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MARCOS CINTRA
"Cansei", "Cansamos" e outras manifestações públicas
estão se tornando rotina,
mas são vazias de conteúdo
O BRASILEIRO não sabe, ou não
quer, exercer sua cidadania.
Um exemplo de complacência no tocante à defesa de seus direitos é a tolerância com os desmandos
da administração pública.
Felizmente, isso começa a mudar.
Pouco, mas surge uma movimentação social em defesa de direitos e
contra abusos. Mas ainda estamos
longe do exercício da cidadania como se vê nos países avançados. O
brasileiro está aprendendo a reclamar, mas ainda não sabe reivindicar,
até porque em geral os movimentos
sociais de protesto têm se limitado a
serem isso mesmo, protestos. Não
são acompanhados de propostas e
de cobrança por ações específicas.
Neste mesmo espaço, em 10/7/
2006, critiquei essa situação no artigo "Está péssimo, mas qual a proposta?". Afirmei que a mobilização
de protesto é louvável, mas que seus
efeitos se esgotariam se não for seguida de ações práticas.
Havia dito que movimentos como
o da Rádio Jovem Pan -"Brasil, país
dos impostos"- haviam cumprido
importante papel. E depois? O que
fazer? Nesse ponto, a cidadania se
silencia e tudo fica como antes.
Da mesma forma, o milionário
movimento "Quero mais Brasil",
que uniu em 2006 entidades empresariais e sindicais, só resultou em
mais faturamento para a mídia.
Pouco restou de concreto.
Por que esses milhões de reais não
são usados no financiamento de
"think tanks", usinas de estudos e de
propostas concretas para os problemas brasileiros? Por que sindicatos,
federações e centrais de trabalhadores não investem na elaboração de
caminhos a serem trilhados pelo
país, em vez de só se queixarem?
Aliás, essa questão começa a ser levantada, como pode ser averiguado
no artigo ""Think tanks" - por que o
Brasil precisa deles", de Raymundo
Magliano Filho e Carlos Eduardo
Lins da Silva ("Valor", 26/7/2007).
A incompetência na gestão pública já está se tornando um caso de
morticínio no transporte aéreo. As
vítimas do acidente da TAM mostram que o limite já foi ultrapassado.
Em vez de só reclamarem, as pessoas precisam propor soluções em
todos os setores, dos transportes à
violência, da corrupção à sonegação,
da política aos serviços sociais.
Em breve, o trânsito na cidade de
São Paulo irá paralisar a cidade, fazendo as pessoas abandonarem seus
veículos nos congestionamentos.
Na questão tributária, por exemplo,
em vez de bater em uma mesma tecla, a da abusiva tributação e a da
pantagruélica burocracia, a mobilização dos cidadãos deveria evoluir
para a apresentação de projetos. O
risco é que, sem isso, a reforma tributária vire um bordão sem conteúdo, ou, pior ainda, seja transformada
em instrumento político-eleitoral,
como tem acontecido ultimamente.
Temo que hoje se estejam repetindo esses erros.
"Cansei", "Cansamos" e outras
manifestações públicas, organizadas ou não, estão se tornando rotina.
Mas são movimentos vazios de conteúdo. Servem apenas para desopilar fígados, mas não produzem resultados visíveis. E o mais desanimador é que, apesar dessas manifestações de puro descontentamento,
na hora decisiva das eleições o povo
não muda sua atitude e mantém as
coisas como sempre estiveram.
Cadê as propostas? Os formadores de opinião (entidades empresariais e de trabalhadores, partidos políticos, universidades etc.) devem
cumprir seu papel de estabelecer
um debate público de qualidade, sob
pena de os politiqueiros, e seus marqueteiros de ocasião, continuarem
ocupando esse vazio que se estabeleceu em nosso país.
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 60,
doutor pela Universidade Harvard (EUA), professor titular
e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003). É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas, a cada 15
dias, nesta coluna.
Internet: www.marcoscintra.org
mcintra@marcoscintra.org
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