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São Paulo, domingo, 06 de abril de 2003

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GOVERNO LULA CEM DIAS

Secretário do Ministério da Fazenda vê momento favorável para redução de dívida e não descarta novo aumento no arrocho fiscal

Receita ortodoxa mostra eficácia, diz Canuto

LEONARDO SOUZA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O governo Lula deve aproveitar a conjugação de dólar mais baixo com a manutenção de um superávit fiscal elevado para reduzir a proporção da dívida pública em relação ao PIB (Produto Interno Bruto) mais rapidamente.
"Você pode aproveitar essa conjuntura [dólar mais baixo" para, com o mesmo superávit primário, acelerar ainda mais a redução da proporção dívida/PIB", disse à Folha Otaviano Canuto, secretário de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda.
Canuto não descarta a hipótese de que a meta de superávit primário (economia de receitas para o pagamento de juros da dívida) seja aumentada nos próximos anos. Para este ano, ela foi elevada de 3,75% do PIB para 4,25%, o equivalente a R$ 68 bilhões.
O superávit para 2004 e a meta indicativa para os dois anos seguintes serão definidas nos próximos dias pelo governo.
A Folha já publicou que a equipe do ministro Antonio Palocci Filho (Fazenda) é favorável a um superávit maior no próximo ano.
"Quando o ministro Palocci anunciou a meta de 4,25% [do PIB" para este ano, ele disse textualmente o seguinte, que vale a pena recuperar: "Esse percentual de 4,25% nem é o máximo que a gente poderia obter nem é o mínimo, é aquele que achamos conveniente no momento'", ressaltou.
Canuto disse ainda que o atual nível do dólar não prejudica as exportações. "Com o atual nível de câmbio, a margem de rentabilidade das exportações continua favorável", afirmou.
Em sua opinião, mesmo com a melhora dos indicadores econômicos brasileiros nas últimas semanas, o risco-país (medida da confiança dos investidores internacionais têm em que um país vá pagar suas dívidas, que se traduz no diferencial de juros pagos pelos papéis da dívida externa acima da taxa dos títulos do Tesouro americano) ainda está alto para que o governo volte a tomar empréstimo no exterior.

Folha - Apesar da melhoria dos indicadores, o risco-país (fechou na sexta-feira em 940 pontos) ainda não está muito alto?
Otaviano Canuto -
Está, tem chance de declinar bastante, só não me pergunte até que nível.

Folha - O prêmio de risco está mais alto do que a média histórica ideal paga pelo Brasil.
Canuto -
Sim, sim. Mas o governo não está falando em emissão.

Folha - Qual a necessidade de o país hoje voltar a tomar empréstimo no exterior?
Canuto -
Estamos com folga. Temos captações privadas indo bem, temos uma posição de reservas confortável, estamos em uma situação bastante confortável. Por isso podemos nos dar ao luxo de tomar a decisão de ir ou não ao mercado e quando e como.

Folha - O atual nível do dólar atrapalha as exportações, como já reclamam alguns empresários?
Canuto -
Uma das ótimas notícias desde o ano passado foi o teste concreto de como o regime de câmbio flexível opera bem. Nível de taxa de câmbio não é em si foco de política econômica.

Folha - Que leitura faz a Fazenda sobre esse nível de câmbio para manter a correção do balanço de pagamentos?
Canuto -
Com o atual nível de câmbio, a margem de rentabilidade das exportações continua favorável. O grau de desvalorização da taxa real de câmbio no ano passado foi estrondoso. Na verdade, a economia tem uma margem para absorver uma certa valorização real da taxa de câmbio.

Folha - Há margem até para absorver uma taxa de câmbio menor do que o nível atual?
Canuto -
Eventualmente, alguns segmentos podem ter temporariamente a sua competitividade afetada. Mas, dado o grau de desvalorização do ano passado, nos níveis de câmbio em que nós estamos isso é pouco significativo.

Folha - Justifica o exportador dizer agora que esse nível de câmbio o prejudica? Há um certo exagero nessas declarações?
Canuto -
Isso é uma questão de mercado. O sistema que deu a resposta ao choque negativo no ano passado é o mesmo que dá a resposta agora à correção desse choque negativo.

Folha - Mesmo que a cotação do dólar caia muito, o governo não vai interferir na correção do balanço de pagamentos?
Canuto -
Não, porque nós vivemos em um regime de câmbio flexível, e num regime de câmbio flexível não há metas cambiais.

Folha - Essa mudança dos indicadores brasileiros veio mais rápido do que vocês esperavam?
Canuto -
A gente tinha certeza da direção, do ritmo não necessariamente. Nada do que foi dito ou feito até hoje foi por acaso.
A palavra-chave é "delivery" [entrega", como bem empregou um analista de Wall Street. A gente está prometendo e a gente está entregando. A promessa e a realização da promessa [medidas econômicas" em sequência, dentro de uma linha coerente, é o que tem dado destaque ao Brasil como emergente.

Folha - Apesar de o Brasil estar fazendo tudo certo, do ponto de vista do mercado, o país ainda paga um prêmio de risco de aproximadamente 400 pontos (quatro pontos percentuais) acima da média dos países emergentes.
Canuto -
O que dá uma idéia da margem de queda que a gente tem.

Folha - Dependendo do nível em que a taxa de câmbio se estabilize, a necessidade de superávit primário pode mudar, ou seja, cair?
Canuto -
A sustentabilidade da dívida, isto é, os superávits primários mínimos para manter a dinâmica da dívida [controlada", depende de vários fatores. Se o crescimento do PIB aumenta e cai o custo real de carregamento [rolagem" da dívida, os requisitos em termos de superávit primário são menores. Ou você pode aproveitar essa conjuntura [dólar mais baixo e risco em queda" para, com o mesmo superávit primário, acelerar ainda mais a redução da proporção dívida/PIB.

Folha - O governo estuda aumentar a meta de superávit primário, como meio de reduzir a relação dívida/PIB de forma mais rápida?
Canuto -
Quando o ministro Antonio Palocci anunciou a meta de 4,25% [do Produto Interno Bruto" para este ano, disse textualmente o seguinte: "Esse percentual de 4,25% nem é o máximo que a gente poderia obter nem é o mínimo, é aquele que achamos conveniente".

Folha - Ou seja, ele deixou implícito que não se descarta aumentar?
Canuto -
Que não se descarta aumentar nem diminuir. O bom é ter a condição de tomar a decisão conveniente. E é isso o que nós estamos adquirindo a cada dia.


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