São Paulo, terça-feira, 05 de novembro de 2002

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ANO DO DRAGÃO

Próximo governo terá de manter juros altos se quiser evitar o repasse dos preços do atacado para o varejo

Crise de financiamento é a maior desde 93

ÉRICA FRAGA
DA REPORTAGEM LOCAL

O abismo que separa a variação dos preços no atacado em relação aos do varejo atingiu em outubro passado seu nível mais elevado desde 1993, ano em que o Brasil ainda vivia o drama da inflação descontrolada.
A conta, feita pela Consultoria Econômica do banco Itaú, revela que o país vive a maior crise de financiamento externo dos últimos nove anos e indica o risco de repasse da desvalorização para os preços pagos pelo consumidor.
O Itaú construiu um índice que mostra as variações mensais do IPA-M (Índice de Preço por Atacado) e do IPC-M (Índice de Preço ao Consumidor), medidos pela Fundação Getúlio Vargas, nos últimos nove anos. A relação entre os dois índices de inflação, calculada pelo banco, atingiu 1,20 em outubro passado, valor 3,4% superior ao registrado nos últimos meses de 93, época da hiperinflação. Em comparação com meados de 2000, a diferença do IPA em relação ao IPC já subiu 21%.
Isso mostra que os preços dos bens no atacado -que são principalmente aqueles comercializados por um país no exterior- estão subindo em ritmo muito mais acelerado que os do varejo.
A notícia que pode parecer boa -afinal, a alta dos preços provocada pela pressão cambial não está chegando ao bolso do consumidor- indica, na verdade, que o país vive uma severa crise de financiamento externo.
Mostra ainda que o próximo governo terá de manter a taxa de juros alta se quiser evitar o repasse dos preços no atacado para a ponta do varejo, enquanto o câmbio estiver pressionado.
A política econômica dos últimos oito anos, principalmente no período de sobrevalorização do real, produziu um enorme déficit nas contas do Brasil com o exterior. Para fechar o buraco das contas externas, a solução passou a ser a atração de investimentos de fora que garantissem a entrada de dólares suficientes no país.
No entanto com a desaceleração da economia mundial e a crise de confiança que abala o país, o fluxo de recursos estrangeiros desabou. Para cobrir o déficit externo, o saldo comercial -que havia se transformado em déficit entre 1995 e 2001 -teve de aumentar de forma significativa, garantindo a entrada de dólares no país.
Se a desvalorização do real garante o financiamento para o déficit externo, via aumento de exportações, por outro lado faz a economia flertar com a inflação.
A alta do dólar provoca o reajuste nos preços internos dos produtos que são comercializados no exterior, como soja e trigo.
Por ora, as altas taxas de juros têm impedido o repasse da alta dos preços. Juros elevados dificultam a tomada de financiamentos e inibem a demanda interna. Lojas, supermercados e prestadores de serviços evitam repassar a alta dos preços no atacado para não perder mais consumidores.
Segundo Alexandre Schwartsman, economista-chefe da BBA Corretora, a falta de financiamento externo é a maior semelhança entre o que ocorre atualmente e o que acontecia em 1993. A grande diferença, diz ele, é que, naquela época, a inflação estava descontrolada e era muito mais alta.
Tomás Málaga, economista-chefe do Itaú, acrescenta que a falta de financiamento externo hoje é provocada por uma crise de confiança que pode ser contornada. Entre 1982 e 1993, a escassez de recursos era reflexo do calote da dívida externa, ocorrido em 1982.
O maior risco hoje é o eventual repasse da alta dos preços no atacado para os do varejo. Isso poderia fazer a inflação disparar.
Schwartsman lembra que o IPA já subiu 21% nos últimos 12 meses, contra a alta de 8% do IPC.
Segundo Málaga, o próximo governo terá de manter forte esforço fiscal, que permita a redução do déficit externo. Isso abriria espaço para o retorno de investidores e a queda do dólar, o que diminuiria a pressão sobre a inflação.


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