São Paulo, sexta-feira, 07 de maio de 2004

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LUÍS NASSIF

O fim das utopias

A primeira constatação que importa é que o tempo econômico e político de Lula se esgotou. No ano passado, houve enorme efervescência quando se percebeu que havia um governo que ouvia. Hoje há consenso de que o governo só ouve, mas não escuta nem age. E não é nem questão de querer: é de não saber.
Até alguns meses atrás, havia espaço para a redução acelerada das taxas de juros e a manutenção do câmbio em níveis que livrassem o país dos impactos das crises internacionais. Agora, já se entrou na rota da crise, e esse espaço acabou. Se tiver de aumentar as taxas, será em cima de uma base extremamente elevada, aumentando a vulnerabilidade da economia. Sem reduzir os juros, é aguardar que o crescimento da dívida gere a crise que resolva pela via rápida o impasse.
Daqui a algum tempo haverá consenso sobre o que hoje já é nítido para quem sabe ver: a política monetária ruinosa (e seus conseqüentes desdobramentos fiscais) do Banco Central. E haverá clareza sobre o que significou minimizar a importância de manter saldos comerciais elevados para enfrentar a vulnerabilidade externa, confiando em fatores conjunturais.
Nesses momentos, baixa um desânimo terrível. A repetição dos mesmos erros dos últimos dez anos, dos mesmos sofismas, as mesmas frases desgastadas de que, se fizer a "lição de casa", o prêmio será o crescimento e se perceber que no final da linha tem muito mais "lição de casa" porque a dívida ficou maior, a atividade econômica ficou menor. Ou então ouvir que não se pode interromper a rota do desastre porque significaria jogar fora todo o sacrifício feito até agora.
Não adianta. O preço do subdesenvolvimento é alto. As tolices econômicas repetidas diariamente, a atribuição da crise de confiança a declarações de autoridades ou a gastos ridículos com mordomias refletem no campo econômico a característica brasileira de "fulanizar" a crise. Daqui para a frente, vai se assistir à contagem regressiva nervosa para saber se o país agüenta até as próximas eleições sem sucumbir a mais uma crise econômica ou política.
A hora é a de começar a pensar o próximo tempo do jogo, independentemente de quem sejam os novos atores políticos. Os otimistas acreditam que o desencanto com o PT vá marcar o fim da era das utopias, obrigando o país a cair na real, a entender que o processo de formação de nações não pode depender de governo, mas do esforço cotidiano de todos os agentes. Os pessimistas temem que o desencanto leve o eleitorado a candidatos messiânicos.
Vai depender da maneira como se enfrentará esse vácuo político. A construção do país é processo coletivo, uma luta permanente contra dogmas. O grande desafio não é Fernando Henrique Cardoso, ou Lula, ou Garotinho, é um modo de pensar que não consegue sair da linearidade, a incapacidade de entender realidades complexas, de aceitar afirmações sem relações de causalidade plenamente definidas, enfim, essa macumba intemporal que atormenta o país desde a fundação.
O momento é o de levantar a cabeça e retomar a discussão, como Charles Laughton, no final de "Testemunha de Acusação". Ainda que seja apenas para plantar sementes a serem colhidas pela próxima geração.

E-mail - Luisnassif@uol.com.br


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