São Paulo, domingo, 5 de julho de 1998

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MERCADO ACIONÁRIO
Mesmo pequenas aplicações influenciam o índice Bovespa minutos antes do encerramento do pregão
Crise torna Bolsa vulnerável à manipulação

João Wainer/Folha Imagem
Corretores trabalham na Bolsa de Valores de São Paulo


RICARDO GRINBAUM
da Reportagem Local

George Soros, o mega-especulador do mercado financeiro internacional, pode morrer de inveja. Com R$ 1.000 na carteira e em negócios fechados em um minuto, está sendo possível influenciar o preço de algumas das ações mais importantes da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa).
Um ano depois do início da crise da Ásia, as Bolsas se tornaram mais vulneráveis a viradas de última hora. Com o menor volume de negócios, mesmo as pequenas transações passaram a influenciar as ações. Ficou mais fácil e barato mexer com o preço dos papéis.
A quinta-feira passada, aniversário do início da crise (2 de julho de 97), é um bom exemplo. A um minuto do fim do pregão, o lote de mil ações da Eletropaulo Metropolitana era cotado a R$ 91,00. Em três negócios relâmpagos, de R$ 920,00 cada, a cotação subiu 1% e elevou o preço da empresa em R$ 35 milhões.
Com a Sabesp ocorreu algo parecido. Um minuto antes da campanhia soar encerrando o pregão, uma operação elevou de R$ 145,00 para R$ 150,00 o preço das ações, alta de 3,5%. A compra e a venda foram feitas pela mesma corretora - o que é permitido por lei.
Situações parecidas se repetiram na sexta-feira. Os resultados de outra companhia elétrica, a Eletropaulo Bandeirante, foram influenciados por pequenas compras de última hora. Dois negócios, no valor de R$ 396,00 cada, elevaram para R$ 19,80 o preço do lote de ações, acima da média do dia, de R$ 18,97.
Negócios como esses estão ficando mais comuns na Bolsa de São Paulo, segundo os analistas de bancos. As pequenas operações de última hora chegam ao ponto de influenciar o índice Bovespa, que mede a variação do preço das ações na Bolsa.
Na quinta-feira, o pregão terminou com queda de aproximadamente 0,60% nas cotações, mas ainda não haviam sido computados os boletos com os registros dos últimos negócios. Somados as operações fechadas em cima da hora, o resultado mudou para uma queda menor, de 0,14%.

"Embelezar a janela"
Os especialistas descrevem o que está acontecendo na Bolsa de São Paulo como um fenômeno conhecido no mercado financeiro por dois nomes em inglês: "paint the tape" (pintar a fita) e "window dressing" (embelezar a janela).
A idéia é a mesma: criar um novo preço para os papéis no fechamento para influenciar nos negócios do dia seguinte ou forçar a alta de cotações para melhorar, aos olhos dos aplicadores, o desempenho de fundos de investimento.
Esse tipo de truque sempre existiu e não só no Brasil. A diferença é que em um mercado em ebulição, com muita gente comprando e vendendo ações, é mais difícil fazer a operação. Não dá para forçar a mão, quando outros negócios estão sendo fechados com os mesmos papéis e preços diferentes.
"Como o preço das ações caiu no último ano, ficou mais barato fazer essas operações", diz Rodrigo Bresser Pereira, gerente de investimentos do banco Matrix. "Essas jogadas podem influenciar as cotações em um dia ou dois, mas o que conta no final são indicadores mais consistentes."
Para os especialistas, essas operações prosperam quando não há tendência nítida no mercado de ações. As decisões de negócios ficam concentradas em investidores que ganham com a oscilação diária dos preços e não com apostas de longo prazo.
"É uma guerrinha de mercado, mas que não tem efeito a longo prazo", diz Walter Mendes, diretor no Brasil da Schroders, administradora de recursos inglesa. "Esse tipo de jogada deixa o mercado mais difícil para ser operado por leigos, mas seu efeito é limitado. Não se ouve falar de grandes manipulações."
Para o diretor de renda variável do Lloyds Asset Management (Lam), Paulo de Sá Pereira, a redução no volume de negócios dificulta a avaliação justa do preço dos papéis. "As pessoas ficam mais ousadas e é comum que surjam certas jogadas."

Fiscalização

A Bovespa nega que as chamadas operações do tipo "window dressing" estejam ocorrendo. Segundo a assessoria de comunicação, a Bovespa segue a instrução 168, da CVM (Comissão de Valores Mobiliários), que determina o acompanhamento dos preços e das quantidades de ações negociadas.
Caso a Bovespa identifique irregularidades, a venda das ações tem de ser suspensa e submetida a leilão, para se ajustar os preços.



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