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São Paulo, sábado, 06 de dezembro de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Segunda-feira ao sol

GESNER OLIVEIRA

Sem uma estratégia de crescimento sustentado, os trabalhadores brasileiros estarão condenados a passar por muito tempo a "Segunda-Feira ao Sol", como no belo filme de Fernando León de Aranoa, mas sem uma rede de proteção mínima a que tem acesso o desempregado europeu.
Os números do desemprego são dramáticos. Um em cada cinco trabalhadores da região metropolitana de São Paulo está desocupado. Na média das seis maiores regiões metropolitanas pesquisadas pelo IBGE, a taxa de desemprego atingiu 12,9% em outubro, contra 11,2% de outubro de 2002 e 10,5% no momento do início do governo Lula.
A recuperação em curso não é suficiente, por si mesma, para inverter essa situação. Embora haja sinais de melhora na disposição das empresas em contratar mais, o emprego só vai crescer de forma expressiva se as empresas apostarem em uma retomada duradoura da atividade econômica.
O PIB deve crescer em torno de 4% em 2004, mas nada garante que o emprego cresça em uma proporção razoável. Isso exige uma elevação do investimento, que, por sua vez, requer regras estáveis e transparentes, aliadas a uma estratégia clara de crescimento, hoje inexistente.
O programa de geração de emprego do PT durante as últimas eleições presidenciais já era irrealista ao prometer a criação de 10 milhões de empregos nos quatro anos de governo. Diante dos números de 2003, tornou-se espetacularmente irrealista!
O programa "Mais e Melhores Empregos 2002", publicado pela campanha do presidente Lula, prometia um crescimento anual médio do PIB de 5% ao ano durante seu mandato. Considerando a expectativa do Ipea divulgada nesta semana de crescimento de 0,2% em 2003, seria necessária uma expansão de 6,7% anuais nos três anos restantes do atual governo para atingir a hipótese de crescimento de 5% que estava por trás dos 10 milhões de empregos.
Esse número de 6,7% equivale a 2,5 vezes a média de crescimento do período posterior ao Plano Real e é quase o dobro da taxa de expansão que vários analistas projetam para o PIB potencial brasileiro na próxima década, considerando os atuais entraves ao desenvolvimento.
Isso sem contar o fato de que, entre dezembro de 2002 e outubro de 2003, o número de desempregados aumentou em 648 mil nas seis regiões metropolitanas da Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE. Fazendo uma extrapolação simples dessa perda para o conjunto do país e seguindo a metodologia do documento de campanha do PT, chega-se à conclusão de que o Brasil teria de crescer a um ritmo anual de 7,9% nos próximos três anos para cumprir as promessas de campanha no tocante à geração de empregos!
Mas nem esse espetáculo de crescimento que o Brasil não tem conseguido nas últimas duas décadas resolveria o pesadelo da segunda-feira para os trabalhadores brasileiros. Nenhum programa de geração de empregos pode repousar exclusivamente sobre o crescimento da economia.
E, de fato, de acordo com o programa do PT, 4,7 milhões dos 10 milhões de empregos prometidos viriam de duas outras fontes. Seriam gerados 3,2 milhões pela redução da jornada de trabalho e 1,47 milhão por uma suposta mudança no padrão dos gastos públicos.
No entanto, nada mudou em relação aos gastos do governo que indicasse um maior coeficiente de emprego. Se algo ocorreu, foi no sentido contrário. A política fiscal continua voltada para a elevação da carga tributária, que, por sua vez, deprime o crescimento, sem atentar para a urgente racionalização das despesas do setor público.
No tocante à redução da jornada de trabalho, o tema simplesmente saiu da pauta política. Trata-se de mais um descumprimento das promessas de campanha, mas que veio para o bem, pois a experiência na Europa e na França em particular não recomenda esse tipo de providência como fonte de criação de mais postos de trabalho.
Sem uma estratégia de crescimento e sem um programa abrangente de geração de emprego, o governo deixará os trabalhadores caminhando nas nuvens à procura de um lugar ao sol no cada vez mais competitivo mercado de trabalho.


Gesner Oliveira, 47, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br


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