São Paulo, sábado, 07 de fevereiro de 2004

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ARTIGO

O que será da Alca?

PEDRO DE CAMARGO NETO
ESPECIAL PARA A FOLHA

É inegável o mérito do governo Lula de ter um projeto de inserção internacional e exercício de liderança da nação brasileira. Feito o elogio, vamos à análise.
A proposta política de unir a América do Sul e aproximar-se de outros grandes países em desenvolvimento certamente é atraente. Os países desenvolvidos pouco ou nada têm facilitado o crescimento econômico do Brasil nas últimas décadas. A União Européia ainda realizou significativos investimentos privados recentemente, porém o vizinho do Norte aparenta estar de costas para o futuro do hemisfério Sul.
Que tipo de resultado é possível prever hoje da proposta de Lula?
A aproximação política com Índia, China e África do Sul já ocorreu. Ótimo. Ocorrerá agora o aumento real de comércio essencial para o desenvolvimento econômico? Afinal, a proposta política visa gerar emprego e renda. Aguardemos esperançosos.
Na América do Sul, a ação política também já se materializou. A aproximação entre Brasil e Argentina é corretamente valorizada. É preciso lembrar que essa real aproximação é antes de tudo fruto de mais de uma década de comércio livre, ou quase isso. Foi a formação do Mercosul, com todos os seus defeitos -isto é, o enorme crescimento do comércio-, que aproximou de fato as nações.
Foi a real existência de comércio que materializou a intenção política de aproximação.
É preocupante ver crescer as imperfeições dessa união aduaneira. O Mercosul deveria estar se consolidando no sentido inverso do que vem ocorrendo com o aparente apoio e despreocupação do atual governo.
Recentemente o Mercosul assinou acordo de livre comércio com a Comunidade Andina. Apresentado como mérito político, esse acordo não deverá gerar quase nada de fluxo comercial entre as regiões do hemisfério. Será isso que os países da América do Sul necessitam? Ceder às dificuldades normais de todas as aproximações comerciais, na ânsia de assinar acordos que acabam representando documentos meramente políticos, não nos parece ser o melhor caminho.
E agora com o EUA? Afinal, a Alca (Área de Livre Comércio das Américas) não existe sem a negociação comercial entre o Brasil e o gigante do Norte. Certamente é a mais difícil das negociações em andamento. Colocou-nos na situação de, se correr, o bicho pega, se ficar, o bicho come.
Um objetivo aparentemente bem-intencionado, porém com uma estratégia cada dia mais claramente equivocada, levou o Brasil a Puebla. Escapamos de um incidente sem garantia de um melhor futuro. A alteração de estratégia pelo atual governo, com a opção chamada de "três trilhos", tomada sem nenhum debate com a sociedade e ajustada às pressas em Miami, exige agora análise do governo e da sociedade.
Certamente perdemos liderança. A estratégia é confusa, e até os negociadores têm dificuldade de explicá-la, causando até constrangimento. Isolamo-nos mesmo no Mercosul, nos afastando de tantos vizinhos que precisavam de apoio para enfrentar o gigante do Norte. Vimos os andinos se aliarem com o crescente outro lado.
A aproximação comercial no hemisfério não é obrigatória. A habitual arrogância conhecida como imperialismo ianque é uma realidade e dificulta todo o processo. Porém a proximidade geográfica, o gigantismo do mercado, os inúmeros vínculos já existentes nos obrigam a nos dedicar a tentar desenvolver um acordo que possa trazer oportunidades de desenvolvimento para o país.
Parece-nos evidente que governo e sociedade podem fazer melhor do que vêm fazendo.


Pedro de Camargo Neto, 55, doutor em engenharia de produção, foi presidente da Sociedade Rural Brasileira e secretário de Produção e Comercialização do Ministério da Agricultura.


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