São Paulo, terça-feira, 05 de outubro de 2004

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PREVIDÊNCIA PRIVADA

Estudo diz que 76% não alcançaram objetivos no 1º semestre

Fundos de pensão não atingem metas

JONATHAN WHEATLEY
DO "FINANCIAL TIMES"

Foi um mau ano para os fundos de pensão das empresas brasileiras. Um recente estudo do Risk Office, consultoria financeira ligada à Abrapp (Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar), demonstra que pelo menos 76% dos fundos não conseguiram cumprir suas metas atuariais durante o primeiro semestre.
Má notícia, de qualquer forma, para os beneficiários dos fundos, o resultado desfavorável pode também se tornar um sério problema atuarial. Se um fundo fracassa por três anos consecutivos no cumprimento de suas metas, deve reduzir os benefícios ou elevar as contribuições.
A ironia para os administradores de fundos é que suas vidas foram dificultadas por desdobramentos que constituem excelentes notícias para a economia em geral. Um deles é a recente queda na taxa juros overnight brasileira, à qual os certificados de depósitos (CDIs, no Brasil), a maior classe de ativos nas carteiras dos fundos, estão vinculados.
A taxa atingiu 45% ao ano durante a crise cambial brasileira de 1999, e estava em 26,5% em fevereiro do ano passado, caindo a 16% no segundo trimestre deste ano (ainda que tenha voltado a subir, para 16,25%).
Embora favorável ao investimento e ao emprego, a queda nas taxas de juros dificulta a vida dos administradores de fundos. No passado, eles podiam cumprir suas metas simplesmente acumulando pilhas de CDIs e títulos da dívida pública. Agora, cada vez mais, precisam procurar por outros investimentos.
As más notícias não param por aí. O Brasil está em meio a um boom de exportações. As exportações devem atingir US$ 90 bilhões neste ano, produzindo superávit comercial de US$ 30 bilhões. Isso impulsiona o crescimento econômico, que deve exceder os 4,5% neste ano -depois da contração de 0,2% em 2003- e oferece o estímulo necessário à confiança econômica.
As agências de classificação de crédito Moody's e Finch elevaram a classificação cambial e da dívida soberana brasileira em setembro. Uma vez mais, uma notícia excelente para a economia, mas nada boa para os fundos de pensão.
A razão é que as metas de desempenho de muitos fundos estão estabelecidas na forma de um determinado percentual acima da inflação. A maior parte deles trabalha com inflação mais 6%. O índice mais comumente usado de inflação é o IGP-M. O boom de exportações deste ano resultou em maior pressão sobre os preços no atacado do que sobre os preços no varejo.

Riscos maiores
A mais recente pesquisa do Banco Central no mercado financeiro demonstra que a expectativa é que o IGP-M atinja 12,6% neste ano, ante 7,3% para o principal índice de preços no varejo. Isso significa que muitos administradores de fundos precisam procurar por retornos nominais da ordem de 18% ou mais ao ano.
"Quando os planos foram estabelecidos e as metas definidas, todo mundo acreditava que inflação mais 6% fosse fácil", diz Fernando Lovisotto, sócio da Risk Office. "Mas hoje as coisas são muito diferentes".
Este ano, diz Alexandre Mathias, economista-chefe do Unibanco, um dos maiores administradores de ativos de fundos de pensão, os dirigentes dos fundos devem aceitar maiores riscos, operando em Bolsa e com outros ativos menos previsíveis, que oferecem retornos mais elevados. "Tivemos um bom ano [nesses ativos]", diz. "Em alguns casos, estamos próximos das metas".
Os administradores de fundos instruídos a evitar riscos e a investir passivamente, se equiparando a padrões menos ambiciosos, podem ter de aceitar a segunda opção de Mathias, que é simplesmente arcar com o prejuízo. Isso não é tão mau quanto parece, dado o ano deslumbrante de que muitos fundos desfrutaram no ano passado.
O índice da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), por exemplo, subiu 97,3% em termos nominais (141,3% em termos de dólares), e os CDIs ofereceram retornos de 22,4%. Isso permitiu que muitos fundos de pensão obtivessem retornos nominais da ordem de 40% a 50% no ano passado. Os administradores mais conservadores podem ter de abandonar 20% a 30% desses ganhos a fim de cobrir o déficit deste ano.

Jogo para otários
A sabedoria convencional é de que os ganhos de capital do ano passado embutiam o crescimento econômico previsto para este ano. As ações estão estagnadas neste ano (o índice Bovespa subiu apenas 4,4%), de acordo com esse raciocínio, porque os investidores ainda não estão convencidos de que a recuperação é sustentável. Se as ações reconquistarem desempenho semelhante ao do ano passado, os fundos de pensão não precisam se preocupar com o cumprimento de suas metas no ano que vem. Mas prever preços de ações, como todo mundo sabe, é um jogo para otários.
Existem outras opções. Uma é investir em papéis do governo, vinculados ao mesmo índice que a referência dos fundos. Existem títulos do governo, por exemplo, que pagam o IGP-M mais 8% ao ano. Com ativos como esses, cumprir metas deve ser tão fácil quanto cair de uma árvore.
Mas os administradores de fundos relutam em colocar proporção muito elevada de seu dinheiro em papéis de longo prazo e baixa liquidez. Eles preferem os CDIs, que são resgatáveis rapidamente, e cuja liquidez é quase ilimitada. Em média, entre 55% e 60% dos ativos dos fundos de pensão são compostos por CDIs.
Isso pode parecer estranho. Os fundos de pensão, afinal, têm compromissos de longo prazo e deveriam estar famintos por ativos de longo prazo. O fato é que no Brasil esses ativos são escassos e não muito atraentes.
Como aponta Mathias, com taxa de 16,25% no overnight e inflação de 7% nos preços do varejo, os CDIs oferecem retornos reais de cerca de 8,6% ao ano. Um título público com prazo de um ano terá retorno real de cerca de 9,6%. "Vale a pena abrir mão do acesso e liquidez instantâneos por um ponto percentual a mais por ano?", pergunta. "Aparentemente não".
O Tesouro está trabalhando com afinco para alongar o perfil de sua dívida, e reduzindo o volume de títulos vinculados à inflação e a outros índices.
O governo também está adotando incentivos fiscais para investimentos em prazo mais longo. Isso gradualmente ampliará a gama de opções disponíveis para os administradores de fundos de pensão.
Enquanto isso, eles estão em larga medida à mercê de forças que não controlam. Por isso, dedos cruzados para o ano que vem.


Tradução de Paulo Migliacci


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