São Paulo, quarta-feira, 06 de novembro de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

Viagem ao fundo do poço

ANTONIO BARROS DE CASTRO

Quando, em abril deste ano, a inflação na Argentina atingiu 10%, num só mês, a imensa maioria dos economistas convenceu-se de que a catástrofe havia chegado. Saltava-se da recessão, com estabilidade monetária, diretamente para a hiperinflação. Além disso, havendo a economia sido colocada, no último decênio, no piloto automático, os poderes públicos tinham uma capacidade quase nula de intervenção no domínio econômico. Numa palavra, não tinham como conter o mergulho da economia ou a dramatização do quadro social. E, quanto a encontrar artifícios ou truques para escapar do abismo, o fracasso do exuberante prestidigitador Domingo Cavallo, em sua última passagem pelo poder, eliminava quaisquer esperanças.
Nos últimos quatro meses, contudo, cessou a corrida para o dólar, que, relativamente, estabilizou-se. A inflação poderá chegar a 40%, no acumulado do ano, mas não está em ascensão. Cessou também a queda em flecha, puxada pela indústria, das atividades econômicas. Algumas atividades emitem, neste momento, sinais positivos.
Tentando entender o que havia detido a implosão da economia, captei, de diferentes interlocutores, as seguintes possíveis explicações.
De maio em diante, praticamente cessou a emissão de moeda, o que, na excitadíssima atmosfera da derrocada do regime de conversibilidade, alimentava diretamente a explosão do dólar. Na medida do possível, ninguém queria bens e serviços, somente a suprema liquidez do dólar. Manter o dólar "quieto", na expressão do ministro Lavagna ("Clarín", 3 de novembro de 2002), continua, aliás, sendo, ainda hoje, uma prioridade, no esforço de sobrevivência à crise. E como foi possível cessar a criação de moeda? Aqui entram os seguintes fatores.
Primeiramente, um mínimo de alívio já havia ocorrido, por modesta recuperação de recursos retidos nos bancos ("corralito"), nos primeiros meses do ano. Conseguiu-se, então, uma relativa contenção da ação da Justiça, sobretudo no que toca à liberação de recursos pelo mais agressivo dos meios (trata-se da figura do "amparo", em que o dinheiro volta, corrigido em dólar). Houve, por outro lado, significativo aumento da arrecadação fiscal, seja em decorrência da alta dos preços domésticos, seja pela "retenção" que passou a ser cobrada sobre o valor das exportações. Finalmente os salários nominais, na esfera pública, bem como na privada, foram mantidos praticamente constantes -e assim também os preços de diversos serviços recentemente privatizados.
Em suma, a onda hiperinflacionária foi contida por um brutal ajuste fiscal, os salários (privados, inclusive) sofreram violenta contração, e a ação da Justiça foi, digamos, arrefecida. A queda prevista para o PIB em 2002, de cerca de 12%, seria o preço a pagar pelo impacto contencionista dos fatores assinalados.
Nesse contexto, como era de esperar, as atividades exportadoras começam a emitir sinais positivos. As razões são óbvias -e as margens de lucro parecem estar altíssimas, mesmo ali onde foram introduzidas substanciais "retenções" sobre o valor exportado. Em alguns casos observa-se até a revitalização de atividades praticamente abandonadas no correr dos anos 90. Exemplo: reabertura de uma grande fábrica de vidro, desativada quando os refrigerantes adotaram a embalagem importada PET.
Finalizando, acrescento que a economia foi certamente beneficiada pelo fato de que os bancos continuam (precariamente) operando, apesar de tecnicamente quebrados -e que tanto o acesso ao crédito quanto o mero uso de cheques sempre foram muito inferiores ao verificado no Brasil.


Antonio Barros de Castro, 58, professor titular da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e ex-presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), escreve às quartas, a cada 15 dias, nesta coluna.

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