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OPINIÃO ECONÔMICA
Belém, vítima do regime colonial do espírito
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
"Não se imagina, no resto do
Brasil, o que é a cidade de Belém", escreveu o grande Euclides da Cunha no início do século 20. Pois acabei de voltar de
Belém, onde passei alguns dias,
e poderia dizer exatamente a
mesma coisa.
Quase cem anos depois, em
plena suposta "era da informação", o quadro não mudou: o
Brasil continua a ignorar o maravilhoso patrimônio histórico e
cultural de uma de suas principais cidades.
O leitor poderá estar estranhando um pouco o tema que
escolhi esta semana para uma
coluna que é, afinal, de opinião
econômica. Mas pretendo mostrar, caro leitor, que a relação
entre os dois assuntos é maior
do que pode parecer à primeira
vista.
Veja o meu caso. Tenho mais
de 40 anos e nunca fui, nem quis
ser, um daqueles economistas
"tecnocráticos", encantado ou
obcecado com a ciência econômica e suas aplicações. Dentro
dos estreitos limites da minha
ignorância de economista, sempre tive grande interesse por temas culturais. Apesar disso, até
o ano passado, quando conheci
Belém, não tinha a mais vaga e
remota idéia do que é essa cidade brasileira!
Eis o que eu queria dizer: o
brasileiro não se interessa realmente pelo Brasil. Vive, eternamente, de costas para o próprio
país e desconhece solenemente
os seus valores e potencialidades.
Trata-se, como é óbvio, de
uma das facetas da nossa crônica falta de auto-estima. Do nosso secular complexo de vira-latas, como diria Nelson Rodrigues. Complexo esse que sofreu,
nos anos 90, diga-se de passagem, uma intensificação impressionante, que bem mereceria uma avaliação aprofundada
da parte dos estudiosos dos problemas sociais brasileiros.
Foi esse complexo revigorado
de vira-latas que contribuiu -e
muito- para que a política econômica brasileira, nos últimos
dez anos, importasse todo tipo
de "consenso" internacional vagabundo, fabricado no Primeiro
Mundo para consumo na periferia do planeta.
Assim como na área da cultura, também na da economia o
Brasil tem sido induzido a ignorar, descartar e desprezar os
seus valores e interesses básicos.
O resultado foi que, a pretexto
de modernizar, abrir e privatizar, produziu-se grande desnacionalização e enfraquecimento
da economia nacional.
Há quem diga que, no fundo,
no fundo, o brasileiro não tem
motivos individuais ou coletivos, históricos ou recentes para
a auto-estima. É um engano.
Belém está aí, a demonstrá-lo de
forma escandalosamente clara.
Assim como Fortaleza, Florianópolis e outras cidades que só
recentemente tive a oportunidade de conhecer melhor.
E, depois, é preciso considerar
o seguinte: auto-estima é uma
questão de disposição interna,
subjetiva. De saber encontrar,
criar e recriar, na realidade
multifacetada e multicolorida
do mundo, do jeito mesmo que
ele é, com todas as suas ambivalências, sombras e abismos, os
motivos para viver, para fortalecer e fazer crescer a vida. O
que vale no plano individual da
vida de cada um de nós vale
também no plano nacional.
Evidentemente, enquanto
continuarmos valorizando e
importando indiscriminadamente tudo o quanto é vulgaridade produzida na Europa e, sobretudo, nos EUA, nada de fundamental vai mudar. Continuaremos clientes de todas as bobagens que, sob a égide de uma falsa "globalização", percorrem a
Terra à cata de consumidores
incautos e provincianos.
"Eadem, sed aliter" ("O mesmo, mas de outra maneira"),
ensinava Schopenhauer. Certos
traços centrais de um país mudam pouco ou nada. Ou, em todo o caso, muito menos do que
sugere a superfície das coisas.
No livro "Contrastes e Confrontos", publicado em 1907, o
mesmo Euclides da Cunha desancou o "cosmopolitismo" das
elites brasileiras, a sua atitude
imitativa e servil que conformava "uma espécie de regime colonial do espírito", capaz de
transformar "o filho de um país
num emigrado virtual, vivendo,
estéril, no ambiente fictício de
uma civilização de empréstimo".
O nosso fascínio beócio com a
"globalização", com as novidades, muitas vezes falsas, da economia e da cultura "globais" do
final do século 20 é apenas a última transfiguração desse antigo, antiquíssimo regime colonial do espírito.
Paulo Nogueira Batista Jr., 44, economista e
professor da Fundação Getúlio Vargas-SP, escreve às quintas-feiras nesta coluna.
E-mail: pnbjr@ibm.net
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