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GESNER OLIVEIRA
Pacote não garante mudança
As medidas cogitadas parecem pontuais. Tudo indica que a política econômica
será mais do mesmo
O PACOTE de Aceleração do
Crescimento (PAC), que vem
sendo preparado pelo governo federal, não garante uma mudança de longo prazo na economia. As
medidas cogitadas parecem pontuais. Tudo indica que a política econômica será mais do mesmo. Em
compensação, os efeitos futuros de
algumas alterações institucionais
importantes de 2006 não têm merecido a devida atenção.
Quatro mudanças legislativas em
áreas diversas merecem destaque: o
marco regulatório do saneamento, a
lei do gás natural, a de resseguros e
as várias alterações infraconstitucionais da chamada reforma processual.
Tais mudanças têm algumas características comuns. Em primeiro
lugar, estabelecem novos marcos
institucionais que afetam um grande número ou, como no caso da reforma processual, o conjunto da
economia. Em segundo lugar, refletem consensos construídos ao longo
do tempo envolvendo em diferentes
graus setores representativos da sociedade civil. Por fim, para realmente terem efeito sobre o mundo real,
dependem de mudanças culturais.
Esse último ponto é particularmente importante. É preciso tomar
cuidado para não achar que o mundo pode ser consertado por decreto
(ou pacote). Nesta semana, por
exemplo, o prefeito de Aparecida
enviou projeto proibindo enchentes! Isso mesmo, ficam proibidas as
enchentes "provocadas em razão de
chuvas fortes, chuvas de granizo,
tempestades com raios, vendavais e
cheias do rio Paraíba do Sul e seus
afluentes no município". Certamente, os fenômenos climáticos não dependem da vontade dos nossos políticos.
Em contraste, e apesar de não serem perfeitas, as quatro mudanças
referidas antes têm chances de gerar
efeitos no mundo real. O projeto de
saneamento sob exame no Judiciário contém avanços. Embora não tenha atacado a questão principal de
titularidade do poder concedente
(se dos Estados ou dos municípios),
cria incentivos para boas práticas de
regulação e estabelece algumas regras gerais antes inexistentes, além
de reduzir insegurança jurídica em
aspectos como renovações de concessões vencidas e ainda quanto ao
tratamento da inadimplência de
usuários.
No tocante à lei do gás, a primazia
do setor elétrico é um dos aspectos
fundamentais do projeto. Em caso
de crise, o abastecimento de gás deve priorizar as termoelétricas, reduzindo a probabilidade de déficit do
sistema. Isso é importante, já que dificilmente ocorrerá troca da matriz
energética no Brasil nos próximos
20 anos. Além disso, o projeto caminha na direção correta ao estabelecer mecanismos regulatórios distintos ao do petróleo e seus derivados.
O gás natural possui peculiaridades
que não devem ser desconsideradas,
tais como a condição de monopólio
natural do transporte, economicamente viável por meio de dutos para
grandes quantidades e distâncias.
Em relação à lei dos resseguros, as
mudanças poderiam ser bem mais
ambiciosas. No entanto, são positivas a quebra do monopólio do IRB
(Instituto de Resseguros do Brasil) e
a abertura do mercado de resseguros, permitindo investimentos estimados em US$ 5 bilhões. Tal mudança tornará mais ágeis as operações realizadas pelas seguradoras
para cobrir riscos acima de sua capacidade e garantirá mais eficiência e
competitividade ao mercado.
No tangente à reforma processual,
ao agilizar a resolução de conflitos,
caminha-se para um sistema mais
eficiente e célere para o desenvolvimento econômico. Tais medidas
não têm recebido suficiente atenção
pelos analistas, mas em conjunto
podem representar uma espécie de
revolução silenciosa, que terá repercussões relevantes sobre a economia nos próximos anos.
As mudanças importantes na economia não ocorrem por meio de pacotes, assim como as enchentes não
obedecerão ao decreto do prefeito
de Aparecida. Tampouco são obras
exclusivas de um ou outro governo.
Representam a construção de consensos ao longo de anos de debates,
fundamental no sistema democrático. A aceleração do crescimento exigirá alterações institucionais profundas, para as quais a participação
da sociedade civil é fundamental.
GESNER OLIVEIRA, 50, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-EAESP, presidente do Instituto Tendências de Direito e Economia e ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
gesner@fgvsp.br
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