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ENTREVISTA NOURIEL ROUBINI
EUA e Europa já estão em recessão, e crise vai piorar
Analista que previu estouro da bolha imobiliária espera "severa desaceleração" no Brasil
DENYSE GODOY
DA REPORTAGEM LOCAL
Foi em 7 de setembro de
2006 que Nouriel Roubini, 50,
deu o alerta: recessão à vista.
Ele previa que o estouro da bolha no mercado imobiliário doméstico levaria os Estados Unidos a uma de suas piores crises.
Naquela ocasião, a platéia de
economistas que assistia à sua
palestra na sede do FMI (Fundo Monetário Internacional),
em Washington, não o levou a
sério.
No entanto, quando as suas
profecias se realizaram, Roubini passou a ser aclamado como
um dos grandes analistas contemporâneos -com um aposto,
o de pessimista convicto. Referem-se a ele como "Doctor
Doom" (doutor catástrofe) e
"permabear" ("bear permanente", sendo "bear" o investidor no mercado financeiro que
só vê perdas). Ao longo da entrevista abaixo, que Roubini
concedeu na sexta-feira à Folha por telefone do seu escritório em Nova York, será possível
entender o motivo.
Nascido na Turquia, filho de
iranianos, mudou-se para Teerã ainda bem pequeno. Graduou-se em economia pela universidade italiana Luigi Bocconi em 1982 e obteve o doutorado em 1988, pela Universidade
Harvard, com orientação de
Jeffrey Sachs. Naturalizado
norte-americano, atualmente é
professor da Universidade de
Nova York e dirige sua consultoria, a RGE Monitor.
Roubini afirma que a retração da economia norte-americana -a mais grave desde a
Grande Depressão- ainda vai
durar um ano e está se espalhando por todo o mundo, pegando com mais força as nações
desenvolvidas. Os países emergentes, como o Brasil, sofrerão
menos, embora não possam se
dar ao luxo de se afirmarem
"descolados".
FOLHA - Como é ser chamado diariamente de profeta do apocalipse?
NOURIEL ROUBINI - Não me importo que usem o apelido "Doctor Doom" para se referirem a
mim. Infelizmente, mais do
que um "permabear", eu sou
realista, porque consegui identificar primeiro todas essas vulnerabilidades econômicas e financeiras que acabaram explodindo.
Provou-se que quem se mostrava otimista demais estava errado.
FOLHA - Sobre as suas previsões,
quanto delas é informação, quanto
é "feeling" a partir da sua experiência? O senhor não usa modelos matemáticos para detectar as probabilidades de recessão, correto?
ROUBINI - Escrevi livros sobre
modelos matemáticos por 20
anos. Utilizo análises econômicas científicas, estatísticas,
conceitos acadêmicos e de política econômica e conhecimento de mercado. Quando falo
com clientes, não uso fórmulas,
prefiro explicar com palavras
minha avaliação a partir de todas essas ferramentas, mas ela
possui uma base rigorosa.
FOLHA - Faz dois anos que o senhor
falou àquela platéia, no Fundo Monetário Internacional, sobre a crise
que se avizinhava. Por que o Federal
Reserve (banco central dos EUA) e o
governo americano não fizeram nada para evitar o pior?
ROUBINI - Suas análises estavam erradas. O Fed ficou falando que haveria uma recessão
curta no mercado imobiliário,
que não contaminaria o resto
da economia, quando na realidade estava também no segmento comercial do mercado
imobiliário, nos cartões de crédito, nos empréstimos estudantis, no mercado de títulos
emitidos por empresas. A bolha
de crédito generalizada que está estourando foi mal-entendida. Existia, ainda, uma espécie
de pensamento mágico, uma
esperança segundo a qual as
coisas acabariam bem. Não é
um problema econômico menor, é a mais severa crise econômica e financeira em décadas, isso está muito claro.
FOLHA - E as próprias instituições
financeiras não se deram conta do
perigo?
ROUBINI - Ah, você sabe como é,
tem dinheiro fácil, não há regulação ou um acompanhamento
apropriado do sistema financeiro e de crédito. O setor é
guiado pela ganância e não se
preocupa com o risco. Claro,
nos bons momentos, os gestores ganham dinheiro, dão lucro
para as instituições financeiras
e recebem bônus; nos tempos
ruins, eles estão perdendo o dinheiro dos outros, que captaram para aplicar e, no máximo,
ficam sem receber seus bônus.
Tudo bem com a ganância, mas
ela deveria ser equilibrada com
o medo dos prejuízos. Juntando isso à falta de supervisão e
regulação, inventaram umas
modalidades de hipoteca e outras formas de crédito malucas.
O mercado financeiro sempre
vivencia esses períodos de manias, de bolhas, de excessos,
que viram uma loucura e explodem.
Na verdade, existe uma distorção na maneira como o mercado financeiro funciona, com
as instituições correndo risco
demasiado, e aí as pessoas ficam eufóricas, o que leva à bolha, que leva à crise financeira,
que leva à depressão.
O ciclo se repete, em parte,
porque não controlamos eficientemente as instituições financeiras. Só se ouve falar de
mercado livre, de laissez-faire,
enquanto precisamos de regras, de disciplina. Não dá para
esperar que o mercado se regule. Auto-regulação significa
não-regulação, e disciplina do
mercado significa falta de disciplina. É um nonsense.
FOLHA - Pode-se dizer que as autoridades americanas aprenderam
uma lição? O senhor espera mudanças nos sistemas regulatórios?
ROUBINI - Esta é a crise mais
profunda desde a Grande Depressão e deve causar perto de
US$ 2 trilhões em perdas no
mercado de crédito. Se isso não
levar a mais regulações, o ciclo
de excessos no crédito vai começar de novo. Não tenho certeza, porém, de que vai ensinar
uma lição às pessoas. Muitos
investidores e instituições já se
safaram sem punição. Vamos
ver o quanto vai melhorar a fiscalização, porque, quando a crise está em curso, fala-se muito
nisso; depois que ela acaba, todo mundo esquece sem que tenha sido feito o bastante.
FOLHA - Nos últimos meses, um
grupo de economistas disse que o
pior já passou, mas esta semana [a
passada] foi muito ruim, com bastante mau humor no mercado. Por
quanto tempo esse clima vai durar?
ROUBINI - Na minha visão, as
coisas vão piorar e piorar nos
próximos 12 a 18 meses. Já estamos em recessão nos EUA, na
zona do euro e em todas as outras economias avançadas, o
que vai afetar o PIB [Produto
Interno Bruto] global. Nos países emergentes, as pessoas se
iludem pensando que vão escapar da recessão, que haverá um
descolamento. Não vai. Teremos uma severa desaceleração
do crescimento no Brasil, na
Rússia, na Índia, na China. Não
vai ser uma recessão global, esses países em desenvolvimento
não vão entrar em recessão,
mas sentirão uma forte diminuição do ritmo. Não vejo luz
no fim do túnel -a única que
vejo é a de outro trem vindo de
encontro.
FOLHA - Qual será o tamanho dessa desaceleração no Brasil?
ROUBINI - O Brasil tem crescido
por volta de 4,8% ao ano -o
que é, aliás, muito menos do
que países como Rússia, Índia e
China, que avançam entre 8% e
10%. Acho que a previsão de
que o país crescerá entre 3% e
3,5% é muito otimista, eu acredito em 2%.
FOLHA - Apesar dos recentes avanços, o Brasil não consegue crescer o
tanto que quer e precisa. Por quê?
ROUBINI - Há sérios impedimentos estruturais ao crescimento que persistem, como a
falta de infra-estrutura, falta de
uma boa educação para a força
de trabalho, há tributação excessiva e gastos do governo elevados demais. Em resumo, foram feitas reformas macro e financeiras, agora o país precisa
de reformas micro. Não acho
que o atual presidente progredirá nessas reformas, vamos
ver o próximo.
FOLHA - A economia americana
cresceu 3,3% no segundo trimestre.
Essa taxa o surpreendeu?
ROUBINI - Pelos indicadores de
produção, renda, gastos e empregos, os EUA entraram em
recessão no primeiro trimestre. No segundo, o governo lançou o pacote de estímulo de
US$ 100 bilhões, que artificialmente impulsionou o crescimento. Teremos números negativos no terceiro trimestre,
no quarto e nos meses seguintes até o meio do ano que vem.
Há menos consumo, menos
poupança, petróleo caro, emprego caindo, confiança do
consumidor piorando, altas taxas de endividamento, derrocada no crédito. Dê o nome que
quiser, é um desastre.
FOLHA - A Bolsa de Valores brasileira já caiu 18,7% desde o início do
ano. O senhor acha que há espaço
para recuar ainda mais?
ROUBINI - Minha visão é que,
apesar das condições domésticas, o que conta mesmo é o cenário global. No mundo inteiro,
há uma queda de pelo menos
20% dos preços das ações, tanto nas economias avançadas
quanto nas emergentes. Creio
que, dada a recessão mundial,
os preços dos papéis podem
cair ainda mais uns 10%. O horizonte é bem pessimista para o
mercado financeiro em todos
os lugares, incluindo a América
Latina, incluindo o Brasil.
FOLHA - Como o senhor imagina
um governo Obama e um governo
McCain? Eles teriam condições de
resolver esse nó na economia?
ROUBINI - O crescimento econômico dos EUA sempre foi
maior nos governos democratas do que nos republicanos,
enquanto quase todas as recessões dos últimos 50 anos se deram sob gestões republicanas.
Parece que McCain não entende a severidade dessa crise econômica, financeira e de hipotecas; acredito que Obama tem
idéias mais sensíveis para lidar
com isso, e precisamos de um
presidente que compreenda o
problema e tenha as políticas
corretas. Acho que Obama faria
um trabalho muito melhor do
que McCain.
FOLHA - O senhor ainda presta assessoria para os democratas?
ROUBINI - Não, não estou envolvido em política. Sou professor
em tempo integral e ainda administro a minha consultoria.
Não estou envolvido e não tenho planos de voltar a ser no
curto prazo.
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