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OPINIÃO ECONÔMICA
Soluções e sofismas na aviação brasileira
CARLOS FLÁVIO PEREIRA DE SOUZA
A entrevista com o presidente da Embraer, Maurício
Botelho, na Folha de domingo,
sobre o lobby que estaria sendo
feito por pilotos americanos contra a venda de aviões brasileiros
aos EUA enseja uma discussão a
respeito da superficialidade com
que os executivos da indústria do
transporte aéreo vêem a questão
do caos por que passa a aviação
internacional. Muito regularmente, executivos de empresas aéreas
e da Embraer vêm aos jornais e
TV para dar declarações simplistas sobre causas e soluções para a
crise. Mais comumente ainda, dizem que os atentados de 11 de setembro mudaram o curso da indústria.
Localmente, teorizam que a
proximidade da falência da aviação é um problema conjuntural,
orgânico e que precisa da intervenção financeira do governo para que se construa uma saída. Os
juros, a carga tributária altíssima,
o "custo Brasil", a concorrência
predatória das internacionais, entre outros motivos, já seriam suficientes para que o BNDES, por
exemplo, viesse em socorro.
Não falta o discurso alegando
que, no Brasil, nada se fez para
apoiar as empresas, diferentemente dos EUA. Não mencionam, entretanto, que os efeitos
produzidos pelo 11 de setembro
na aviação doméstica foram exatamente o contrário dos sentidos
nos EUA e em parte da Europa:
aqueceram a demanda por vôos
domésticos, aumentaram as taxas
de ocupação dos aviões e fizeram
passageiros internacionais buscarem a segurança de empresas de
bandeiras não-norte-americanas,
teoricamente menos suscetíveis a
atentados.
Raramente, para não dizer nunca, falam de duas questões que
talvez trouxessem realmente uma
luz sobre essa escuridão: a gestão
do negócio e a capacidade de controlar as finanças. A primeira ilumina uma avenida obscura, qual
seja o equilíbrio entre oferta de assentos, presença nos mercados e
demanda por serviços; a segunda
trata do conceito de "too big to
fail" ("grande demais para falir")
e da relação incestuosa que empresas de aviação e governo sempre tiveram quando se tratava de
ajuda financeira.
Posso dizer que os executivos da
indústria brasileira continuam
tentando enganar uma boa parte
do governo e o povo quando escrevem seus discursos sobre a crise. O povo, por simples desconhecimento, pode até continuar sendo sensibilizado por essas lamúrias, mas, felizmente, parece que
tanto Executivo quanto Legislativo acordaram-se: o problema das
empresas brasileiras, muito possivelmente, é de gestão mesmo. Por
mais que tentem esses executivos
alegar que, se assim fosse, não estariam a falir boa parte das empresas internacionais, não há termo de comparação entre as conjunturas.
Excetuando-se o desequilíbrio
entre oferta de assentos e demanda, nada mais há de comum entre
as indústrias brasileiras e norte-americanas, por exemplo. O que
há, na realidade, é uma enorme
dificuldade de adaptação aos tempos de competição num clima de
economia desregulada. Foi assim
nos EUA, na Europa e na Ásia, na
época da desregulação dos mercados. Por que não seria no Brasil?
As empresas de aviação brasileiras, a Varig, em especial, precisam
ganhar a motricidade e a agilidade que o mercado exige da indústria. Caso contrário, qualquer
aporte do erário não passará de
mero enxugar gelo.
O modelo convencional de, ao
primeiro sinal de falência, a direção das empresas ir em périplo a
Brasília e declarar "se o governo
não intervier, a aviação brasileira,
estratégica e imprescindível num
país de dimensões continentais,
vai fechar suas portas; os americanos vão vir e tomar o nosso mercado; vão fazer cabotagem; vão
arrancar os empregos dos trabalhadores locais" já não encontra
mais eco. Comumente, tais executivos recebiam o auxílio desejado,
com o compromisso de adequar
suas empresas operacional e financeiramente. Depois, voltavam
para Rio e São Paulo, combinavam os preços das passagens e encontravam uma forma de reduzir
custos operacionais demitindo
funcionários e terceirizando atividades essenciais. Para que tenha
uma idéia, a participação das despesas com pessoal caíram de perto de 25% para 17% dos custos
operacionais apenas nos últimos
seis anos -e as empresas reduziram suas estruturas de fornecimento de alimentação, oficinas e
apoio pela metade. O setor de reservas e venda de passagens tampouco ficou incólume. A eficiência dos funcionários da empresas
nacionais, diga-se de passagem,
se encontra hoje entre as maiores
do mundo.
De volta ao que enseja este texto, o presidente da Embraer alega,
como se não soubesse da verdade,
que uma cláusula dos contratos
de trabalho dos pilotos americanos, exagerada, segundo ele, impede que as empresas de aviação
importem os aviões que a Embraer vem tentando colocar no
mais promissor de todos os segmentos do mercado: aeronaves
com entre 80 e 120 assentos. Segundo ele, o que obsta a operação
de exportação é um capricho daqueles colegas, mais comumente
conhecido e cultuado por empresários como "domínio de mercado", bastante recomendado para
o meio empresarial, mas condenado quando aplicado ao meio
trabalhista.
Os pilotos americanos negociaram e contrataram coletivamente
com empresários, em meados de
80, uma forma de prevenir que o
processo de multiplicação de empresas dentro de empresas, mais
conhecido lá como "alter ego",
produzisse um fenômeno muito
comum no Terceiro Mundo: a
transferência de atividade e mão-de-obra de uma empresa-mãe para uma subsidiária, com salários,
naturalmente, menores. São instrumentos chamados de "scope
clauses", incorporados a praticamente cem de cem contratos coletivos de trabalho.
Essas cláusulas, pelo que tem sido discutido entre os sindicatos
de pilotos dos EUA, seriam a peça
de resistência contra as múltiplas
tentativas de empresários reduzirem salários, sub-repticiamente.
Diferentemente do que afirma o
presidente da Embraer, é muito
pouco provável que as empresas
americanas derrubem essa cláusula e, se depender disso para o fabricante vender aviões, é bom
pensar numa saída. É bem mais
fácil os pilotos raciocinarem, rapidamente, e concluir que o problema da indústria não é o custo da
mão-de-obra e, por isso, não permitirão ser explorados sob a alegação de que inviabilizam as empresas. Lá, esse discurso não pega.
Aqui, os pilotos da Varig, que
por meio de sua associação vêm
liderando um processo de reivindicação para que se incluam as
"scope clauses" em seus contratos
e se reformulem os modelos de
governança corporativa e gestão
da empresa, já têm uma idéia do
quanto os seus executivos pensam como o presidente da Embraer: tiveram a direção toda da
associação e mais 20 pilotos "rebeldes" demitidos. Chocados no
início, hoje já entendem em parte
a reação dos administradores: eles
simplesmente agiram conforme a
sua natureza, pois desconhecem
outra forma de administrar.
É saudável, portanto, que a sociedade, usuária do transporte aéreo brasileiro, e o Estado, em especial, reflitam sobre as saídas para a crise. Ouvir somente os empresários e executivos do setor,
sob a ameaça de perder as empresas nacionais, pode custar caro
para o bolso do contribuinte.
Carlos Flávio Pereira de Souza, 41, é
presidente da Apvar (Associação de Pilotos da Varig).
Hoje, excepcionalmente, a coluna de
Paulo Nogueira Batista Jr. não é publicada.
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