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OPINIÃO ECONÔMICA
Uma estratégia para o conhecimento
RUBENS RICUPERO
Qual tem sido o impacto das
compras por estrangeiros de firmas nacionais na capacidade
brasileira de gerar tecnologia própria? Essa questão, suscitada em
meu artigo anterior, é crucial,
pois a economia e a competitividade exportadora dependem hoje
muito mais de conhecimento e
tecnologia do que de fatores tradicionais como o capital, a mão-de-obra barata, a abundância de
recursos naturais.
A Unctad acaba de revelar que,
em 1999, a América Latina recebeu US$ 97 bilhões de investimentos estrangeiros diretos, superando a Ásia, pela primeira vez desde
1986, entre as regiões em desenvolvimento. A mudança é, em
princípio, animadora. Quando se
olha mais de perto para o conteúdo desse investimento, a conclusão é mais ambígua. Com efeito,
boa parte desse dinheiro serviu
não para a construção de novas
usinas e fábricas, como na época
de JK e da indústria automobilística, mas para a compra ou fusão
de empresas já existentes. Além
disso, o investimento estrangeiro
não veio, na esmagadora maioria, para gerar exportações, mas
sim atraído pelo mercado local ou
regional (o Mercosul), trazendo
consigo alta dependência de importações das matrizes.
É o que ressalta de estudo preparado para o "World Investment Report", da Unctad, por José Cassiolato, especialista brasileiro em política industrial e tecnologia. Ele mostra que a aquisição de controle de uma empresa
nacional por uma transnacional
é quase invariavelmente acompanhada pelo abandono da pesquisa para criar tecnologia original e
a adoção de política de caráter
meramente adaptativo, isto é,
destinada a adaptar às condições
do mercado local os processos e
componentes importados da empresa matriz.
O exame do que se vem passando na indústria automobilística e
de autopeças é revelador. As
grandes companhias nacionais
conhecidas pela capacidade de
inovação tecnológica nesse setor
- Metal Leve, Freios Varga, Cofap - sofreram imediata degradação em matéria de inovação
tecnológica após terem sido vendidas para transnacionais em
1996 e 1997. Ao mesmo tempo, o
coeficiente de penetração de importação de peças e componentes
saltou de 8% em 1993 para o nível
de 20% a 25% em 1996.
Nos núcleos de telecomunicações e tecnologia da informação,
em Campinas e São Carlos, o padrão é também preocupante. As
filiais de transnacionais operam
isoladas dos sistemas locais de
inovação e pouco se interessam
por estabelecer cadeias de suprimento com pequenas e médias
empresas da região. As empresas
estrangeiras mais antigas na área
de Campinas suspenderam substancialmente as pesquisas originais que vinham desenvolvendo
em sistemas de telefonia. Por fim,
as firmas inovativas locais foram
em maioria vendidas a transnacionais, algumas desapareceram
e poucas sobrevivem. A redução
em pesquisa tecnológica é uma
constante nos casos de aquisições
por estrangeiros, como ocorreu
com a Elebra, adquirida pela Alcatel em 1992. As restantes sobrevivem precariamente, não conseguem crescer, sempre ameaçadas
por ofertas hostis. Cassiolato cita
como exemplo a Zetax e a Batik
- duas das empresas que tinham
resistido e trabalhavam no desenvolvimento dos sistemas telefônicos Trópico-, vendidas em junho de 1999 à recém-chegada Lucent, transnacional sem maiores
vínculos com a rede nacional de
inovação.
Esse panorama desencorajador
é completado por outras características negativas: cortes drásticos
nas atividades de alto potencial
inovador, tais como a pesquisa e
desenvolvimento de produtos novos, preferência por gastos em atividades menos inovadoras (desenvolvimento de software, adaptação de produtos importados,
serviços técnicos), diminuição na
contratação de técnicos brasileiros, transferência de engenheiros
do setor de pesquisas para atividades comerciais ou industriais
(marketing, produção, vendas e
assistência técnica). Nessas condições, conclui Cassiolato, não surpreende que o coeficiente de importação em telecomunicações e
informática tenha passado de
29% em 1993 para 70% em 1996.
Diante disso, os profissionais da
passividade e da resignação dirão
que não há nada a fazer, que a
globalização é inevitável, que não
temos escala de mercado para
continuar na disputa tecnológica.
Mas acaso Taiwan, Cingapura e
Coréia têm mais escala do que
nós? E, não obstante, todos os três
desenvolveram base tecnológica
própria, como vêm fazendo agora
Malásia, Tailândia e os países
que conseguiram dinamizar as
exportações.
Se o argumento fosse verdadeiro, como explicar que a única
área em que ainda exportamos
alta tecnologia em nível significativo seja a de aeronaves? Temos
escala para aviões, e não para telefones ou autopeças? O curioso é
que justamente os aviões da Embraer possuem elevado conteúdo
de peças importadas, o que não
impediu que o planejamento, o
"design", a engenharia financeira, o marketing continuassem no
Brasil. Não se deverá isso ao fato
de que, sendo brasileiro o controle
da Embraer, a estratégia da empresa é manter tais atividades entre nós? E, se assim for, não será
possível formular estratégia similar para desenvolver conhecimento tecnológico em outros setores,
com o apoio do governo para pesquisa e financiamento, como fazem os países acima citados, sem
falar nos europeus e americanos?
Rubens Ricupero, 62, secretário-geral da
Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e ex-ministro da Fazenda (governo Itamar Franco), é
autor de "O Ponto Ótimo da Crise" (editora
Revan). Escreve aos domingos nesta coluna.
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