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OPINIÃO ECONÔMICA
Os absurdos paradoxos da pobreza
MIGUEL JORGE
Texto do repórter José Roberto de Toledo publicado recentemente pela Folha mostra
que os pobres do Rio e de São
Paulo, com solene dignidade, parecem ignorar relatórios, estatísticas e contrastes do capitalismo.
Avaliação do jornal, a partir dos
dados socioeconômicos do Censo
2000, indica que a metade dos
paulistanos e quase a metade dos
cariocas vivem em domicílios cujo chefe ganha até R$ 700 mensais
e que, nas duas capitais mais ricas
do país, os pobres ocupam os mesmos bairros dos ricos.
Locais bastante próximos dos
bairros centrais preferidos pelas
classes abastadas misturam prédios luxuosos com construções
modestas, favelas e cortiços. No
Brasil, onde a péssima distribuição de renda faz com que haja
um rico ou um remediado para
cada pobre, a desproporção entre
riqueza e pobreza é visível em
poucos lugares, o que esconde
ainda mais essa absurda tragédia
da pobreza nacional.
Muitos ainda devem se lembrar
de que, há 30 anos, no Rio, o bairro do Recreio dos Bandeirantes
era uma faixa de praia deserta
cheia de cabanas de pescadores,
onde ninguém investia muito dinheiro. Há 15 anos, quando os ricos cariocas descobriram que os
terrenos naquele local podiam até
ser doados e que se podia tomar
sol sem o incômodo dos ambulantes, construíram ali luxuosos condomínios.
Hoje, enquanto os pobres dos
distritos mais pobres quase não
cabem mais nos seus bairros, o
Recreio tem um alto contingente
de pobres e um dos metros quadrados mais caros da cidade, ao
lado de Ipanema e Leblon, além
de um exército de ambulantes
que moram e trabalham lá mesmo.
Em São Paulo, com pequenas
diferenças de matizes, ocorre praticamente o mesmo, segundo a
análise do jornal. Exemplo disso é
a Vila Andrade, a de mais alta taxa de desigualdade de renda na
capital e onde convivem em paz,
lado a lado (a taxa de homicídios
é inferior à média da cidade), habitantes de casas e condomínios
ricos e os barracos da favela de
Paraisópolis, uma das maiores da
cidade.
O estudo mostra que atribuir só
ao pobre ou à desigualdade de
renda em determinada área o aumento da criminalidade é não
apenas erro crasso como preconceito odioso, pois há pelo menos
uma dezena de argumentos que
mostram que educação, saúde,
transportes etc., mais que a repressão, previnem a violência.
Mas há outro dado, citado na
reportagem: considerada a distribuição de renda interna na área
metropolitana de São Paulo, Tiradentes, na extrema zona leste
da cidade, está mais próximo de
distritos ricos, como Moema (renda média de R$ 5.557), que de distritos pobres. Para o IBGE, Tiradentes -um conglomerado de
Cohabs, conjuntos habitacionais
de baixa renda- é o distrito socialmente mais equânime de São
Paulo, apesar da renda média de
R$ 599 e da metade da população
pobre receber R$ 497 mensais.
Em Tiradentes, fronteira com
Ferraz de Vasconcelos, um dos
três distritos mais violentos de
São Paulo, com taxa anual de
mortalidade por homicídio de 102
mortes por 100 mil habitantes, a
metade mais pobre tem renda
conjunta equivalente a 72% da
renda da metade mais rica. Com
base nesses exemplos, talvez se
possa pensar que, em todo o resto
do país, haja a mesma dicotomia
entre riqueza e pobreza, para a
qual ricos e pobres não atentam
bem -quem deve se preocupar
com isso é o Estado e cada um de
nós.
No que concerne ao Estado, tomando decisões mais claras
quanto à melhoria da distribuição de renda, dentro do ideal de
democracia social que tanto se
apregoa e que deveria representar
o maior objetivo dos governos,
para produzir mais crescimento
econômico com mais justiça social. Por mais próximos fisicamente que estejam ricos e pobres,
esses objetivos nunca serão alcançados se continuar uma concentração de renda que impossibilite
aos mais pobres oportunidades de
educação, saúde, emprego e salário, como, aliás, confirmou o estudo.
Miguel Jorge, 57, jornalista, é vice-presidente de Assuntos Corporativos do
Grupo Santander Banespa.
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