São Paulo, Segunda-feira, 06 de Dezembro de 1999


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OPINIÃO ECONÔMICA
Uma questão de atitude

JOÃO SAYAD
No século passado crianças eram vistas como adultos em miniatura.
Eram obrigadas a se vestir, falar e se comportar como adultos. Se se comportassem mal, se fossem irrequietas, cheias de vida, emocionais, chorando à toa e rindo alto deveriam ser disciplinadas com um bom castigo e algumas palmadas. As crianças eram tidas como adultos sem educação.
Hoje, mudamos de atitude. A criança é vista como uma florzinha delicada, que pode crescer e amadurecer se receber muitos cuidados, carinho e dedicação.
Pode se transformar em pessoa madura, com vida emocional rica e satisfatória, com capacidade de amor e trabalho. Pode permanecer criança a vida inteira. É assunto complicado.
Os economistas neoliberais têm atitude errada com relação à economia capitalista. Acreditam que a economia capitalista tende à estabilidade de preços e ao crescimento auto-sustentado. Quando tem inflação ou desemprego só existe um culpado, o governo ou a política.
A história desmente.
O mundo capitalista oscila entre inflação e deflação, entre crescimento e desemprego. No começo do século, estabilidade ou deflação. Entre 1918 e 1930, instabilidade, hiperinflação e desemprego. Entre 1945 e 1980, inflação e crescimento. Entre 1980 e hoje, estabilidade ou deflação com desemprego.
Estabilidade de preços com crescimento é evento pouco provável. É florzinha delicada que precisa de muita sorte para poder crescer.
Não é problema latino ou brasileiro. Por aqui, os números são maiores, mas a direção é igual a de todos os países do mundo. Nos últimos 20 anos, a tendência inflacionária acabou nos Estados Unidos, na Europa, na América Latina e, finalmente, no Brasil.
A única crítica justa que se pode fazer ao país é que chegamos sempre atrasados. Somos conservadores.
Agora, a inflação brasileira volta à cena e muitos fazem provisões sombrias: a volta do dragão inflacionário.
Entre 1994 e 1998, quando o câmbio estava fixo, a inflação acumulada medida por índice de custo de vida chegou a mais do que 50%.
Entretanto, os defensores do câmbio sobrevalorizado afirmavam que o câmbio deveria ser comparado com o índice de preços por atacado, que mostrava inflação muito pequena.
Agora, o câmbio flutua.
Os mesmos analistas afirmam que a inflação vai crescer porque o índice de custo de vida está crescendo menos do que o índice de preço por atacado. Que agora um corre atrás do outro, embora antes não corressem.
A afirmação só é verdadeira, isto é, o índice de preço por atacado vai correr atrás do índice de custo de vida se estivermos num processo de inflação aberta.
Se acontecer isto -inflação aberta, generalizada- acontece aquilo -um índice correndo atrás do outro.
Essa observação, entretanto, não pode ser usada para fazer previsões.
Não posso prever que vai chover, se chover. Não posso prever que vai haver inflação, ou seja que o IPC vai correr atrás do IPA, a menos que possa prever que haverá um processo inflacionário crônico e generalizado.
Essa é a questão: o que traria de volta a inflação generalizada, crônica e o risco de indexação?
Para ter inflação é preciso: câmbio permanentemente crescente; trabalhadores que exigem salário fixado em outra moeda que não a moeda nacional, em dólares ou em índices de preços; e, finalmente, governo ineficaz, isto é, incapaz de aprovar leis e fazer respeitá-las, nomear e mandar prender.
No Brasil, nada disso está acontecendo. Nem parece prestes a acontecer.
O câmbio subiu, desceu e agora subiu de novo. Não tem tendência nítida de crescimento. Na semana passada, caiu. O Banco Central tem agido com sabedoria. Nem promessas, nem bravatas.
Os trabalhadores, coitados, há muito tempo que não negociam salários. Discutem apenas emprego.
O governo conseguiu aprovar reformas constitucionais inimagináveis há alguns anos, inclusive a reeleição. Mais eficaz, impossível.
Não há indícios de volta do dragão -a inflação permanente. Não é preciso aumentar taxas de juros, cortar gastos ou bater nas crianças.


João Sayad, 53, economista, professor da Faculdade de Economia e Administração da USP e ex-ministro do Planejamento (governo José Sarney); é autor de "Que País é Este?" (editora Revan); escreve às segundas-feiras nesta coluna.
E-mail: jsayad@ibm.net


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