São Paulo, quarta, 5 de agosto de 1998

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ARTIGO
A estratégia de ajuste para 1999/2002


FABIO GIAMBIAGI

Há duas posturas equivocadas acerca da situação fiscal do país. A primeira é a passividade diante de um déficit nominal de mais de 6% do PIB, que é a principal ameaça para a continuidade da estabilização. A segunda é a prática de apenas enunciar objetivos ideais, sem se preocupar com a sua viabilidade.
O país não pode ficar inerte diante de um desequilíbrio fiscal da magnitude atual; porém também não adianta concordarmos que "temos que fazer um ajuste fiscal", "temos que ter um superávit primário de 3% do PIB" ou coisas do gênero sem definir uma estratégia para que esses objetivos sejam viabilizados. Este artigo é uma modéstia tentativa de apontar algumas linhas de ação para essa redução almejada do déficit público.
Na nossa opinião, a estratégia de ajustamento do próximo governo deve se basear em cinco pilares.
a) Definição explícita de metas fiscais, a ser perseguidas a ferro e fogo. A explicação de que isso já foi tentado no passado, sem êxito, não nos parece convincente. Primeiro, porque o grau de formalização das metas foi precário, o que não implicava maior dose de comprometimento com elas; segundo, porque, se as metas anteriores não foram cumpridas, a conclusão lógica é que no futuro é preciso que o esforço seja maior, não que, em face do fracasso prévio, se deva desistir de ter metas. Estas equivalem a um "plano de vôo", sem o qual o resultado tende a ser o aumento da relação dívida pública/PIB.
b) Rígido controle do endividamento estadual/municipal. Medidas como a recente resolução limitando o endividamento dos Estados terão que ser cumpridas e, eventualmente, reforçadas, para fazer com que o déficit de Estados e municípios caia substancialmente, pela impossibilidade de eles se financiarem além da disponibilidade de receitas, uma vez que os fundos das privatizações estaduais se esgotem.
c) Inversão da trajetória das OCCs ("outras despesas de custeio e capital"). As despesas do governo central (excetuados, basicamente, os gastos com pessoal, Previdência Social, transferências constitucionais e juros da dívida pública), que tradicionalmente foram a "variável de ajuste" no passado, tiveram um "boom" nos últimos anos (ver quadro). É necessário inverter essa trajetória, se não retornando ao nível de 1995, pelo menos adotando critérios de hierarquia de cortes que comportem uma queda das OCCs totais. Pode-se mostrar que, mesmo preservando o gasto real de setores vitais, como a saúde -desde que os cortes nos demais órgãos compensem a ausência de cortes nessas áreas-, as OCCs podem ser ajustadas.
d) Compensação tributária pela perda de receita. Em 1998, a União vai arrecadar 1,5% do PIB de receitas extraordinárias: 0,9% do PIB de CPMF; 0,3% da parcela temporária do Imposto de Renda sobre as aplicações financeiras; e 0,3% de concessões (banda B).
Este humilde servidor tem ganho alguns inimigos defendendo a idéia de que o governo deve aumentar outras receitas para compensar isso, pelo menos parcialmente -note-se que não estamos falando em aumento da carga tributária, já que a receita total cairia, mas apenas em minorar a perda.
O tema, naturalmente, não dá muito "ibope"; entretanto qualquer observador isento há de concordar que o fato de um país com um déficit público de 6,5% do PIB aceitar perder 1,5% de receita não faz o menor sentido.
e) Queda dos juros. À medida que a taxa de juros nominal se aproxime de 12% em 2002 -o que estaria associado a uma taxa de juros real de 10%, com 2% de inflação-, a despesa de juros poderá ir caindo progressivamente. O problema é que os juros não cairão nessa magnitude se o governo não der mostras de estar melhorando o resultado primário, por meio das medidas anteriores. Já se houver uma ação firme para melhorar o resultado fiscal, como tem sido defendido pelo presidente do Banco Central, os juros poderão continuar a cair.
Metas fiscais perseguidas obsessivamente, controle rigoroso do financiamento a Estados, queda da relação OCC/PIB, diminuição da perda associada ao fim das receitas extraordinárias e redução gradual dos juros devem constituir a base de um programa fiscal para o período 1999/2002. Elas dispensam a figura de um "Dia D", com o anúncio de um "pacote" de medidas simultâneas, até porque várias delas dependem muito mais da condução do dia-a-dia da política fiscal que de anúncios formais.
Não vão dispensar, porém, um esforço constante duro e desgastante para que em 2002 tenhamos não apenas uma inflação, mas também um déficit público de Primeiro Mundo -sem isso, dificilmente a meta de ter uma inflação igual à internacional poderá ser mantida.


Fabio Giambiagi, 36, economista, é gerente de macroeconomia do BNDES. Foi professor da UFRJ e assessor do Ministério do Planejamento e Orçamento (governo Fernando Henrique Cardoso).



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