São Paulo, sexta-feira, 06 de fevereiro de 2004

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Presidente do Cade critica solução

JULIANNA SOFIA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Voto vencido no julgamento que determinou a desconstituição da aquisição da Garoto pela Nestlé, o presidente do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), João Grandino Rodas, criticou ontem a decisão.
"A solução ultrapassou os limites da Constituição, na minha opinião. Foi feita uma intervenção muito maior quando uma menor seria possível", afirmou Grandino à Folha. A declaração provocou reação dos demais cinco conselheiros do Cade.
"O conselho reafirma a convicção quanto à plena constitucionalidade da decisão. A Constituição estabelece o princípio da livre concorrência como condicionante da ordem econômica impondo por dever do Estado reprimir o abuso do poder econômico", respondeu o conselheiro e relator do caso, Thompson Andrade, em nome dos outros integrantes.
Grandino, que chegou a comparar a decisão à "pena de morte", disse que cumprirá "religiosamente" o que foi definido pelo conselho. "A menos que venha uma liminar judicial", ressalvou.
Ele disse que, se isso ocorrer, será uma das raras vezes que a Justiça suspenderá uma decisão principal do Cade. Hoje, há muitos casos em que o Judiciário intervém em recursos obtidos pelas empresas contra aplicações de multa pelo conselho.
"A Constituição abriga o princípio da livre iniciativa, que é a base da economia. Um grupo [o Cade], por iluminados que sejam [os conselheiros], não tem a possibilidade de fazer uma intervenção "ad libitum" [à vontade] na concorrência", disse. "O que depreendo da Constituição é que: o Cade pode intervir economicamente? Pode. É uma regra geral? Não. Não cabe a ele interferir mais que o necessário na economia."
Os conselheiros do Cade, representados pelo relator, declararam ainda que a Lei Antitruste estabelece como atribuição do conselho analisar fusões, "devendo proibi-las quando imponham limitação à livre concorrência". "E essa é a hipótese em questão. Não foram identificadas eficiências que justificassem a aprovação do caso. Haveria prejuízo ao consumidor", afirmou Thompson.
Para o presidente do conselho, uma alternativa "menos simplista" seria vender a marca Garoto ou até produtos. "A pessoa está com a perna cheia de feridas. Então o médico diz: "Vamos cortar e está resolvido o problema". Não, vamos tentar salvar a perna."
Grandino disse ainda que, se o legislador quisesse transformar o julgamento de fusões em algo simples, teria criado um "número mágico" para definir o nível máximo de concentração de mercado. "Aí a gente punha o número no computador, e ele diria: "pode a fusão" ou "não pode a fusão". Se ele colocou pessoas julgando é porque não se aplica automaticamente nada."


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