São Paulo, segunda-feira, 06 de maio de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

Os absurdos paradoxos da pobreza

MIGUEL JORGE

Texto do repórter José Roberto de Toledo publicado recentemente pela Folha mostra que os pobres do Rio e de São Paulo, com solene dignidade, parecem ignorar relatórios, estatísticas e contrastes do capitalismo. Avaliação do jornal, a partir dos dados socioeconômicos do Censo 2000, indica que a metade dos paulistanos e quase a metade dos cariocas vivem em domicílios cujo chefe ganha até R$ 700 mensais e que, nas duas capitais mais ricas do país, os pobres ocupam os mesmos bairros dos ricos.
Locais bastante próximos dos bairros centrais preferidos pelas classes abastadas misturam prédios luxuosos com construções modestas, favelas e cortiços. No Brasil, onde a péssima distribuição de renda faz com que haja um rico ou um remediado para cada pobre, a desproporção entre riqueza e pobreza é visível em poucos lugares, o que esconde ainda mais essa absurda tragédia da pobreza nacional.
Muitos ainda devem se lembrar de que, há 30 anos, no Rio, o bairro do Recreio dos Bandeirantes era uma faixa de praia deserta cheia de cabanas de pescadores, onde ninguém investia muito dinheiro. Há 15 anos, quando os ricos cariocas descobriram que os terrenos naquele local podiam até ser doados e que se podia tomar sol sem o incômodo dos ambulantes, construíram ali luxuosos condomínios.
Hoje, enquanto os pobres dos distritos mais pobres quase não cabem mais nos seus bairros, o Recreio tem um alto contingente de pobres e um dos metros quadrados mais caros da cidade, ao lado de Ipanema e Leblon, além de um exército de ambulantes que moram e trabalham lá mesmo.
Em São Paulo, com pequenas diferenças de matizes, ocorre praticamente o mesmo, segundo a análise do jornal. Exemplo disso é a Vila Andrade, a de mais alta taxa de desigualdade de renda na capital e onde convivem em paz, lado a lado (a taxa de homicídios é inferior à média da cidade), habitantes de casas e condomínios ricos e os barracos da favela de Paraisópolis, uma das maiores da cidade.
O estudo mostra que atribuir só ao pobre ou à desigualdade de renda em determinada área o aumento da criminalidade é não apenas erro crasso como preconceito odioso, pois há pelo menos uma dezena de argumentos que mostram que educação, saúde, transportes etc., mais que a repressão, previnem a violência.
Mas há outro dado, citado na reportagem: considerada a distribuição de renda interna na área metropolitana de São Paulo, Tiradentes, na extrema zona leste da cidade, está mais próximo de distritos ricos, como Moema (renda média de R$ 5.557), que de distritos pobres. Para o IBGE, Tiradentes -um conglomerado de Cohabs, conjuntos habitacionais de baixa renda- é o distrito socialmente mais equânime de São Paulo, apesar da renda média de R$ 599 e da metade da população pobre receber R$ 497 mensais.
Em Tiradentes, fronteira com Ferraz de Vasconcelos, um dos três distritos mais violentos de São Paulo, com taxa anual de mortalidade por homicídio de 102 mortes por 100 mil habitantes, a metade mais pobre tem renda conjunta equivalente a 72% da renda da metade mais rica. Com base nesses exemplos, talvez se possa pensar que, em todo o resto do país, haja a mesma dicotomia entre riqueza e pobreza, para a qual ricos e pobres não atentam bem -quem deve se preocupar com isso é o Estado e cada um de nós.
No que concerne ao Estado, tomando decisões mais claras quanto à melhoria da distribuição de renda, dentro do ideal de democracia social que tanto se apregoa e que deveria representar o maior objetivo dos governos, para produzir mais crescimento econômico com mais justiça social. Por mais próximos fisicamente que estejam ricos e pobres, esses objetivos nunca serão alcançados se continuar uma concentração de renda que impossibilite aos mais pobres oportunidades de educação, saúde, emprego e salário, como, aliás, confirmou o estudo.


Miguel Jorge, 57, jornalista, é vice-presidente de Assuntos Corporativos do Grupo Santander Banespa.



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