São Paulo, sexta-feira, 06 de fevereiro de 2004

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ANÁLISE

Opiniões extremas emperram debate

MARCELO LEITE
EDITOR DE CIÊNCIA

Quem acredita que a querela dos transgênicos se resolve, após mais de cinco anos de indecisão, com o projeto de lei aprovado na Câmara dos Deputados não perde por esperar.
O texto ainda vai ao Senado, onde recomeçam as pressões dos dois campos polarizados, para não dizer fundamentalistas. E sempre há a possibilidade de vetos presidenciais, no final da linha. Isso para não falar do conselhão interministerial criado acima das agências técnicas em guerra, CTNBio e Ibama.
A indecisão se prolonga porque a esfera pública foi tomada por uma dicotomia prematura entre cientistas e agronegocistas, de um lado, e "ambientalistas", de outro. Ambos os lados se encastelaram em posições irreconciliáveis, turvando o debate e impedindo uma solução, se não racional, ao menos de compromisso, política. A partir de certo ponto, já na administração Lula, qualquer definição passou a implicar derrota acachapante para um dos lados.
Neste round da disputa parece sair vitorioso o campo simbolizado pela figura da ministra Marina Silva (Meio Ambiente), diante do oponente Roberto Rodrigues (Agricultura). Ganhou a parada no que adquiriu a configuração extrema de um ponto de honra, impedir que a CTNBio tivesse a prerrogativa de dispensar estudos de impacto ambiental de cultivares transgênicos.

Intransigência
Ocorre que os "ambientalistas" já ganharam outras vezes, inclusive na Justiça, mas não levaram. Seja por meio de medidas provisórias (no governo de Fernando Henrique Cardoso), seja por um substitutivo do então líder na Câmara (Aldo Rebelo) que desfazia acordo patrocinado pelo Executivo, o lobby do agronegócio sempre mostrou força para reabrir a questão e reinstituir os superpoderes da CTNBio.
Afinal, é a exportação de soja que produz divisas para o país, não a imagem íntegra que Marina Silva ainda empresta ao governo do PT, no quesito sensível do respeito ao ambiente, ao menos no plano internacional.
Sua derrota teria efeitos políticos deletérios para a equipe "hardcore" do governo Lula, mas não seria prudente alimentar a ilusão de que, no caso de um enfrentamento final, ela deixaria de exercer a costumeira opção preferencial pelos dólares. O retrospecto dos lances dessa partida, neste governo e no anterior, não recomenda tal aposta.
Entre o agronegócio e as ONGs, no entanto, estão -ou deveriam estar- os cientistas, para trazer uma palavra de racionalidade ao debate.
Até o presente, essa comunidade escolheu deixar-se representar, na esfera pública, por uma tropa de choque que se enrolou na bandeira da liberdade de pesquisa para defender carta-branca para a CTNBio.

Maradona x Gérson
Ou seja, para todos os efeitos práticos, seu poder de licenciar o plantio comercial da soja transgênica da Monsanto e com isso criar um precedente, pondo essa tecnologia a salvo do controle público (não-técnico), pelo menos antes do fato consumado.
De fato consumado em fato consumado, o país foi vendo a disseminação da soja Maradona, inicialmente contrabandeada da Argentina e hoje multiplicada -ilegalmente, sempre- por centenas de agricultores brasileiros, e por isso mesmo já merecedora de ser rebatizada como soja Gérson. Pelo visto vem mais prorrogação pela frente, nesse partida que não tem fim.


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