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São Paulo, domingo, 06 de abril de 2003

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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS

EUA fazem guerra com bomba, economia e infra-estrutura

GILSON SCHWARTZ
ARTICULISTA DA FOLHA

O avanço da guerra no Iraque e o vislumbre da ocupação de Bagdá provocaram duas importantes mudanças no foco da mídia e dos governos da coalizão invasora. São dois aspectos que desde o início foram menosprezados, em parte porque a cobertura "shownalística" (especialmente a televisiva) direcionou o olhar para o complexo tecnológico-militar.
O primeiro é o do jogo de interesses econômicos envolvidos na ocupação e controle do Iraque. França, Alemanha e Rússia são os países cujas empresas e militares mais se envolveram com o regime iraquiano depois da Guerra do Golfo. Retorna a questão que mobilizou as lideranças políticas e diplomáticas: qual será o papel da ONU. Os EUA preferem orientar a negociação com os canos ainda fumegantes de canhões e fuzis.
O segundo aspecto relevante para o futuro do Iraque e das relações internacionais, também subestimado pelo olhar dominante, é o da estratégia mais adequada para controlar um país. Nesse campo, o poder das armas tende a declinar em favor de estratégias mais sutis. Elas incluem controle territorial, mas o fator decisivo é a inteligência do sistema de dominação. Não é por acaso que Colin Powell afirmou, na sexta-feira, que encontrar ou não Saddam Hussein, vivo ou morto, é irrelevante.
Se a questão econômica envolvida na ocupação militar do território iraquiano fica aos poucos mais visível e merece até a atenção do Congresso norte-americano (como sempre, protecionista, agora já "protegendo" o "seu" território no Oriente Médio), é preciso evitar a ingenuidade mais chauvinista. Esse é o papel de Colin Powell, tido como "pombo" entre os militares, mas a rigor um exímio negociador que há pelo menos duas semanas faz um "road show" de oportunidades de cooperação entre as forças da coalizão e interesses europeus no butim da reconstrução do Oriente Médio.
Como outros assessores menores da cúpula militar americana já deixaram claro, seus olhares já não se dirigem apenas para o palco iraquiano, tido como favas contadas. O mapa relevante vai da questão palestina aos governos da Síria e do Irã, do Mediterrâneo ao Afeganistão. Negociar com russos, franceses e canadenses a gestão de um novo Oriente Médio significa ao mesmo tempo abrir mão de oportunidades de negócios e compartilhar uma parte dos custos da "democratização" que ameaça as lideranças tribais de boa parte do mundo árabe.
O discurso da tecnoburocracia militar americana é também muito didático quanto à inteligência das condições de controle de um país. Assim como na economia, a estratégia vale mais que as bombas nesse terreno. Além da precisão balística, há uma destruição seletiva: os bombardeios e o controle territorial devem culminar com um controle das redes de comunicação e transporte. Tendo isso sob controle, torna-se então secundário saber se Saddam Hussein, ou qualquer de seus generais, está vivo ou morto, se continuará ou não andando por Bagdá.
Mais que as armas, embora dependa delas para se instalar, a dominação estrangeira se organiza por meio de arranjos econômicos e pelo controle da infra-estrutura de um país.
Aliás, em muitos países onde a ocupação não tem sido violenta, americanos e europeus têm sempre dado atenção à reengenharia econômica e estratégica como parte de seus modelos de desenvolvimento. Quando se chega a esse nível de refinamento, a dominação estrangeira já não depende mais do nome, estatura ou partido político do presidente de plantão.


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