São Paulo, terça-feira, 05 de outubro de 2004

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RECEITA ORTODOXA

Para diretor-adjunto, país tem "muitas prioridades em gastos" para levar em conta antes de decidir por aperto maior

FMI questiona aumento do superávit fiscal

FERNANDO CANZIAN
DE WASHINGTON

O Brasil viveu ontem a insólita situação de ter tido questionada pelo próprio FMI (Fundo Monetário Internacional) a necessidade de o que o país aumente o atual nível de superávit fiscal para reduzir o seu endividamento.
Ao mesmo tempo, o governo brasileiro afirmou que um eventual aumento do superávit "não atrapalharia" o crescimento projetado para os próximos anos.
Charles Collyns, diretor-adjunto do FMI responsável pelo Brasil, afirmou que o país tem "muitas prioridades em gastos", principalmente na área de infra-estrutura. "Há uma série de fatores que o governo tem de levar em conta antes de tomar uma decisão nesse sentido [de aumentar o superávit]", disse.
Collyns fez a afirmação em resposta a pedidos de economistas e banqueiros em seminário em Washington para que o Brasil amplie em 2005 a atual meta de superávit primário, de 4,5% do PIB (Produto Interno Bruto), para pagar seu endividamento.
O aumento dessa meta levaria a uma redução mais rápida da dívida, mas diminuiria ainda mais a capacidade do governo de investir, que é o que o FMI questiona.
"Há muitas prioridades em gastos, como os investimentos públicos em infra-estrutura. Eles são necessários para que não se forme um gargalo nas exportações por causa da falta de portos ou de problemas com o transporte interno, por exemplo. Existem também outros objetivos sociais do governo", afirmou Collyns.
Presente ao encontro, o secretário do Tesouro brasileiro, Joaquim Levy, disse que "o Brasil não está correndo para aumentar o superávit primário". Mas, segundo ele, mesmo uma elevação da meta no ano que vem "não atrapalharia" as atuais perspectivas de crescimento do país.
De acordo com projeções do FMI apresentadas ontem, o tamanho da dívida brasileira como proporção do PIB deve cair dos atuais 54,1% para 45% em cinco anos, caso o Brasil cresça 3,5% ao ano até 2009. Segundo o FMI, essa é uma previsão "conservadora", pois o crescimento pode ser maior que 3,5% anuais previstos.
"O mais importante agora é colocar a ênfase no crescimento, com as reformas necessárias, que é o que o governo parece estar fazendo", disse Collyns.
Levy disse que o governo ainda está "preocupado com a meta [de superávit] deste ano". "Veremos a do ano que vem quando chegarmos lá." O secretário do Tesouro disse também que o governo tem um "compromisso claro" de não aumentar mais a carga tributária, fato que poderia dificultar um esforço fiscal maior.
Os pedidos para que o Brasil economize mais para reduzir seu endividamento foram encabeçados pelo presidente do Itaú, Roberto Setubal, pelo ex-economista-chefe do FMI, Kenneth Rogoff, hoje na Universidade de Harvard, e por Paulo Leme, diretor da Goldman Sachs.
Rogoff afirmou que, para estar "seguro", o Brasil terá de reduzir seu endividamento como proporção do PIB dos atuais 54,1% do PIB para 35% ou mesmo 25%.
"O benefício de pagar o endividamento mais rápido seria enorme aproveitando o extraordinário cenário econômico que temos hoje", disse Rogoff.
Embora Collyns tenha dito ser difícil ao FMI "encontrar buracos" na situação macroeconômica brasileira, ele admitiu que "há sempre risco de reversão na dinâmica do endividamento" devido ao tamanho da dívida do Brasil.
Para Setubal, o atual nível de superávit ""já vai dar sustentabilidade ao crescimento e recolocar, com o tempo, o país em uma situação mais confortável para receber investimentos. Mas poderíamos chegar lá mais rápido."
Setubal afirmou que a medida também ajudaria a reduzir mais rapidamente as taxas de juro.
Confrontado com o pedido de aumento do esforço fiscal, o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, afirmou que "banqueiro sempre quer mais". "O importante é que o atual nível de superávit é claramente sustentável."


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