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São Paulo, quinta-feira, 06 de março de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

União Européia e Alca

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Tivemos nos últimos dias algumas notícias relevantes no campo comercial. Estava prevista para ontem a apresentação pelos países do Mercosul de nova proposta de abertura de mercados para a União Européia, como parte da negociação de uma eventual área de livre comércio entre os dois blocos.
Ao mesmo tempo, o representante de Comércio dos EUA, Robert Zoellick, no seu relatório anual ao Congresso, reiterou a determinação do governo Bush de liderar a formação da Alca (Área de Livre Comércio das Américas), "a maior zona de livre comércio do mundo", que constituiria "a realização histórica de uma visão dos EUA que remonta ao século 19". Segundo Zoellick, os EUA "energizaram" a Alca, ao insistir em um cronograma firme para o andamento e a conclusão das negociações (ver "2003 Trade Policy Agenda", março 2003, www.ustr.gov).
No Brasil, há quem alimente a expectativa de que as negociações com a União Européia possam servir de contrapeso às pressões dos EUA. O próprio presidente da República, na sua viagem à Alemanha, em janeiro, pareceu endossar esse ponto de vista. Na ocasião, foi anunciado que o presidente Lula e o chanceler da Alemanha, Gerhard Schröder, teriam concordado em acelerar a negociação do acordo União Européia - Mercosul para concluí-lo antes da criação da Alca, prevista para fins de 2005.
O que se pode esperar desse tipo de manobra? Infelizmente, não muito. Não há dúvida de que o Brasil precisa, de uma maneira geral, ampliar e diversificar as suas relações internacionais, explorando sempre que possível divergências e disputas entre os países desenvolvidos. Não há dúvida, também, de que a Alca representa a maior ameaça, dado o incomparável poder dos EUA e a sua enorme influência política no hemisfério Ocidental.
No entanto, do ponto de vista econômico, a eventual formação de uma área de livre comércio entre a União Européia e o Mercosul apresenta essencialmente os mesmos problemas que a Alca. O que temos aqui é um equívoco de natureza estratégica, que se consolidou durante o período Fernando Henrique Cardoso: a idéia de que pode interessar a um país em desenvolvimento como o Brasil participar de áreas de livre comércio com as economias muito mais poderosas e consolidadas de países desenvolvidos como os da União Européia.
São imensas as disparidades estruturais entre a economia e as empresas da União Européia, de um lado, e a economia e as empresas brasileiras, de outro. É uma temeridade abrir o mercado brasileiro por tratado internacional e expor as nossas empresas à competição livre e desimpedida com as grandes corporações européias. As condições de competitividade sistêmica (custo e disponibilidade de crédito, desenvolvimento do mercado de capitais, sistema tributário, infra-estrutura econômica, qualificação da força de trabalho etc.) são quase sempre desfavoráveis às firmas brasileiras. Essas últimas enfrentam, em geral, grande desvantagem em termos de escala produtiva, organização empresarial, tecnologia, redes de comercialização e marcas.
Essas disparidades não serão superadas no horizonte visível. O problema não se resolve, portanto, negociando prazos de adaptação e abertura um pouco mais longos para "setores vulneráveis". Trata-se (pelo amor de Deus!) de reconhecer o óbvio: o Brasil ainda é, e continuará sendo por longo tempo, um país relativamente atrasado. Uma economia em desenvolvimento não tem, de forma geral, condições de competir em condições de igualdade, dispensando barreiras e anteparos, com as maiores e mais fortes economias do planeta.
O Brasil é, sem dúvida, competitivo em diversos setores importantes: siderurgia, têxteis, calçados, a maior parte da agricultura e da agroindústria, por exemplo. O agravante, porém, é que a União Européia, assim como os EUA, tem uma visão altamente desequilibrada do que constitui livre comércio. Os europeus, especialmente os franceses, já deram abundantes demonstrações de inflexibilidade nas áreas de interesse prioritário para o Brasil. A agricultura é o exemplo mais notório.
Assim, que sentido pode ter a disposição de acelerar a negociação da área de livre comércio com a União Européia e de concluí-la antes da Alca? Declarações desse tipo serão vistas provavelmente como demonstrações gratuitas e inócuas de antiamericanismo.
Por ocasião da visita do presidente Lula à Alemanha, um integrante do gabinete de Schröder deu a pista sobre o que realmente está em jogo nessas negociações: "Não queremos perder espaço e vemos a Alca como uma corrida pelos mercados latino-americanos" ("O Estado de S. Paulo", 28 de janeiro de 2003, pág. A-4).
Se o Brasil não mudar de rumo, terminaremos com o nosso mercado interno definitivamente aberto, por acordos internacionais, para as duas maiores potências econômicas do mundo.


Paulo Nogueira Batista Jr., 47, economista, pesquisador visitante do Instituto de Estudos Avançados da USP e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).

E-mail - pnbjr@attglobal.net


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