São Paulo, sexta-feira, 07 de maio de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

O cenário externo está mudando

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

Algumas nuvens carregadas estão se acumulando no céu de brigadeiro em que voava a economia brasileira. Neste momento, aconselho o governo a desligar o piloto automático da economia e voltar ao comando manual. Continuar a insistir em movimentos arriscados, como aumentar o volume e o prazo dos títulos públicos com juros prefixados ou o prazo das LFTs, pode ser muito perigoso. Não é momento adequado para um "window dressing" do perfil da gigantesca dívida mobiliária interna.
Também será um erro grave insistir na redução agressiva das operações de "swap" cambial, que ainda estão em aberto, em um momento em que os riscos associados à taxa de câmbio estão crescendo. Assistimos hoje a um movimento generalizado de depreciação cambial no mundo das economias emergentes, em razão das expectativas de aumento de juros nos EUA e da redução do dinamismo da economia chinesa. Vale aqui o antigo pensamento popular: em momentos de crise, como este, "caldo de galinha e cautela não fazem mal a ninguém".
A diretoria atual do Banco Central repete os mesmos erros cometidos no passado por economistas que não entendem corretamente as limitações estruturais de nosso mercado financeiro. Os investidores no Brasil aprenderam, após um número muito grande de crises e prejuízos, que não devem aumentar o prazo de suas aplicações financeiras. Por isso, eles procuram manter seus recursos em fundos de investimento com liquidez imediata e prontos para mudar a direção de suas aplicações ao menor sinal de uma crise.
Esse comportamento faz com que, à medida que o Tesouro e o Banco Central aumentem os prazos dos títulos públicos colocados no mercado, o risco de descasamento entre ativos e passivos dos fundos cresça significativamente. Nessa situação ocorre um aumento do risco sistêmico do mercado financeiro. Na minha opinião, é um custo muito alto para a ilusão de que estamos melhorando o perfil da dívida pública. Ao menor sinal de dias mais difíceis, cria-se um engasgo na rolagem da dívida mobiliária, como o que estamos vivendo agora, o que acaba por gerar um ciclo negativo que se auto-alimenta.
Já o compromisso formal com a retirada dos mecanismos de proteção cambial patrocinados pelo governo, também em momentos de crise, leva os agentes econômicos a buscar no mercado de câmbio uma alternativa de defesa contra a desvalorização de nossa moeda. O erro que o BC vem cometendo, ao resgatar a totalidade das operações de "swap" cambial que estão vencendo, é o de reduzir as defesas naturais de nossa economia em um momento de tensão de natureza externa. Com um volume de reservas externas insuficiente para acomodar as expectativas criadas pelo aumento expressivo do risco Brasil, a dívida pública indexada à taxa de câmbio tem uma função importante para acalmar as expectativas. Sem ela, é a taxa de câmbio que sofre, e o clima de desconfiança se auto-alimenta.
Esse fenômeno ainda é reduzido porque estamos vivendo um momento de grande volume de fechamento de contratos de exportação de setores como o de soja e outros produtos agropecuários. Mas, a partir de junho, deve haver uma redução sazonal nas vendas externas, e a oferta de dólares no mercado deve reduzir-se. Se as tensões externas não diminuírem e o BC continuar sua política de resgate da dívida associada ao câmbio, pode haver uma pressão forte sobre o real.
Por várias vezes, neste meu espaço na Folha, adverti sobre os perigos dessa conduta do governo. Minha longa experiência no mercado financeiro ensinou-me os riscos associados a essa falta de compreensão das características específicas de um sistema que não existe nos países do Primeiro Mundo. Em 1986, quando era diretor do Banco Central, com André Lara Resende, criamos a LFT para responder de maneira adequada a esse descasamento entre o prazo das aplicações e o dos títulos públicos, que é uma marca de nosso sistema financeiro. Apesar de suas características quase tropicalistas, é esse título tão mal amado pelos ortodoxos que em momentos de crise permite a rolagem da dívida pública interna. Mas nunca pensamos que alguns gênios das finanças fossem emitir LFTs de cinco anos de prazo.


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 61, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br


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