São Paulo, terça-feira, 05 de novembro de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

Mesmo os papas

BENJAMIN STEINBRUCH

Auto-estima é a opinião que uma pessoa tem a respeito dela mesma: sobre o próprio valor, o trabalho que realiza, o sucesso que pode fazer, a proposta de vida etc.
Quando essa opinião resulta numa imagem negativa, diz-se que a pessoa tem baixa auto-estima. É quando ela não vê, por exemplo, perspectivas de melhora na vida pessoal e financeira, no trabalho e, enfim, não tem confiança em si. A elevada auto-estima é o contrário. Manifesta-se por atitudes corajosas, segurança no futuro e motivação para as relações pessoais e profissionais.
Auto-estima elevada, portanto, é fundamental para estimular as pessoas a ter uma atitude positiva de vida. Foi com muita emoção que o país viu esse comportamento de milhões de brasileiros na semana passada, numa reação favorável à eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para a Presidência da República. Lula irradia felicidade, seus olhos brilham, está entusiasmado, e esse sentimento favorável contamina a população.
As coisas mudaram muito rapidamente no Brasil. Há seis meses, não muito mais do que isso, quase todos os analistas sociais diziam que Lula dificilmente seria eleito presidente porque tinha um alto índice de rejeição, principalmente nas classes de menor renda.
Por trás da idéia que justificava esse argumento estavam a baixa auto-estima e o complexo de inferioridade do brasileiro. Por conhecer suas próprias limitações, os trabalhadores jamais elegeriam para governar o país um candidato igual a eles, sem formação superior. Assim, achava-se que, no segundo turno, a maioria sempre preferiria votar em um doutor. José Serra tentou estimular esse sentimento durante a campanha, quando fez um filme para lembrar que Lula não possui diploma universitário. Não funcionou.
A eleição de Lula mostrou que os brasileiros superaram pelo menos temporariamente esse sentimento negativo. A ascensão de um trabalhador melhorou muito a auto-estima de seus iguais. Milhões de pessoas que se julgavam sem perspectiva pessoal e profissional passaram a ter, de repente, uma atitude positiva a respeito de suas próprias perspectivas. Afinal, um brasileiro igual a eles havia demonstrado que perseverança, coragem e luta podem dar resultados.
A auto-estima elevada do brasileiro é um bom começo para o governo Lula, mas não é tudo. Pesa agora sobre os ombros do presidente eleito a responsabilidade de mantê-la em alta, e isso certamente vai tirar o sono de Lula nas próximas semanas, até a posse.
O maior trunfo para aumentar a auto-estima é o emprego. Um chefe de família desempregado perde a dignidade humana e a cidadania. Não pode honrar compromissos sociais, oferecer alimentação saudável aos filhos nem cuidar adequadamente de sua saúde e educação. O desemprego de longa duração, numa sociedade como a brasileira, sem instrumentos sociais compensatórios, leva as pessoas à solidão, à desesperança, ao alcoolismo. No Brasil, essa é, infelizmente, uma dramática realidade.
Números divulgados na semana passada mostram que os índices de desemprego continuam a crescer. Dependendo da metodologia, o número de desempregados varia de 8 milhões a 15 milhões de pessoas. Estima-se que só na Grande São Paulo esteja sem emprego 1,8 milhão de pessoas.
Para manter esse inédito sentimento de auto-estima elevada, Lula terá de mostrar na prática que, como trabalhador, está sensibilizado para o problema do emprego. Não poderá se deixar levar pelo racionalismo frio dos economistas, que consideram a recessão um mal necessário para combater a inflação e estabilizar a economia.
Para criar empregos, Lula terá de arriscar medidas corajosas. Se errar, terá de reconhecer o erro; e tentar novamente. Na situação atual, em que vive momento de glória, jamais deverá perder a humildade, a sensibilidade, a proximidade com o povo brasileiro, com aquilo que prometeu e o fez presidente do Brasil.
Nas solenidades de ordenação de papas, o Vaticano adota uma expressão latina muito apropriada: "Sic transit gloria mundi" (Assim passa a glória deste mundo). O objetivo é mostrar quão passageiras são as glórias e o poder terreno e quão falíveis são os homens. Mesmo os papas.


Benjamin Steinbruch, 49, empresário, é presidente do conselho de administração da Companhia Siderúrgica Nacional.

E-mail - bvictoria@psi.com.br


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