São Paulo, sexta-feira, 07 de maio de 2004

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BLOCOS

Europeus exigem contrapartida

Oferta agrícola da UE leva Mercosul às cordas

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA, EM BRUXELAS

Os quase US$ 3 bilhões (cerca de R$ 9 bilhões) em exportações agrícolas adicionais que a União Européia ofereceu ao Mercosul colocaram o bloco sul-americano na defensiva, obrigado a fazer concessões em áreas sensíveis.
No almoço de ontem entre os principais negociadores dos dois blocos, o europeu Peter Carl cobrou acesso ao mercado de concorrências públicas do Mercosul (compras governamentais, no jargão dos negócios comerciais).
Os europeus querem também uma oferta melhor em serviços e em investimentos, mas o foco central está nas concorrências públicas, por duas razões:
1) Em serviços, o Mercosul ofereceu abrir as telecomunicações e os serviços financeiros, proposta que não apresentou, até agora, em nenhuma outra negociação;
2) Tanto em serviços como em investimentos, restam poucas restrições no bloco do Sul, do que dá prova o fato de que foi uma empresa européia (Telefónica de España) quem abocanhou o suculento filão dos serviços telefônicos no Brasil e na Argentina.
Nessas duas áreas, portanto, o máximo que o Mercosul poderia oferecer de adicional seria algum tipo de garantia jurídica.
O Mercosul, como é natural, defende a sua oferta em compras governamentais. "Nossos países não têm recursos para gastar em pesquisa e desenvolvimento, ao contrário dos europeus. Uma das poucas ferramentas restantes é justamente as compras governamentais", diz o vice-chanceler argentino Martín Redrado, negociador-chefe do Mercosul neste semestre em que a Argentina é a presidente de turno do bloco.
Redrado diz que "o Mercosul ofereceu o máximo de transparência para que as firmas européias possam se apresentar às licitações, no que é um passo adiante sobre o que está consolidado nas negociações multilaterais".
Tudo isso é verdade, os europeus até admitem a validade desses argumentos, mas querem de todo modo acesso ao mercado de licitações. Responde Redrado: "No nível técnico, não podemos ir além da transparência", com o que transfere para a esfera política (os ministros) qualquer melhoria que atenda aos europeus.
Para fugir das cordas, os negociadores do Mercosul tentam diminuir a importância da oferta agrícola européia.
Redrado, por exemplo, admite o avanço representado pelo fato de a UE ter proposto abrir seu mercado para os PAPs (Produtos Agrícolas Processados), mas não concorda com o cálculo de US$ 1,25 bilhão em exportações adicionais que os europeus anunciam estar oferecendo.
"Quando se está falando de oferta de cotas, é fácil fazer as contas. Se a cota é de "x" toneladas, basta multiplicar o valor da tonelada por "x". Mas, quando se trata de redução de tarifas, ainda por cima escalonada, depende de uma quantidade de hipóteses que não é sério apresentar números", diz o vice-chanceler argentino.
Mas o setor privado brasileiro esgrime números que dão credibilidade aos cálculos europeus. O Brasil exportou, em 2003, US$ 1,36 bilhão para o mundo todo.
Os 25 países que agora formam a UE compraram apenas US$ 219 milhões, o que dá 16% do total. Como, no agronegócio em geral, a UE compra 50% de tudo o que o Brasil exporta, aplicar idêntica porcentagem aos PAPs já representaria uma exportação adicional de US$ 680 milhões.


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