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LUÍS NASSIF
A Nestlé e o Cade
Por qualquer ângulo
que se veja, a proibição da
compra da Garoto pela Nestlé,
decretada pelo Cade (Conselho
Administrativo de Defesa Econômica), é capítulo fundamental na história das agências reguladoras. Seja pela hipótese de
o Cade ter avançado além de
suas atribuições -conforme
afirmou seu próprio presidente,
João Grandino Rodas- , seja
pelo fato de o órgão ter sua credibilidade e autonomia trincadas por seu próprio presidente
-que, voto vencido na reunião, recomendou à parte derrotada que recorresse à Justiça.
Mal comparando, seria a mesma coisa que o presidente do
Banco Central denunciar o Copom quando for voto vencido
na decisão de reduzir os juros.
O tema em questão tem
nuances técnicas e políticas a
serem bem pesadas, inclusive
para aprimoramento do direito
econômico no país.
As nuances técnicas são sobre
o conceito de "mercado relevante" -ou seja, qual o mercado a analisar, para avaliar se o
poder de uma empresa poderá
permitir-lhe abusar dos preços.
Tenho para mim que o mercado relevante de chocolates é
mais amplo do que o próprio
mercado de chocolates. No orçamento doméstico, quem compete com o chocolate são o celular, os confeitos, o entretenimento. Há algumas matérias-primas que levam chocolate,
mas não poderiam ser encontradas saídas menos radicais
do que a anulação da compra?
A alegação dos conselheiros
que votaram pela descontinuação da venda é a de que, inicialmente, havia um acordo pelo
qual a Nestlé se comprometia a
não adotar nenhuma atitude
irreversível em relação à Garoto, até o Cade tomar a decisão
final. De fato, essa informação é
confirmada pelo "Consultor Jurídico" de 22 de março de 2002.
Mas até que ponto se justificava a decisão mais radical, de
proibir a compra? Segundo
conselheiros do Cade, diferentemente do caso AmBev, não havia unidades fabris da Garoto a
serem vendidas. A Garoto tinha
uma fábrica apenas.
Segundo os conselheiros do
Cade, a Nestlé ofereceu pela
Garoto um preço muito maior
do que o oferecido por outros
gigantes do mercado internacional. Esse sobrepreço se justificaria apenas pelo fato de estarem embutidos, no caso da Nestlé, os ganhos com o monopólio.
Segundo eles, os pareceres dos
próprios economistas contratados pela Nestlé mostravam que
dificilmente haveria ganhos para o consumidor, já que a
maior parte da sinergia seria
apropriada pela própria companhia. E mais: que, se fosse em
outro país, a Nestlé jamais ousaria essa operação, porque saberia de antemão que seria vetada. Assim, ela teria insistido
contando com o "jeitinho" brasileiro e com a visibilidade pública de seu presidente no país.
É importante anotar os argumentos por dois ângulos. O primeiro, por ele em si. O segundo,
para demonstrar o estado de espírito do Cade em relação ao tema, julgando que a Nestlé pressionou indevidamente, tentando criar um fato consumado.
Lembram os conselheiros que
não se tratou de cancelar investimentos. O dinheiro aplicado
na compra foi para o bolso dos
antigos controladores da Garoto. Portanto não houve acréscimo de produção e de emprego.
Por outro lado, quais as conseqüências econômicas dessa
atitude? O Cade deu 90 dias para a operação ser desfeita. A
Nestlé anunciou que irá recorrer à Justiça. O caso pode levar
anos. Nesse período, há o risco
concreto de a Garoto desaparecer. Os próprios conselheiros
trabalham com a possibilidade,
pois não interessaria à Nestlé
criar um concorrente. Morrendo a Garoto, a Nestlé mantém
seu poder de fogo no mercado e
haverá empregos, produtos e
investimentos a menos.
E-mail - Luisnassif@uol.com.br
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