São Paulo, terça-feira, 07 de setembro de 2004

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EUA

Programadores e anunciantes se unem para combater menor audiência, fragmentação do público e tecnologia que elimina comercial

Propaganda busca novos formatos na TV

EVELYN NUSSEMBAUM
DO "NEW YORK TIMES"

Leslie Moonves gosta de falar sobre "Minority Report - A Nova Lei", filme de Steven Spielberg. Moonves, co-presidente e vice-presidente de operações da Viacom, que controla a rede de TV dos EUA CBS, a Paramount Television e os canais de TV a cabo Showtime, continua a elogiar o filme, dois anos depois de tê-lo assistido.
Mas não é a fotografia ou o desempenho do astro Tom Cruise que motiva seu entusiasmo. O que ele mais aprecia é o número notável de grandes marcas -Lexus, Gap, Reebok, Guinness e American Express- presentes no filme de ficção científica.
"O filme estava repleto de marcas", diz. "Quando o assisti, no cinema, pensei que a) o filme estava funcionando, e b) se Spielberg consegue fazê-lo sem comprometer a integridade artística do trabalho, nós também podemos".
As redes de televisão trabalharam muito nos dois últimos anos para fechar novos contratos de merchandising e diminuir a distância que as separa do cinema. A CBS planeja transmitir noites de programação tendo marcas como tema, usando a mesma marca em merchandising ao longo de programas sucessivos, ainda que Moonves não tenha oferecido detalhes.
Episódios inteiros de "O Aprendiz", na TV NBC (exibido no Brasil pelo canal People + Arts), girarão em torno de uma marca: em lugar de vender limonada ou passeios de riquixá, os aspirantes a magnata dos negócios venderão o mais recente chocolate Mars, a nova pasta de dentes Crest e conceberão um novo brinquedo para a Mattel. A sopa Campbell's tem lugar garantido nos roteiros de "American Dreams", e a NBC fechou acordo com a fabricante de sopas para que patrocine um concurso de ensaios semelhante ao que o seriado traz em sua trama.
A nova ênfase em merchandising na TV atraiu novos protagonistas para a área. Os divulgadores de marcas que trabalham com os programadores e anunciantes estão conduzindo o merchandising, que preferem chamar de "integração de produtos", a um novo território, às vezes trabalhando como co-produtores ou até criando novas programas em torno das marcas que representam.

Corrida do ouro
"Houve uma corrida do ouro que me lembra a internet dez anos atrás", disse Scott Donaton, editor da revista "Advertising Age" e autor de "Madison & Vine", livro que trata da convergência entre os setores de entretenimento e publicidade. "Muita gente procurou os anunciantes dizendo que eles não sabiam lidar com Hollywood, pedindo para representá-los nessas negociações. Depois, essas mesmas pessoas procuraram as redes de TV e prometeram a elas que conseguiriam lidar bem com os anunciantes".
Alguns dos novos "integradores" são empresas tradicionais de merchandising, enquanto outros são agências de publicidade que criaram divisões de entretenimento. Novas empresas dedicadas à integração de produtos também surgiram no mercado. Todos esses grupos vêem a chance de lucrar com a crescente proximidade entre programadores e anunciantes, que se viram forçados a uma aproximação para combater a queda na audiência, a fragmentação do público e as novas tecnologias, como gravadores digitais de vídeo, que permitem que os telespectadores ignorem completamente os comerciais tradicionais.
A Madison Road Entertainment, que se classifica como estúdio independente de televisão especializado no atendimento a anunciantes, é um dos novos grupos no ramo. A empresa, criada em Los Angeles dois anos atrás, foi idéia de Tom Mazza, ex-presidente da Columbia Tristar Television; Jak Severson, veterano executivo de marketing; e Rob Long, ex-roteirista do seriado "Cheers".
A empresa trabalhou em alguns dos acordos de integração mais importantes da temporada, conduzindo a Levi's, a Crest e a Mars a fecharem contrato com "O Aprendiz".
Mas a pequena empresa está de olho em alvos muito maiores. A Madison Road está planejando criar o que programadores e anunciantes vêm classificando como "entretenimento de marca", incluindo produtos na estrutura de um show desde o começo de seu desenvolvimento.
"A melhor maneira de aproximar esses dois mundos, que muitas vezes falam línguas muito diferentes, é chegar a um projeto logo no começo do processo criativo", disse Mazza, presidente da empresa.
Ele conta que um canal de cabo encomendou o piloto de um seriado com marca criado pela Madison Road e que seis outras idéias semelhantes estão em desenvolvimento na empresa.
A Alliance, divisão de merchandising do grupo publicitário Grey Global, está caminhando agressivamente para o negócio de integração de produtos. Seu presidente-executivo, Jarrod Moses, recentemente fechou acordo para que o jogo "Operation", da Hasbro, seja integrado ao roteiro do seriado "Scrubs", uma comédia médica da TV NBC. Agora, ele quer levar a empresa a novos patamares.
"Meus clientes agora estão pedindo para participar do processo de desenvolvimento, com suas marcas", disse Moses. "Eles precisam estar presentes à mesa dos produtores no momento da concepção de um programa, para que seja possível encontrar formas de criar em torno do caráter da marca", completou.

Produção
A Mindshare, empresa de aquisição de mídia controlada pelo grupo WPP, decidiu partir direto para a produção. No terceiro trimestre, ela começou a co-produzir o drama familiar "The Days", com a rede de televisão ABC, dividindo os patrocínios e direitos comerciais. A Mindshare a seguir vendeu sua parcela de tempo comercial e oportunidades de merchandising a clientes antigos como a Unilever.
O Omnicom Group, conglomerado publicitário internacional, contratou Robert Riesenberg, produtor executivo de "The Restaurant", um reality show, para dirigir sua divisão de entretenimento de marca. E a MPG, divisão de aquisição de mídia do grupo publicitário francês Havas, recentemente contratou dois jornalistas da "Advertising Age" para fundar sua divisão de entretenimento.
É claro que não existem garantias de que esses intermediários encontrarão o sucesso. Ninguém sabe se as audiências vão querer assistir o entretenimento de marca, ou, caso queriam, se isso realmente as convencerá a comprar os produtos que vêem.
Um estudo recente da Media-edge, divisão do WPP Group, constatou que os telespectadores entre 15 e 34 anos têm menos restrições ao merchandising, e maior probabilidade do que outros grupos de experimentar marcas que viram na televisão.
É igualmente complicado medir o sucesso da integração de produtos se não houver uma alta perceptível e imediata das vendas depois da transmissão do programa. A Nielsen Media Research recentemente introduziu um serviço chamado Place(AST)Views, que monitora onde, quantas vezes e por quanto tempo uma marca é exibida na televisão, bem como as dimensões da audiência.
Uma empresa de merchandising chamada iTVX desenvolveu um sistema que, segundo ela, calcula o retorno sobre o investimento em merchandising, usando ferramentas que incluem o custo por segundo de um comercial exibido por período semelhante.
Mesmo que o entretenimento de marca demonstre força, os intermediários correm outro risco: podem ser excluídos do mercado caso os programadores e anunciantes descubram como colaborar sem a ajuda deles.

Programas próprios
A Pepsi, por exemplo, está começando a desenvolver programas de marca próprios. A empresa trabalhou com Joel Gallen, produtor dos Video Music Awards da MTV, para produzir o "Pepsi Smash", uma série de shows televisados ao vivo apresentando músicos como Avril Lavigne, na WB Network, neste ano. A Pepsi ficou tão satisfeita com os resultados que planeja tentar outros tipos de shows.
Mas há quem diga que o verdadeiro limite para o entretenimento de marca e para as perspectivas daqueles que o promovem é a capacidade dos anunciantes para tolerar as incertezas do mundo do entretenimento.
"Nem todo mundo quer controlar esse tipo de coisa, como ter de se preocupar com o desempenho de um show ou um programa de televisão", disse Donaton.
Isso talvez prejudique os intermediários. Mas seria um grande alívio para os telespectadores, que já começam a sofrer de fadiga publicitária.
Até mesmo Mark Burnett, criador de "Survivor" e "O Aprendiz", e ele mesmo envolvido em merchandising, afirma que a integração tem limites.
"Creio que seja insano tentar criar um programa em torno de uma marca", afirma Burnett. "Só faço programas que me interessam. Com eles, e com o ambiente certo, você pode fazer merchandising de 30 produtos e audiência não liga".


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