior. Mais uma
falácia, portanto.
A proposta de privatizar sob
a forma de uma grande empresa nacional -a Brasil Telecom- é melhor sob todos os
ângulos: vale mais, é mais eficiente por maximizar as economias de escala e de escopo,
assegura a pesquisa técnica e
a produção no país, não provoca sangria cambial e resguarda a soberania nacional.
Quanto à competição, há
meios mais inteligentes para
promovê-la: "empresas-espelho" devem ser criadas e poderão concorrer efetivamente no
mercado de ligações interurbanas e internacionais, enquanto no plano local a concorrência logo virá, e forte,
por parte de novos operadores
baseados nos cabos de TV, como já vem ocorrendo na Inglaterra e nos Estados Unidos.
Não é à toa que, na semana
passada, a ATT investiu US$
48 bilhões na compra da
maior operadora de TV a cabo dos EUA, a TCL.
Repito o quão grave é o
equívoco que está sendo cometido. Corre-se o risco de
desnacionalizar todo o Sistema Telebrás, de gerar um polpudo fluxo de remessa de lucros e dividendos por anos a
fio, de desmantelar a preciosa
base instalada de desenvolvimento tecnológico no país
(CPqD) e de dificultar seriamente a produção local de
equipamentos. Tudo isso para
arrecadar já recursos que desaparecerão no sorvedouro da
conta dos juros internos e externos.
(*) Organization for Economic Co-operation
and Development (OECD) - "Local Telecommunication Competition: Developments
and Policy Issues", Paris, 1996, pág. 23
Luciano Coutinho, 50, é professor titular
do Instituto de Economia da Universidade
de Campinas (Unicamp). Foi secretário-geral do Ministério da Ciência e Tecnologia
(1985-88).
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