São Paulo, terça-feira, 05 de dezembro de 2006

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BENJAMIN STEINBRUCH

O controle do controle do controle


Normas de governança são novidade admirável na área corporativa. Mas excessos de burocracia são retrocessos

NÃO VI em jornais brasileiros nenhuma referência a declarações feitas na semana passada pelo ex-presidente do banco central americano Alan Greenspan sobre a Lei Sarbanes-Oxley. Vale a pena citá-las.
Greenspan disse que a maior parte dessa lei americana, que estabeleceu regras de governança corporativa, é "criadora de custos sem benefícios". Ele tem uma forma jocosa de encarar o problema. Acha que todo o processo de contabilidade imposto pela lei é essencialmente um passatempo que desvia as atenções dos principais executivos das tarefas que eles efetivamente devem realizar, como projetar investimentos.
"Em vez disso, eles dedicam a maior parte de seu tempo tentando descobrir como ficar fora da cadeia", afirmou Greenspan.
Quem é bom é bom mesmo. Aos 80 anos, aposentado depois de prestar inestimáveis serviços à economia dos Estados Unidos e do mundo, Greenspan continua a dar lições de bom senso.
Para quem não é do ramo, a Lei Sarbanes-Oxley é um conjunto de normas baixadas nos Estados Unidos, em julho de 2002, em reação aos escândalos financeiros como o da Enron, em que os administradores da empresa fraudaram demonstrações financeiras e obtiveram lucros pessoais. Temia-se, naquela época, que pudesse haver uma fuga de investidores do mercado de ações causada pela insegurança que os escândalos corporativos lançaram em relação à governança das grandes companhias. Então, um senador democrata (Paul Sarbanes) e um deputado republicano (Michael Oxley) propuseram essa lei, apelidada de SOX.
A SOX tem um conjunto de obrigações que as empresas com ações negociadas na Bolsa de Nova York -entre elas muitas brasileiras- devem seguir para evitar fraudes ou identificá-las e divulgá-las quando ocorrem. Obriga, por exemplo, a criação de mecanismos de auditorias e comitês para supervisionar todas as atividades e operações.
É uma ótima lei. Ninguém pode ser contra normas que defendam ética, transparência e combate a fraudes. Ocorre que o conjunto de controles internos criados pela SOX gera um sem-número de burocracias de contabilidade que representa enormes aumentos de custos para as empresas e de receitas para os auditores. Segundo a Financial Executive International, uma entidade mundial que reúne diretores financeiros, uma empresa de capital aberto precisa gastar em média US$ 4 milhões por ano para cumprir a lei.
Um item da SOX (seção 404) exige avaliação anual dos controles e procedimentos internos. Além disso, a eficácia desses controles internos deve ser atestada por relatórios de auditores independentes. Em algumas empresas, a normatização da SOX exige a contratação de até 40 pessoas.
Outro item (seção 302) determina que o diretor-executivo e o diretor financeiro da companhia devem declarar que conhecem e são responsáveis por todos os controles e procedimentos internos. Sei de um presidente de filial brasileira de empresa americana que, preocupado com essa responsabilidade, rubrica pessoalmente todos os boletos de táxi emitidos para uso dos funcionários da empresa.
Nada contra as normas de governança. Elas representam uma novidade admirável deste novo século na área corporativa. Mas os excessos de burocracias significam retrocesso. Pela lei, a eficácia operacional das atividades de controle, por exemplo, precisa ser avaliada por equipes que gerenciam os programas de controle. Essas são controladas pelas auditorias independentes. Ou seja, criou-se o controle do controle do controle, com custos e burocracias que atrapalham a funcionalidade das empresas.
Greenspan não é o primeiro a criticar pontos da SOX. Alguns empresários e o próprio presidente da SEC (Securities and Exchange Commission), Christopher Cox, já defenderam a idéia de que a lei precisa ser revista, principalmente a seção 404. Os senadores americanos Chuck Schumer e Barney Frank promovem uma reavaliação da lei no Congresso dos EUA.
Mas Greenspan é ao mesmo tempo cáustico e pragmático em suas críticas. Ao lembrar que os órgãos reguladores e o Congresso estudam ajustes nas normas da SOX, ele acrescenta uma frase ferina: "Espero que isso ocorra antes que todo o sistema financeiro se transfira para Londres". Dá-lhe, Alan!


BENJAMIN STEINBRUCH , 53, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).

bvictoria@psi.com.br


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