São Paulo, sábado, 07 de fevereiro de 2004

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COMÉRCIO EXTERIOR

Reunião de emergência tentaria evitar fracasso; Mercosul se recusa a assinar acordo sem avanço na agricultura

Sob impasse, Alca cogita nova negociação

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A PUEBLA

Os negociadores da Alca (Área de Livre Comércio das Américas) saíram para o almoço, por volta de 13h30 de ontem (17h30 em Brasília), do mesmo jeito que chegaram no domingo à cidade mexicana de Puebla: com um impasse total em torno dos principais nós que entravam a negociação -em especial em agricultura, ponto de honra para o Brasil e para o Mercosul.
Impasse tamanho que já se falava abertamente em convocar uma reunião de emergência do CNC (Comitê de Negociações Comerciais), principal instância técnica da Alca, para dentro de algumas semanas. Seria a forma de tentar evitar que um fracasso total leve à implosão das negociações.
Afinal, a reunião de Puebla tem por objetivo dar instruções aos grupos negociadores para que definam o formato da Alca.
Se não há acordo, não há obviamente instruções e, em não havendo instruções, não pode haver negociação.
O embaixador Adhemar Bahadian, co-presidente das negociações pelo Brasil, admite que algumas delegações já estavam proclamando que o encontro de Puebla havia fracassado.
Ele próprio, no entanto, diz não admitir essa hipótese e, em entrevista ao canal de TV Bloomberg Brasil, chegou a dizer: "Não aceito o fracasso como resultado desta reunião". A tese de Bahadian é a de que "a maioria das negociações comerciais se resolve nos últimos momentos, porque os negociadores testam os seus limites até o fim".

"Desequilibrado"
É possível que Bahadian tenha razão, mas, em matéria de agricultura, o principal nó, os limites de cada parte parecem inamovíveis. "O Mercosul não assinará documento algum se não houver avanços em agricultura", grita Martín Redrado, vice-chanceler e chefe da delegação argentina.
Retruca um delegado do G14, o bloco liderado por Estados Unidos, Canadá, Chile e México, que se opõe ao Mercosul: "O documento do Mercosul é desequilibrado porque reduz as ambições em todas as áreas, menos em agricultura".
Pior: Peter Allgeier, o co-presidente das negociações pelos Estados Unidos, deixou claro aos negociadores que não tem flexibilidade para mexer nos subsídios internos que os EUA concedem a seus produtores. "A realidade é que isso só pode ser feito nas negociações globais, no âmbito da Organização Mundial do Comércio", completa o delegado do G14 que prefere o anonimato.
Por isso, o fato de se ter chegado perto de um acordo sobre a eliminação dos subsídios à exportação não mudou nada no aspecto geral da negociação.
Um grupo menor de delegados (os principais, como EUA, Brasil, Argentina, Canadá, México, Chile, um representante do Caribe) ficou até 2h30 da madrugada de ontem (6h30 em Brasília) negociando um documento final.
O resultado foi levado à sessão plenária que começou por volta de 11h (15h em Brasília): todos os impasses estavam em colchetes, a fórmula diplomática para indicar que não há acordo sobre aquele item específico.
No caso da agricultura, foi pior: o rascunho de texto limitava-se a listas as posições antagônicas, do Caricom (países caribenhos), do G14, do Mercosul e até um parágrafo específico dos Estados Unidos, que faz parte do G14. É o parágrafo que vincula a eliminação dos subsídios à exportação a "um mecanismo eficaz para contrabalançar e/ou dissuadir as importações de produtos agrícolas subsidiados provenientes de países não-membros da Alca".
Traduzindo: os EUA só eliminam seus subsídios se a União Européia, que os têm em valor ainda maior, não puder se beneficiar nas suas exportações para as Américas.

Avanço
A rigor, o único avanço está na supressão de uma expressão vetada pelo Mercosul. O G14 propunha que haveria a eliminação de tarifas para "substancialmente todo o comércio", mas não para todo ele, conforme a proposta do Mercosul. As duas partes cederam, e o texto ficou assim: "Todo o universo tarifário (está) sujeito a negociação". Ou seja, não se fala em eliminação, e, sim, em negociação, mas some o "substancialmente", palavra que poderia dar margem a que, por exemplo, os Estados Unidos protegessem justamente os bens de interesse do Brasil e do Mercosul.
Onde há acordo praticamente total é em investimentos e compras governamentais (só se negociará transparência, e não acesso a mercado).
Em serviços, continua em colchete a possibilidade de "compromissos adicionais", além daqueles já estabelecidos em acordos da OMC -hipótese vetada pelo Mercosul.
Em propriedade intelectual, políticas de concorrência, subsídios, antidumping e direitos compensatórios, tudo está em colchetes. Ou seja, houve acordo zero.
É esse formidável imbróglio que os negociadores se dispunham a encarar depois do almoço, com uma única certeza: com ou sem acordo, a reunião terminaria ontem, qualquer que fosse a hora. "Sempre se pode parar o relógio", ironiza o delegado do G14 escudado no anonimato.


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