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OPINIÃO ECONÔMICA
O cenário externo está mudando
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
Algumas nuvens carregadas
estão se acumulando no céu
de brigadeiro em que voava a
economia brasileira. Neste momento, aconselho o governo a
desligar o piloto automático da
economia e voltar ao comando
manual. Continuar a insistir em
movimentos arriscados, como aumentar o volume e o prazo dos títulos públicos com juros prefixados ou o prazo das LFTs, pode ser
muito perigoso. Não é momento
adequado para um "window
dressing" do perfil da gigantesca
dívida mobiliária interna.
Também será um erro grave insistir na redução agressiva das
operações de "swap" cambial, que
ainda estão em aberto, em um
momento em que os riscos associados à taxa de câmbio estão
crescendo. Assistimos hoje a um
movimento generalizado de depreciação cambial no mundo das
economias emergentes, em razão
das expectativas de aumento de
juros nos EUA e da redução do dinamismo da economia chinesa.
Vale aqui o antigo pensamento
popular: em momentos de crise,
como este, "caldo de galinha e
cautela não fazem mal a ninguém".
A diretoria atual do Banco Central repete os mesmos erros cometidos no passado por economistas
que não entendem corretamente
as limitações estruturais de nosso
mercado financeiro. Os investidores no Brasil aprenderam, após
um número muito grande de crises e prejuízos, que não devem
aumentar o prazo de suas aplicações financeiras. Por isso, eles procuram manter seus recursos em
fundos de investimento com liquidez imediata e prontos para
mudar a direção de suas aplicações ao menor sinal de uma crise.
Esse comportamento faz com
que, à medida que o Tesouro e o
Banco Central aumentem os prazos dos títulos públicos colocados
no mercado, o risco de descasamento entre ativos e passivos dos
fundos cresça significativamente.
Nessa situação ocorre um aumento do risco sistêmico do mercado
financeiro. Na minha opinião, é
um custo muito alto para a ilusão
de que estamos melhorando o
perfil da dívida pública. Ao menor sinal de dias mais difíceis,
cria-se um engasgo na rolagem
da dívida mobiliária, como o que
estamos vivendo agora, o que
acaba por gerar um ciclo negativo
que se auto-alimenta.
Já o compromisso formal com a
retirada dos mecanismos de proteção cambial patrocinados pelo
governo, também em momentos
de crise, leva os agentes econômicos a buscar no mercado de câmbio uma alternativa de defesa
contra a desvalorização de nossa
moeda. O erro que o BC vem cometendo, ao resgatar a totalidade
das operações de "swap" cambial
que estão vencendo, é o de reduzir
as defesas naturais de nossa economia em um momento de tensão de natureza externa. Com um
volume de reservas externas insuficiente para acomodar as expectativas criadas pelo aumento expressivo do risco Brasil, a dívida
pública indexada à taxa de câmbio tem uma função importante
para acalmar as expectativas.
Sem ela, é a taxa de câmbio que
sofre, e o clima de desconfiança se
auto-alimenta.
Esse fenômeno ainda é reduzido porque estamos vivendo um
momento de grande volume de
fechamento de contratos de exportação de setores como o de soja e outros produtos agropecuários. Mas, a partir de junho, deve
haver uma redução sazonal nas
vendas externas, e a oferta de dólares no mercado deve reduzir-se.
Se as tensões externas não diminuírem e o BC continuar sua política de resgate da dívida associada ao câmbio, pode haver uma
pressão forte sobre o real.
Por várias vezes, neste meu espaço na Folha, adverti sobre os
perigos dessa conduta do governo. Minha longa experiência no
mercado financeiro ensinou-me
os riscos associados a essa falta de
compreensão das características
específicas de um sistema que não
existe nos países do Primeiro
Mundo. Em 1986, quando era diretor do Banco Central, com André Lara Resende, criamos a LFT
para responder de maneira adequada a esse descasamento entre
o prazo das aplicações e o dos títulos públicos, que é uma marca
de nosso sistema financeiro. Apesar de suas características quase
tropicalistas, é esse título tão mal
amado pelos ortodoxos que em
momentos de crise permite a rolagem da dívida pública interna.
Mas nunca pensamos que alguns
gênios das finanças fossem emitir
LFTs de cinco anos de prazo.
Luiz Carlos Mendonça de Barros, 61,
engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e
ministro das Comunicações (governo
FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br
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