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COMÉRCIO EXTERIOR
Reunião de emergência tentaria evitar fracasso; Mercosul se recusa a assinar acordo sem avanço na agricultura
Sob impasse, Alca cogita nova negociação
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A PUEBLA
Os negociadores da Alca (Área
de Livre Comércio das Américas)
saíram para o almoço, por volta
de 13h30 de ontem (17h30 em
Brasília), do mesmo jeito que chegaram no domingo à cidade mexicana de Puebla: com um impasse total em torno dos principais
nós que entravam a negociação
-em especial em agricultura,
ponto de honra para o Brasil e para o Mercosul.
Impasse tamanho que já se falava abertamente em convocar uma
reunião de emergência do CNC
(Comitê de Negociações Comerciais), principal instância técnica
da Alca, para dentro de algumas
semanas. Seria a forma de tentar
evitar que um fracasso total leve à
implosão das negociações.
Afinal, a reunião de Puebla tem
por objetivo dar instruções aos
grupos negociadores para que definam o formato da Alca.
Se não há acordo, não há obviamente instruções e, em não havendo instruções, não pode haver
negociação.
O embaixador Adhemar Bahadian, co-presidente das negociações pelo Brasil, admite que algumas delegações já estavam proclamando que o encontro de Puebla havia fracassado.
Ele próprio, no entanto, diz não
admitir essa hipótese e, em entrevista ao canal de TV Bloomberg
Brasil, chegou a dizer: "Não aceito
o fracasso como resultado desta
reunião". A tese de Bahadian é a
de que "a maioria das negociações comerciais se resolve nos últimos momentos, porque os negociadores testam os seus limites
até o fim".
"Desequilibrado"
É possível que Bahadian tenha
razão, mas, em matéria de agricultura, o principal nó, os limites
de cada parte parecem inamovíveis. "O Mercosul não assinará
documento algum se não houver
avanços em agricultura", grita
Martín Redrado, vice-chanceler e
chefe da delegação argentina.
Retruca um delegado do G14, o
bloco liderado por Estados Unidos, Canadá, Chile e México, que
se opõe ao Mercosul: "O documento do Mercosul é desequilibrado porque reduz as ambições
em todas as áreas, menos em agricultura".
Pior: Peter Allgeier, o co-presidente das negociações pelos Estados Unidos, deixou claro aos negociadores que não tem flexibilidade para mexer nos subsídios internos que os EUA concedem a
seus produtores. "A realidade é
que isso só pode ser feito nas negociações globais, no âmbito da
Organização Mundial do Comércio", completa o delegado do G14
que prefere o anonimato.
Por isso, o fato de se ter chegado
perto de um acordo sobre a eliminação dos subsídios à exportação
não mudou nada no aspecto geral
da negociação.
Um grupo menor de delegados
(os principais, como EUA, Brasil,
Argentina, Canadá, México, Chile, um representante do Caribe)
ficou até 2h30 da madrugada de
ontem (6h30 em Brasília) negociando um documento final.
O resultado foi levado à sessão
plenária que começou por volta
de 11h (15h em Brasília): todos os
impasses estavam em colchetes, a
fórmula diplomática para indicar
que não há acordo sobre aquele
item específico.
No caso da agricultura, foi pior:
o rascunho de texto limitava-se a
listas as posições antagônicas, do
Caricom (países caribenhos), do
G14, do Mercosul e até um parágrafo específico dos Estados Unidos, que faz parte do G14. É o parágrafo que vincula a eliminação
dos subsídios à exportação a "um
mecanismo eficaz para contrabalançar e/ou dissuadir as importações de produtos agrícolas subsidiados provenientes de países
não-membros da Alca".
Traduzindo: os EUA só eliminam seus subsídios se a União Européia, que os têm em valor ainda
maior, não puder se beneficiar
nas suas exportações para as
Américas.
Avanço
A rigor, o único avanço está na
supressão de uma expressão vetada pelo Mercosul. O G14 propunha que haveria a eliminação de
tarifas para "substancialmente todo o comércio", mas não para todo ele, conforme a proposta do
Mercosul. As duas partes cederam, e o texto ficou assim: "Todo
o universo tarifário (está) sujeito a
negociação". Ou seja, não se fala
em eliminação, e, sim, em negociação, mas some o "substancialmente", palavra que poderia dar
margem a que, por exemplo, os
Estados Unidos protegessem justamente os bens de interesse do
Brasil e do Mercosul.
Onde há acordo praticamente
total é em investimentos e compras governamentais (só se negociará transparência, e não acesso a
mercado).
Em serviços, continua em colchete a possibilidade de "compromissos adicionais", além daqueles
já estabelecidos em acordos da
OMC -hipótese vetada pelo
Mercosul.
Em propriedade intelectual, políticas de concorrência, subsídios,
antidumping e direitos compensatórios, tudo está em colchetes.
Ou seja, houve acordo zero.
É esse formidável imbróglio que
os negociadores se dispunham a
encarar depois do almoço, com
uma única certeza: com ou sem
acordo, a reunião terminaria ontem, qualquer que fosse a hora.
"Sempre se pode parar o relógio",
ironiza o delegado do G14 escudado no anonimato.
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