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LUÍS NASSIF
O fim das utopias
A primeira constatação
que importa é que o tempo econômico e político de Lula
se esgotou. No ano passado,
houve enorme efervescência
quando se percebeu que havia
um governo que ouvia. Hoje há
consenso de que o governo só
ouve, mas não escuta nem age.
E não é nem questão de querer:
é de não saber.
Até alguns meses atrás, havia
espaço para a redução acelerada das taxas de juros e a manutenção do câmbio em níveis
que livrassem o país dos impactos das crises internacionais. Agora, já se entrou na rota da crise, e esse espaço acabou. Se tiver de aumentar as
taxas, será em cima de uma
base extremamente elevada,
aumentando a vulnerabilidade da economia. Sem reduzir
os juros, é aguardar que o crescimento da dívida gere a crise
que resolva pela via rápida o
impasse.
Daqui a algum tempo haverá
consenso sobre o que hoje já é
nítido para quem sabe ver: a
política monetária ruinosa (e
seus conseqüentes desdobramentos fiscais) do Banco Central. E haverá clareza sobre o
que significou minimizar a importância de manter saldos comerciais elevados para enfrentar a vulnerabilidade externa,
confiando em fatores conjunturais.
Nesses momentos, baixa um
desânimo terrível. A repetição
dos mesmos erros dos últimos
dez anos, dos mesmos sofismas,
as mesmas frases desgastadas
de que, se fizer a "lição de casa", o prêmio será o crescimento e se perceber que no final da
linha tem muito mais "lição de
casa" porque a dívida ficou
maior, a atividade econômica
ficou menor. Ou então ouvir
que não se pode interromper a
rota do desastre porque significaria jogar fora todo o sacrifício feito até agora.
Não adianta. O preço do subdesenvolvimento é alto. As tolices econômicas repetidas diariamente, a atribuição da crise
de confiança a declarações de
autoridades ou a gastos ridículos com mordomias refletem no
campo econômico a característica brasileira de "fulanizar" a
crise. Daqui para a frente, vai
se assistir à contagem regressiva nervosa para saber se o país
agüenta até as próximas eleições sem sucumbir a mais uma
crise econômica ou política.
A hora é a de começar a pensar o próximo tempo do jogo,
independentemente de quem
sejam os novos atores políticos.
Os otimistas acreditam que o
desencanto com o PT vá marcar o fim da era das utopias,
obrigando o país a cair na real,
a entender que o processo de
formação de nações não pode
depender de governo, mas do
esforço cotidiano de todos os
agentes. Os pessimistas temem
que o desencanto leve o eleitorado a candidatos messiânicos.
Vai depender da maneira como se enfrentará esse vácuo
político. A construção do país é
processo coletivo, uma luta
permanente contra dogmas. O
grande desafio não é Fernando
Henrique Cardoso, ou Lula, ou
Garotinho, é um modo de pensar que não consegue sair da linearidade, a incapacidade de
entender realidades complexas, de aceitar afirmações sem
relações de causalidade plenamente definidas, enfim, essa
macumba intemporal que
atormenta o país desde a fundação.
O momento é o de levantar a
cabeça e retomar a discussão,
como Charles Laughton, no final de "Testemunha de Acusação". Ainda que seja apenas
para plantar sementes a serem
colhidas pela próxima geração.
E-mail -
Luisnassif@uol.com.br
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