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ARTIGO
Bush quer que China ajude americanos
PAUL KRUGMAN
Uma coisa engraçada aconteceu nesta semana: o governo Bush, com seu agressivo unilateralismo e desprezo pela diplomacia e pelas instituições internacionais, subitamente decidiu
apostar seu futuro na generosidade de estranhos.
Todo mundo sabe sobre a reviravolta no Iraque: depois de desperdiçar nosso poderio militar
em uma guerra que ele queria travar mesmo que ela nada tivesse a
ver com o terrorismo, o presidente Bush agora está implorando
aos comedores de queijo e aos fabricantes de chocolate que o resgatem. O que talvez não seja igualmente óbvio é o fato de que ele está fazendo a mesma coisa na frente econômica. Tendo desperdiçado o espaço de manobra que tinha para a economia com cortes
de impostos -que satisfizeram
as bases de seu partido, mas não
fizeram nada pela criação de empregos-, Bush agora está pedindo que a China o ajude.
Não que, evidentemente, o senhor Bush admita ter cometido
erros. Na verdade, o presidente
parece estar sofrendo de um caso
sério de "l'état c'est moi" [o Estado sou eu]: ele coloca em dúvida o
patriotismo de qualquer pessoa
que conteste suas decisões.
Se alguém pergunta por que ele
desviou recursos empregados na
caça à Al Qaeda, que nos atacou,
para a invasão do Iraque, que não
o fez, Bush sugere que a atitude do
questionador quanto à defesa nacional é fraca. E a mesma coisa vale para quem questione seu histórico econômico. "Eles me disseram que a recessão foi amena",
declarou Bush na segunda. "E ela
foi amena devido ao corte de impostos. Algumas pessoas dizem
que talvez a recessão devesse ter
sido mais profunda. Que as pessoas digam isso me incomoda."
Ou seja, se alguém pergunta por
que ele pressionou pelos cortes de
impostos no longo prazo em vez
de se concentrar na criação de
empregos, ele diz que a pessoa
queria recessão mais profunda.
Incomoda-me que ele diga isso.
Evidentemente, ninguém diz
que a recessão deveria ter sido
mais profunda. O que os críticos
argumentaram -e com razão-
foi que a estratégia econômica
adotada por Bush, de cortes de
impostos favoráveis aos ricos,
com algumas vantagens simbólicas para a classe média, geraria
déficit máximo e estímulo mínimo. Talvez "eles" digam ao presidente que a recessão foi amena,
mas os desempregados de longo
prazo decerto não concordarão.
E o fato de que mesmo com todo esse déficit a recuperação continue a não gerar empregos deveria levá-lo a imaginar se o tipo de
déficit que ele vem acumulando
não é o errado. Mas, em lugar disso, o presidente decidiu pedir ajuda aos chineses.
Admita-se que sua atitude não
pareceu a de alguém que está pedindo ajuda. Ele optou por parecer durão. "Esperamos que o jogo
seja limpo, no que tange ao comércio internacional... e pretendemos manter as regras justas."
Todo mundo entende que isso é
uma referência ao yuan, a moeda
chinesa supostamente subvalorizada, que alguns grupos empresariais apontam como um importante problema para as companhias norte-americanas.
Aliás, mesmo que os chineses
atendessem às demandas norte-americanas por um aumento no
valor do yuan, isso não faria muito efeito a não ser que a valorização fosse grande. E a China não
concordará com uma valorização
substancial porque seu superávit
imenso no comércio com os Estados Unidos é compensado, em
larga medida, por grandes déficits
no comércio com outros países.
Ainda assim, uma valorização
modesta da taxa cambial por parte de Pequim poderia permitir
que Bush alegasse estar fazendo
alguma coisa sobre a perda de
empregos na indústria. E assim,
John Snow, o secretário do Tesouro, viajou a Pequim para solicitar
uma alta no valor do yuan com relação ao dólar.
Mas ele não foi atendido. Um
estudo rápido da situação revela
um dos motivos: os EUA no momento têm pouca influência sobre a China. Bush precisa da ajuda
dos chineses para lidar com a Coréia do Norte -mais uma crise
cujo agravamento foi permitido
enquanto o governo norte-americano concentrava suas atenções
no Iraque. Além disso, as compras de notas do Tesouro norte-americano pelo banco central chinês são uma das principais maneiras pelas quais os EUA financiam o seu déficit comercial.
Ninguém está seguro quanto ao
que aconteceria caso a China optasse subitamente por investir, digamos, em euros -alta de dois
pontos nos juros hipotecários?-,
mas não se trata de uma experiência que qualquer um deseje tentar.
E pode, além disso, haver outra
razão. Os chineses se lembram
bem que, nos primeiros meses da
gestão Bush, funcionários de sua
administração descreveram a
China como "concorrente estratégico" -eles pareciam estar à
procura de uma nova guerra fria,
antes que o terrorismo surgisse
como uma causa mais fácil. Assim, Bush pode ter tanta dificuldade para obter ajuda da China
quanto dos países que alguns dos
membros de seu governo ridicularizaram como "a velha Europa".
"Sic transit" e essas coisas. Quatro meses depois da operação
Flight Suit, a superpotência passou a pedir favores às nações que
antes insultava. Missão cumprida.
Paul Krugman, economista, é professor
na Universidade Princeton (EUA) e colunista do "New York Times".
Tradução de Paulo Migliacci
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