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OPINIÃO ECONÔMICA
Viagem ao fundo do poço
ANTONIO BARROS DE CASTRO
Quando, em abril deste ano,
a inflação na Argentina
atingiu 10%, num só mês, a imensa maioria dos economistas convenceu-se de que a catástrofe havia chegado. Saltava-se da recessão, com estabilidade monetária,
diretamente para a hiperinflação.
Além disso, havendo a economia
sido colocada, no último decênio,
no piloto automático, os poderes
públicos tinham uma capacidade
quase nula de intervenção no domínio econômico. Numa palavra,
não tinham como conter o mergulho da economia ou a dramatização do quadro social. E, quanto
a encontrar artifícios ou truques
para escapar do abismo, o fracasso do exuberante prestidigitador
Domingo Cavallo, em sua última
passagem pelo poder, eliminava
quaisquer esperanças.
Nos últimos quatro meses, contudo, cessou a corrida para o dólar, que, relativamente, estabilizou-se. A inflação poderá chegar
a 40%, no acumulado do ano,
mas não está em ascensão. Cessou
também a queda em flecha, puxada pela indústria, das atividades econômicas. Algumas atividades emitem, neste momento, sinais positivos.
Tentando entender o que havia
detido a implosão da economia,
captei, de diferentes interlocutores, as seguintes possíveis explicações.
De maio em diante, praticamente cessou a emissão de moeda, o que, na excitadíssima atmosfera da derrocada do regime
de conversibilidade, alimentava
diretamente a explosão do dólar.
Na medida do possível, ninguém
queria bens e serviços, somente a
suprema liquidez do dólar. Manter o dólar "quieto", na expressão
do ministro Lavagna ("Clarín", 3
de novembro de 2002), continua,
aliás, sendo, ainda hoje, uma
prioridade, no esforço de sobrevivência à crise. E como foi possível
cessar a criação de moeda? Aqui
entram os seguintes fatores.
Primeiramente, um mínimo de
alívio já havia ocorrido, por modesta recuperação de recursos retidos nos bancos ("corralito"), nos
primeiros meses do ano. Conseguiu-se, então, uma relativa contenção da ação da Justiça, sobretudo no que toca à liberação de
recursos pelo mais agressivo dos
meios (trata-se da figura do "amparo", em que o dinheiro volta,
corrigido em dólar). Houve, por
outro lado, significativo aumento
da arrecadação fiscal, seja em decorrência da alta dos preços domésticos, seja pela "retenção" que
passou a ser cobrada sobre o valor
das exportações. Finalmente os
salários nominais, na esfera pública, bem como na privada, foram mantidos praticamente
constantes -e assim também os
preços de diversos serviços recentemente privatizados.
Em suma, a onda hiperinflacionária foi contida por um brutal
ajuste fiscal, os salários (privados,
inclusive) sofreram violenta contração, e a ação da Justiça foi, digamos, arrefecida. A queda prevista para o PIB em 2002, de cerca
de 12%, seria o preço a pagar pelo
impacto contencionista dos fatores assinalados.
Nesse contexto, como era de esperar, as atividades exportadoras
começam a emitir sinais positivos. As razões são óbvias -e as
margens de lucro parecem estar
altíssimas, mesmo ali onde foram
introduzidas substanciais "retenções" sobre o valor exportado. Em
alguns casos observa-se até a revitalização de atividades praticamente abandonadas no correr
dos anos 90. Exemplo: reabertura
de uma grande fábrica de vidro,
desativada quando os refrigerantes adotaram a embalagem importada PET.
Finalizando, acrescento que a
economia foi certamente beneficiada pelo fato de que os bancos
continuam (precariamente) operando, apesar de tecnicamente
quebrados -e que tanto o acesso
ao crédito quanto o mero uso de
cheques sempre foram muito inferiores ao verificado no Brasil.
Antonio Barros de Castro, 58, professor titular da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e ex-presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), escreve às
quartas, a cada 15 dias, nesta coluna.
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