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OPINIÃO ECONÔMICA
União Européia e Alca
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Tivemos nos últimos dias algumas notícias relevantes no
campo comercial. Estava prevista
para ontem a apresentação pelos
países do Mercosul de nova proposta de abertura de mercados
para a União Européia, como
parte da negociação de uma
eventual área de livre comércio
entre os dois blocos.
Ao mesmo tempo, o representante de Comércio dos EUA, Robert Zoellick, no seu relatório
anual ao Congresso, reiterou a
determinação do governo Bush
de liderar a formação da Alca
(Área de Livre Comércio das
Américas), "a maior zona de livre
comércio do mundo", que constituiria "a realização histórica de
uma visão dos EUA que remonta
ao século 19". Segundo Zoellick,
os EUA "energizaram" a Alca, ao
insistir em um cronograma firme
para o andamento e a conclusão
das negociações (ver "2003 Trade
Policy Agenda", março 2003,
www.ustr.gov).
No Brasil, há quem alimente a
expectativa de que as negociações
com a União Européia possam
servir de contrapeso às pressões
dos EUA. O próprio presidente da
República, na sua viagem à Alemanha, em janeiro, pareceu endossar esse ponto de vista. Na
ocasião, foi anunciado que o presidente Lula e o chanceler da Alemanha, Gerhard Schröder, teriam concordado em acelerar a
negociação do acordo União Européia - Mercosul para concluí-lo
antes da criação da Alca, prevista
para fins de 2005.
O que se pode esperar desse tipo
de manobra? Infelizmente, não
muito. Não há dúvida de que o
Brasil precisa, de uma maneira
geral, ampliar e diversificar as
suas relações internacionais, explorando sempre que possível divergências e disputas entre os
países desenvolvidos. Não há dúvida, também, de que a Alca representa a maior ameaça, dado o
incomparável poder dos EUA e a
sua enorme influência política no
hemisfério Ocidental.
No entanto, do ponto de vista
econômico, a eventual formação
de uma área de livre comércio
entre a União Européia e o Mercosul apresenta essencialmente os
mesmos problemas que a Alca. O
que temos aqui é um equívoco de
natureza estratégica, que se consolidou durante o período Fernando Henrique Cardoso: a idéia
de que pode interessar a um país
em desenvolvimento como o Brasil participar de áreas de livre comércio com as economias muito
mais poderosas e consolidadas de
países desenvolvidos como os da
União Européia.
São imensas as disparidades estruturais entre a economia e as
empresas da União Européia, de
um lado, e a economia e as empresas brasileiras, de outro. É
uma temeridade abrir o mercado
brasileiro por tratado internacional e expor as nossas empresas à
competição livre e desimpedida
com as grandes corporações européias. As condições de competitividade sistêmica (custo e disponibilidade de crédito, desenvolvimento do mercado de capitais,
sistema tributário, infra-estrutura econômica, qualificação da
força de trabalho etc.) são quase
sempre desfavoráveis às firmas
brasileiras. Essas últimas enfrentam, em geral, grande desvantagem em termos de escala produtiva, organização empresarial, tecnologia, redes de comercialização
e marcas.
Essas disparidades não serão
superadas no horizonte visível. O
problema não se resolve, portanto, negociando prazos de adaptação e abertura um pouco mais
longos para "setores vulneráveis".
Trata-se (pelo amor de Deus!) de
reconhecer o óbvio: o Brasil ainda é, e continuará sendo por longo tempo, um país relativamente
atrasado. Uma economia em desenvolvimento não tem, de forma
geral, condições de competir em
condições de igualdade, dispensando barreiras e anteparos, com
as maiores e mais fortes economias do planeta.
O Brasil é, sem dúvida, competitivo em diversos setores importantes: siderurgia, têxteis, calçados, a maior parte da agricultura
e da agroindústria, por exemplo.
O agravante, porém, é que a
União Européia, assim como os
EUA, tem uma visão altamente
desequilibrada do que constitui
livre comércio. Os europeus, especialmente os franceses, já deram
abundantes demonstrações de inflexibilidade nas áreas de interesse prioritário para o Brasil. A
agricultura é o exemplo mais notório.
Assim, que sentido pode ter a
disposição de acelerar a negociação da área de livre comércio
com a União Européia e de concluí-la antes da Alca? Declarações desse tipo serão vistas provavelmente como demonstrações
gratuitas e inócuas de antiamericanismo.
Por ocasião da visita do presidente Lula à Alemanha, um integrante do gabinete de Schröder
deu a pista sobre o que realmente
está em jogo nessas negociações:
"Não queremos perder espaço e
vemos a Alca como uma corrida
pelos mercados latino-americanos" ("O Estado de S. Paulo", 28
de janeiro de 2003, pág. A-4).
Se o Brasil não mudar de rumo,
terminaremos com o nosso mercado interno definitivamente
aberto, por acordos internacionais, para as duas maiores potências econômicas do mundo.
Paulo Nogueira Batista Jr., 47, economista, pesquisador visitante do Instituto de Estudos Avançados da USP e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A
Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
E-mail - pnbjr@attglobal.net
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