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São Paulo, domingo, 06 de abril de 2003

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GOVERNO LULA CEM DIAS

Para Antonio Barros de Castro, governo conseguiu recuperar credibilidade do país, mas deve propostas para o setor produtivo

Lula não disse a que veio, afirma economista

GUILHERME BARROS
EDITOR DO PAINEL S.A.

Em seus primeiros cem dias, o governo Luiz Inácio Lula da Silva conseguiu recuperar a credibilidade do país e surpreender a muitos com uma extrema capacidade de agregação e mobilização da sociedade. Mesmo assim, o governo ainda não disse a que veio para muitos setores.
A opinião é do economista Antonio Barros de Castro, 65, ex-presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e professor titular da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
Amigo muito próximo de nomes como Carlos Lessa, atual presidente do BNDES, e Maria da Conceição Tavares, uma das pessoas mais respeitadas por Lula, Barros de Castro diz que há uma expectativa muito forte do setor produtivo em relação ao governo, e até agora ela não foi atendida.
Por enquanto, segundo Castro, o governo Lula tem adotado o mesmo modelo do segundo governo FHC, que foi ditado pelo governo norte-americano e pelo FMI (Fundo Monetário Internacional).

Folha - Como o sr. analisa os primeiros cem dias do governo Lula?
Antonio Barros de Castro -
Nesses primeiros cem dias, Lula fez o melhor que poderia fazer em tão curto prazo, que foi reconquistar a credibilidade do Brasil. Ele mostrou capacidade de fazer um governo agregador e mobilizador. Nesse sentido, ele contrasta com o governo Fernando Henrique Cardoso, que pontificava das alturas. Eu não previ que Lula tivesse esses recursos políticos. Foi uma grata surpresa. Mas, ao mesmo tempo, ele tem revelado uma certa ausência de formulação, de alternativas. Ele ainda não disse a que veio em muitos campos.

Folha - Por que o sr. acha que o governo Lula ainda não disse ao que veio?
Barros de Castro -
O Lula tem um compromisso muito forte com o setor produtivo. O setor produtivo sabe perfeitamente que o governo não pode transgredir as regras maiores do equilíbrio fiscal, mas precisa ter, de alguma maneira, visões para o futuro. Nisso, nós estamos ainda indefinidos. O governo Lula, do ponto de vista macroeconômico, deu continuidade e até reforçou a correção de rumo enorme que houve no Brasil nos anos de 1998 e 1999.
Nesse período, o país deu início a um severo ajuste fiscal, com uma sucessão de desvalorizações cambiais e a adoção do programa de metas inflacionárias. Essa redefinição profunda do quadro macro foi herdada por Lula e ele manteve essa política.
Trata-se de uma política profundamente diversa da prática do primeiro governo Fernando Henrique, mas é, sem dúvida, uma continuidade do segundo. Quando se discute a existência de um plano B, há um equívoco. O que se pode discutir é se haverá ou não o plano C, mas o plano B já é este. Houve o plano A, que foi a filiação ao neoliberalismo, e que durou de 94 a 98. Só que o Brasil praticamente quebrou no final de 98 e foi resgatado dessa quebra por uma ação conjunta do governo norte-americano e do FMI. O preço foi um ajuste fiscal para valer.

Folha - Foi uma opção forçada?
Barros de Castro -
Sim, foi forçada pelas circunstâncias. O FMI forçou o ajuste fiscal, o mercado forçou a desvalorização, e a asfixia externa forçou a política de exportações. O grande problema do governo Lula é se ele vai prosseguir nesta rota, iniciada com Fernando Henrique, ou se ele vai tentar uma rota C.

Folha - Qual seria essa rota C?
Barros de Castro -
Eu diria que existem duas possibilidades de rota C. A primeira seria de, pelos seus compromissos partidários, pela sua história, Lula conceber um outro modelo, com controle de capitais e outras coisas mais, porém, de forma não-negociada, de forma arbitrada. Seria um cenário de ruptura deliberada. O país teria que pagar um preço enorme por isso.
A outra hipótese é de a guerra do Iraque provocar uma recessão mundial pelos próximos dois, três anos, e o Brasil ser obrigado a entrar numa situação de inviabilidade, com crise de balanço de pagamento, falta de crescimento, juros nas alturas, e altas do dólar e da inflação. Nesse caso, a situação interna ficará insuportável e o governo poderia tentar um plano negociado internacionalmente.

Folha - Lula não deixou ainda a sua marca?
Barros de Castro -
Bom, ele deu um realce enorme às políticas sociais, e até mesmo a severidade das políticas macro, em princípio, está a serviço do social. O problema é que os resultados dessa política só amadurecem com o tempo. Há políticas rápidas e políticas lentas. Política monetária, por exemplo, é tão rápida que antes de ela mudar os atores já mudam em razão do que presumem que vá ser a mudança. Essa é uma política hiper-rápida, cujas consequências acontecem antes de a mudança ocorrer. As políticas que mais interessam a Lula são de longo prazo e lentas.

Folha - O país vive um momento de otimismo.
Barros de Castro -
Eu distinguiria dois componentes nesse otimismo: internacional e nacional. No que se refere ao componente internacional, eu tenho todas as suspeitas e mais uma desse otimismo. Nada me indica que os Estados Unidos não estejam se complicando gravemente ao atropelar as instituições internacionais e se isolar. Como vai ser o mundo pós-Iraque? Quanto o dólar vai desvalorizar? Há nuvens carregadas no céu.

Folha - E o componente nacional?
Barros de Castro -
No que se refere ao componente nacional, eu acho que os indicadores do Brasil já tinham de ser muito melhores. Eles foram agravados brutalmente, a partir de maio de 2002, por uma reação histérica à ascensão de Lula. Eles não refletem a realidade. O que está acontecendo agora é que está se tirando de cena um ciclo político negativo.

Folha - O sr. ainda acha que o Brasil também está pronto para quebrar?
Barros de Castro -
Não, o país estava pronto para quebrar quando Lula assumiu. Agora, eu não visualizo nenhuma hipótese de quebra. Eu acho que a hipótese da quebra foi drasticamente distanciada, até porque houve um revezamento internacional. O Brasil levantou e a Turquia sentou na cadeira da quebra. O Brasil está pronto para crescer. O problema é que ainda falta um instrumental de políticas. O país dispõe de uma boa política tecnológica nascente, há também uma política de exportações razoável, mas já política industrial não diria, propriamente, que tenha.


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