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ARTIGO
O que será da Alca?
PEDRO DE CAMARGO NETO
ESPECIAL PARA A FOLHA
É inegável o mérito do governo Lula de ter um projeto
de inserção internacional e exercício de liderança da nação brasileira. Feito o elogio, vamos à análise.
A proposta política de unir a
América do Sul e aproximar-se de
outros grandes países em desenvolvimento certamente é atraente. Os países desenvolvidos pouco
ou nada têm facilitado o crescimento econômico do Brasil nas
últimas décadas. A União Européia ainda realizou significativos
investimentos privados recentemente, porém o vizinho do Norte
aparenta estar de costas para o futuro do hemisfério Sul.
Que tipo de resultado é possível
prever hoje da proposta de Lula?
A aproximação política com Índia, China e África do Sul já ocorreu. Ótimo. Ocorrerá agora o aumento real de comércio essencial
para o desenvolvimento econômico? Afinal, a proposta política
visa gerar emprego e renda.
Aguardemos esperançosos.
Na América do Sul, a ação política também já se materializou. A
aproximação entre Brasil e Argentina é corretamente valorizada. É preciso lembrar que essa real
aproximação é antes de tudo fruto
de mais de uma década de comércio livre, ou quase isso. Foi a formação do Mercosul, com todos os
seus defeitos -isto é, o enorme
crescimento do comércio-, que
aproximou de fato as nações.
Foi a real existência de comércio
que materializou a intenção política de aproximação.
É preocupante ver crescer as
imperfeições dessa união aduaneira. O Mercosul deveria estar se
consolidando no sentido inverso
do que vem ocorrendo com o
aparente apoio e despreocupação
do atual governo.
Recentemente o Mercosul assinou acordo de livre comércio
com a Comunidade Andina.
Apresentado como mérito político, esse acordo não deverá gerar
quase nada de fluxo comercial entre as regiões do hemisfério. Será
isso que os países da América do
Sul necessitam? Ceder às dificuldades normais de todas as aproximações comerciais, na ânsia de
assinar acordos que acabam representando documentos meramente políticos, não nos parece
ser o melhor caminho.
E agora com o EUA? Afinal, a
Alca (Área de Livre Comércio das
Américas) não existe sem a negociação comercial entre o Brasil e o
gigante do Norte. Certamente é a
mais difícil das negociações em
andamento. Colocou-nos na situação de, se correr, o bicho pega,
se ficar, o bicho come.
Um objetivo aparentemente
bem-intencionado, porém com
uma estratégia cada dia mais claramente equivocada, levou o Brasil a Puebla. Escapamos de um incidente sem garantia de um melhor futuro. A alteração de estratégia pelo atual governo, com a
opção chamada de "três trilhos",
tomada sem nenhum debate com
a sociedade e ajustada às pressas
em Miami, exige agora análise do
governo e da sociedade.
Certamente perdemos liderança. A estratégia é confusa, e até os
negociadores têm dificuldade de
explicá-la, causando até constrangimento. Isolamo-nos mesmo no
Mercosul, nos afastando de tantos
vizinhos que precisavam de apoio
para enfrentar o gigante do Norte.
Vimos os andinos se aliarem com
o crescente outro lado.
A aproximação comercial no
hemisfério não é obrigatória. A
habitual arrogância conhecida
como imperialismo ianque é uma
realidade e dificulta todo o processo. Porém a proximidade geográfica, o gigantismo do mercado,
os inúmeros vínculos já existentes
nos obrigam a nos dedicar a tentar desenvolver um acordo que
possa trazer oportunidades de desenvolvimento para o país.
Parece-nos evidente que governo e sociedade podem fazer melhor do que vêm fazendo.
Pedro de Camargo Neto, 55, doutor
em engenharia de produção, foi presidente da Sociedade Rural Brasileira e secretário de Produção e Comercialização do Ministério da Agricultura.
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