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São Paulo, terça-feira, 06 de maio de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

O presente do Dia das Mães

BENJAMIN STEINBRUCH

Nem a velhinha de Taubaté, a sempre crédula personagem criada por Luis Fernando Veríssimo, poderia prever no fim do ano passado tudo o que está ocorrendo agora na economia brasileira. Tínhamos um presidente eleito com forte apoio popular e com propostas sérias, mas pairava grande incerteza sobre a capacidade de aplicação do programa do partido que estava indo para o poder, por conta de suas posições historicamente radicais.
Além disso, o novo governo herdava uma série de problemas conjunturais. A inflação estava em alta e o IGP-M chegara a superar 5% em novembro. O dólar ameaçava ultrapassar a casa dos R$ 4, a credibilidade brasileira no exterior estava a zero e a captação de recursos se tornara quase impossível.
Para complicar, o cenário internacional era ameaçador. Com a invasão do Iraque tida como certa, os preços do petróleo se aproximavam de US$ 40 o barril e a economia americana caminhava para a recessão. Temia-se que o petróleo pudesse chegar a US$ 60 quando a guerra explodisse.
Passaram-se quatro meses e o cenário mudou. A economia americana ainda rateia, mas a Guerra do Iraque acabou e o petróleo já caiu para perto de US$ 23.
No flanco interno, há uma sequência de boas notícias. A inflação caiu para 0,92% em abril e mantém tendência de baixa, até porque a Petrobras reduziu os preços dos derivados de petróleo. O dólar baixou tanto que até já preocupa os exportadores -o câmbio favorável foi o principal fator que levou ao superávit de US$ 5,2 bilhões na balança comercial no primeiro quadrimestre. Nas contas públicas, o superávit primário subiu para R$ 22 bilhões até abril, R$ 7,4 bilhões além do prometido ao FMI.
No flanco externo, o Brasil recuperou credibilidade. Na semana passada, pela primeira vez em um ano, a República lançou bônus no mercado internacional. Vendeu US$ 1 bilhão, com vencimento para 2007, mas teve ofertas de investidores para até US$ 6 bilhões. O mercado externo reabriu-se também para empresas estatais e privadas.
Some-se a isso o presidente Lula ter conseguido encaminhar ao Congresso os textos das duas principais reformas constitucionais, a tributária e a previdenciária. Lula ostenta um invejável apoio popular e empresarial. Seus índices de aprovação, aliás, são maiores entre os dirigentes empresariais (72%) do que na população em geral (51%), outra informação que surpreende até a velhinha de Taubaté.
Apesar dessas notícias boas, o Brasil não está feliz. O índice de felicidade continua em baixa por uma razão simples: os empregos não surgiram. Na Grande São Paulo, estão desempregados 19,7% da população economicamente ativa -cerca de 1,8 milhão de pessoas. Ainda que a boa safra agrícola amenize um pouco o desemprego no interior, a situação não é muito diferente no resto do país.
O risco que corre o presidente Lula é o mesmo que complicou o governo passado, o de achar que sua obrigação é cuidar apenas do sucesso dos índices macroeconômicos, na suposição de que isso possa levar naturalmente ao crescimento e à ampliação de empregos.
Para promover crescimento, é preciso ter vontade e coragem política, fazer planejamento, oferecer crédito, conceder incentivos e, sobretudo, baixar juros. A série de boas notícias, começando pela queda da inflação, abre espaço para que o Banco Central convoque imediatamente reunião extraordinária do Copom para promover uma redução importante na taxa básica de juros, hoje em 26,5%.
A redução dos juros teria efeito imediato no câmbio e poderia interromper a preocupante tendência de valorização do real em relação ao dólar.
A queda do dólar, aliviada um pouco ontem, não pode persistir, porque trará problemas reais para a balança comercial a médio prazo, pelo seu impacto negativo nas vendas externas. Programas de exportações precisam ter consistência e não podem ser uma sanfona, que ora amplia e ora contrai sua área de abrangência.
O câmbio, usado corretamente, tende a ser um instrumento de crescimento econômico. Experiências de outros países, como Japão, Coréia do Sul e China, já provaram que a depreciação da moeda local estimula ao mesmo tempo as exportações, a atividade interna e a substituição de importações.
Com todo o clima favorável, o Banco Central não tem mais nada a esperar para baixar os juros. Seria um presente de Dia das Mães.


Benjamin Steinbruch, 49, empresário, é presidente do conselho de administração da Companhia Siderúrgica Nacional.

E-mail - bvictoria@psi.com.br


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