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São Paulo, sábado, 06 de dezembro de 2003

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LUÍS NASSIF

A retórica da não-solução

O economista e empresário Cláudio Haddad tem idéias que podem ser questionadas por estabelecer relações claras de causalidade. É um avanço fantástico sobre os cabeças de planilha.
Em seu último artigo no "Valor", Haddad investe contra a proposta de política econômica alternativa de baixar juros e desvalorizar o câmbio -receita que teria garantido o crescimento continuado da China-, em contraposição ao modelo atual de real valorizado e juros altos.
Em sua opinião, há uma diferença básica entre a China e o Brasil. A primeira tem poupança alta e dívida baixa como proporção do Produto Interno Bruto; o Brasil tem a situação inversa. O que ocorreria em caso de implementação da nova proposta? Com baixa poupança, não haveria recursos para investimentos na produção e uma propensão ao aumento da demanda. Com câmbio desvalorizado, aumentariam as exportações. Essa combinação de crescimento da demanda interna e externa, sem investimentos adicionais, não seria suportada pela capacidade instalada no país, e o modelo se inviabilizaria.
Ótimo! Raciocínio que pode ser questionado ou apoiado por definir relações causais objetivas, apesar de ter incorrido no paradoxo de Tostines: o Brasil tem dívida alta porque praticou juros altos, e não o contrário.
Na visão de Haddad, a única alternativa do país seria manter juros altos e câmbio apreciado enquanto a dívida pública não for equacionada e a poupança interna não aumentar. O país não pode crescer enquanto tiver dívida alta e não houver investimentos no setor produtivo; para não crescer, há que manter juros altos; com juros altos, a dívida continuará crescendo e não haverá investimentos no setor produtivo. Brilhantemente, Haddad produziu uma não-solução.
Despida das simplificações retóricas a que foi reduzida por Haddad, a proposta alternativa tem uma lógica que merece discussão mais aprofundada.
Ninguém está propondo juros norte-americanos no Brasil por passe de mágica. Há que ser um processo gradativo acompanhado de um choque de gestão na área pública que reduza os desperdícios nos gastos correntes -e não nos investimentos.
Enquanto não há o ambiente adequado à redução drástica de juros, é preciso encontrar setores em que a taxa de retorno seja superior às taxas de juros da economia, para mobilizar investimento produtivo. Esse setor seria o exportador, caso houvesse um choque de câmbio vigoroso e sustentado capaz de compensar a falta de competitividade sistêmica da economia. Os investimentos começariam por esse setor -como já ocorre com os agronegócios.
É tarefa fácil? É evidente que não. Teria que haver um plano de vôo, uma implementação segura, sinalizando para o mercado a redução consistente da dívida pública e a segurança para investimento em setores exportadores. Seus formuladores teriam que provar serem possíveis cortes drásticos de gastos públicos em um país com demandas gigantescas na área social.
É uma discussão difícil que não comporta as simplificações com que vem sendo tratada.
E-mail - Luisnassif@uol.com.br


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