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OPINIÃO ECONÔMICA
Mesmo os papas
BENJAMIN STEINBRUCH
Auto-estima é a opinião
que uma pessoa tem a respeito dela mesma: sobre o próprio
valor, o trabalho que realiza, o sucesso que pode fazer, a proposta
de vida etc.
Quando essa opinião resulta
numa imagem negativa, diz-se
que a pessoa tem baixa auto-estima. É quando ela não vê, por
exemplo, perspectivas de melhora
na vida pessoal e financeira, no
trabalho e, enfim, não tem confiança em si. A elevada auto-estima é o contrário. Manifesta-se
por atitudes corajosas, segurança
no futuro e motivação para as relações pessoais e profissionais.
Auto-estima elevada, portanto,
é fundamental para estimular as
pessoas a ter uma atitude positiva
de vida. Foi com muita emoção
que o país viu esse comportamento de milhões de brasileiros na semana passada, numa reação favorável à eleição de Luiz Inácio
Lula da Silva para a Presidência
da República. Lula irradia felicidade, seus olhos brilham, está entusiasmado, e esse sentimento favorável contamina a população.
As coisas mudaram muito rapidamente no Brasil. Há seis meses,
não muito mais do que isso, quase todos os analistas sociais diziam que Lula dificilmente seria
eleito presidente porque tinha um
alto índice de rejeição, principalmente nas classes de menor renda.
Por trás da idéia que justificava
esse argumento estavam a baixa
auto-estima e o complexo de inferioridade do brasileiro. Por conhecer suas próprias limitações,
os trabalhadores jamais elegeriam para governar o país um
candidato igual a eles, sem formação superior. Assim, achava-se
que, no segundo turno, a maioria
sempre preferiria votar em um
doutor. José Serra tentou estimular esse sentimento durante a
campanha, quando fez um filme
para lembrar que Lula não possui
diploma universitário. Não funcionou.
A eleição de Lula mostrou que
os brasileiros superaram pelo menos temporariamente esse sentimento negativo. A ascensão de
um trabalhador melhorou muito
a auto-estima de seus iguais. Milhões de pessoas que se julgavam
sem perspectiva pessoal e profissional passaram a ter, de repente,
uma atitude positiva a respeito de
suas próprias perspectivas. Afinal,
um brasileiro igual a eles havia
demonstrado que perseverança,
coragem e luta podem dar resultados.
A auto-estima elevada do brasileiro é um bom começo para o governo Lula, mas não é tudo. Pesa
agora sobre os ombros do presidente eleito a responsabilidade de
mantê-la em alta, e isso certamente vai tirar o sono de Lula nas
próximas semanas, até a posse.
O maior trunfo para aumentar
a auto-estima é o emprego. Um
chefe de família desempregado
perde a dignidade humana e a cidadania. Não pode honrar compromissos sociais, oferecer alimentação saudável aos filhos
nem cuidar adequadamente de
sua saúde e educação. O desemprego de longa duração, numa sociedade como a brasileira, sem
instrumentos sociais compensatórios, leva as pessoas à solidão, à
desesperança, ao alcoolismo. No
Brasil, essa é, infelizmente, uma
dramática realidade.
Números divulgados na semana passada mostram que os índices de desemprego continuam a
crescer. Dependendo da metodologia, o número de desempregados varia de 8 milhões a 15 milhões de pessoas. Estima-se que só
na Grande São Paulo esteja sem
emprego 1,8 milhão de pessoas.
Para manter esse inédito sentimento de auto-estima elevada,
Lula terá de mostrar na prática
que, como trabalhador, está sensibilizado para o problema do
emprego. Não poderá se deixar levar pelo racionalismo frio dos
economistas, que consideram a
recessão um mal necessário para
combater a inflação e estabilizar
a economia.
Para criar empregos, Lula terá
de arriscar medidas corajosas. Se
errar, terá de reconhecer o erro; e
tentar novamente. Na situação
atual, em que vive momento de
glória, jamais deverá perder a humildade, a sensibilidade, a proximidade com o povo brasileiro,
com aquilo que prometeu e o fez
presidente do Brasil.
Nas solenidades de ordenação
de papas, o Vaticano adota uma
expressão latina muito apropriada: "Sic transit gloria mundi"
(Assim passa a glória deste mundo). O objetivo é mostrar quão
passageiras são as glórias e o poder terreno e quão falíveis são os
homens. Mesmo os papas.
Benjamin Steinbruch, 49, empresário, é presidente do conselho de administração da Companhia Siderúrgica Nacional.
E-mail - bvictoria@psi.com.br
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