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BLOCOS
Europeus exigem contrapartida
Oferta agrícola da UE leva Mercosul às cordas
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA, EM BRUXELAS
Os quase US$ 3 bilhões (cerca de
R$ 9 bilhões) em exportações
agrícolas adicionais que a União
Européia ofereceu ao Mercosul
colocaram o bloco sul-americano
na defensiva, obrigado a fazer
concessões em áreas sensíveis.
No almoço de ontem entre os
principais negociadores dos dois
blocos, o europeu Peter Carl cobrou acesso ao mercado de concorrências públicas do Mercosul
(compras governamentais, no
jargão dos negócios comerciais).
Os europeus querem também
uma oferta melhor em serviços e
em investimentos, mas o foco
central está nas concorrências públicas, por duas razões:
1) Em serviços, o Mercosul ofereceu abrir as telecomunicações e
os serviços financeiros, proposta
que não apresentou, até agora, em
nenhuma outra negociação;
2) Tanto em serviços como em
investimentos, restam poucas
restrições no bloco do Sul, do que
dá prova o fato de que foi uma
empresa européia (Telefónica de
España) quem abocanhou o suculento filão dos serviços telefônicos no Brasil e na Argentina.
Nessas duas áreas, portanto, o
máximo que o Mercosul poderia
oferecer de adicional seria algum
tipo de garantia jurídica.
O Mercosul, como é natural, defende a sua oferta em compras governamentais. "Nossos países não
têm recursos para gastar em pesquisa e desenvolvimento, ao contrário dos europeus. Uma das
poucas ferramentas restantes é
justamente as compras governamentais", diz o vice-chanceler argentino Martín Redrado, negociador-chefe do Mercosul neste
semestre em que a Argentina é a
presidente de turno do bloco.
Redrado diz que "o Mercosul
ofereceu o máximo de transparência para que as firmas européias possam se apresentar às licitações, no que é um passo adiante
sobre o que está consolidado nas
negociações multilaterais".
Tudo isso é verdade, os europeus até admitem a validade desses argumentos, mas querem de
todo modo acesso ao mercado de
licitações. Responde Redrado:
"No nível técnico, não podemos ir
além da transparência", com o
que transfere para a esfera política
(os ministros) qualquer melhoria
que atenda aos europeus.
Para fugir das cordas, os negociadores do Mercosul tentam diminuir a importância da oferta
agrícola européia.
Redrado, por exemplo, admite
o avanço representado pelo fato
de a UE ter proposto abrir seu
mercado para os PAPs (Produtos
Agrícolas Processados), mas não
concorda com o cálculo de US$
1,25 bilhão em exportações adicionais que os europeus anunciam estar oferecendo.
"Quando se está falando de
oferta de cotas, é fácil fazer as contas. Se a cota é de "x" toneladas,
basta multiplicar o valor da tonelada por "x". Mas, quando se trata
de redução de tarifas, ainda por
cima escalonada, depende de
uma quantidade de hipóteses que
não é sério apresentar números",
diz o vice-chanceler argentino.
Mas o setor privado brasileiro
esgrime números que dão credibilidade aos cálculos europeus. O
Brasil exportou, em 2003, US$
1,36 bilhão para o mundo todo.
Os 25 países que agora formam
a UE compraram apenas US$ 219
milhões, o que dá 16% do total.
Como, no agronegócio em geral, a
UE compra 50% de tudo o que o
Brasil exporta, aplicar idêntica
porcentagem aos PAPs já representaria uma exportação adicional de US$ 680 milhões.
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