São Paulo, domingo, 07 de setembro de 2008

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ENTREVISTA NOURIEL ROUBINI

EUA e Europa já estão em recessão, e crise vai piorar

Analista que previu estouro da bolha imobiliária espera "severa desaceleração" no Brasil

DENYSE GODOY
DA REPORTAGEM LOCAL

Foi em 7 de setembro de 2006 que Nouriel Roubini, 50, deu o alerta: recessão à vista.
Ele previa que o estouro da bolha no mercado imobiliário doméstico levaria os Estados Unidos a uma de suas piores crises. Naquela ocasião, a platéia de economistas que assistia à sua palestra na sede do FMI (Fundo Monetário Internacional), em Washington, não o levou a sério.
No entanto, quando as suas profecias se realizaram, Roubini passou a ser aclamado como um dos grandes analistas contemporâneos -com um aposto, o de pessimista convicto. Referem-se a ele como "Doctor Doom" (doutor catástrofe) e "permabear" ("bear permanente", sendo "bear" o investidor no mercado financeiro que só vê perdas). Ao longo da entrevista abaixo, que Roubini concedeu na sexta-feira à Folha por telefone do seu escritório em Nova York, será possível entender o motivo.
Nascido na Turquia, filho de iranianos, mudou-se para Teerã ainda bem pequeno. Graduou-se em economia pela universidade italiana Luigi Bocconi em 1982 e obteve o doutorado em 1988, pela Universidade Harvard, com orientação de Jeffrey Sachs. Naturalizado norte-americano, atualmente é professor da Universidade de Nova York e dirige sua consultoria, a RGE Monitor. Roubini afirma que a retração da economia norte-americana -a mais grave desde a Grande Depressão- ainda vai durar um ano e está se espalhando por todo o mundo, pegando com mais força as nações desenvolvidas. Os países emergentes, como o Brasil, sofrerão menos, embora não possam se dar ao luxo de se afirmarem "descolados".

 

FOLHA - Como é ser chamado diariamente de profeta do apocalipse?
NOURIEL ROUBINI
- Não me importo que usem o apelido "Doctor Doom" para se referirem a mim. Infelizmente, mais do que um "permabear", eu sou realista, porque consegui identificar primeiro todas essas vulnerabilidades econômicas e financeiras que acabaram explodindo.
Provou-se que quem se mostrava otimista demais estava errado.

FOLHA - Sobre as suas previsões, quanto delas é informação, quanto é "feeling" a partir da sua experiência? O senhor não usa modelos matemáticos para detectar as probabilidades de recessão, correto?
ROUBINI
- Escrevi livros sobre modelos matemáticos por 20 anos. Utilizo análises econômicas científicas, estatísticas, conceitos acadêmicos e de política econômica e conhecimento de mercado. Quando falo com clientes, não uso fórmulas, prefiro explicar com palavras minha avaliação a partir de todas essas ferramentas, mas ela possui uma base rigorosa.

FOLHA - Faz dois anos que o senhor falou àquela platéia, no Fundo Monetário Internacional, sobre a crise que se avizinhava. Por que o Federal Reserve (banco central dos EUA) e o governo americano não fizeram nada para evitar o pior?
ROUBINI
- Suas análises estavam erradas. O Fed ficou falando que haveria uma recessão curta no mercado imobiliário, que não contaminaria o resto da economia, quando na realidade estava também no segmento comercial do mercado imobiliário, nos cartões de crédito, nos empréstimos estudantis, no mercado de títulos emitidos por empresas. A bolha de crédito generalizada que está estourando foi mal-entendida. Existia, ainda, uma espécie de pensamento mágico, uma esperança segundo a qual as coisas acabariam bem. Não é um problema econômico menor, é a mais severa crise econômica e financeira em décadas, isso está muito claro.

FOLHA - E as próprias instituições financeiras não se deram conta do perigo?
ROUBINI
- Ah, você sabe como é, tem dinheiro fácil, não há regulação ou um acompanhamento apropriado do sistema financeiro e de crédito. O setor é guiado pela ganância e não se preocupa com o risco. Claro, nos bons momentos, os gestores ganham dinheiro, dão lucro para as instituições financeiras e recebem bônus; nos tempos ruins, eles estão perdendo o dinheiro dos outros, que captaram para aplicar e, no máximo, ficam sem receber seus bônus.
Tudo bem com a ganância, mas ela deveria ser equilibrada com o medo dos prejuízos. Juntando isso à falta de supervisão e regulação, inventaram umas modalidades de hipoteca e outras formas de crédito malucas.
O mercado financeiro sempre vivencia esses períodos de manias, de bolhas, de excessos, que viram uma loucura e explodem. Na verdade, existe uma distorção na maneira como o mercado financeiro funciona, com as instituições correndo risco demasiado, e aí as pessoas ficam eufóricas, o que leva à bolha, que leva à crise financeira, que leva à depressão.
O ciclo se repete, em parte, porque não controlamos eficientemente as instituições financeiras. Só se ouve falar de mercado livre, de laissez-faire, enquanto precisamos de regras, de disciplina. Não dá para esperar que o mercado se regule. Auto-regulação significa não-regulação, e disciplina do mercado significa falta de disciplina. É um nonsense.

FOLHA - Pode-se dizer que as autoridades americanas aprenderam uma lição? O senhor espera mudanças nos sistemas regulatórios?
ROUBINI
- Esta é a crise mais profunda desde a Grande Depressão e deve causar perto de US$ 2 trilhões em perdas no mercado de crédito. Se isso não levar a mais regulações, o ciclo de excessos no crédito vai começar de novo. Não tenho certeza, porém, de que vai ensinar uma lição às pessoas. Muitos investidores e instituições já se safaram sem punição. Vamos ver o quanto vai melhorar a fiscalização, porque, quando a crise está em curso, fala-se muito nisso; depois que ela acaba, todo mundo esquece sem que tenha sido feito o bastante.

FOLHA - Nos últimos meses, um grupo de economistas disse que o pior já passou, mas esta semana [a passada] foi muito ruim, com bastante mau humor no mercado. Por quanto tempo esse clima vai durar?
ROUBINI
- Na minha visão, as coisas vão piorar e piorar nos próximos 12 a 18 meses. Já estamos em recessão nos EUA, na zona do euro e em todas as outras economias avançadas, o que vai afetar o PIB [Produto Interno Bruto] global. Nos países emergentes, as pessoas se iludem pensando que vão escapar da recessão, que haverá um descolamento. Não vai. Teremos uma severa desaceleração do crescimento no Brasil, na Rússia, na Índia, na China. Não vai ser uma recessão global, esses países em desenvolvimento não vão entrar em recessão, mas sentirão uma forte diminuição do ritmo. Não vejo luz no fim do túnel -a única que vejo é a de outro trem vindo de encontro.

FOLHA - Qual será o tamanho dessa desaceleração no Brasil?
ROUBINI
- O Brasil tem crescido por volta de 4,8% ao ano -o que é, aliás, muito menos do que países como Rússia, Índia e China, que avançam entre 8% e 10%. Acho que a previsão de que o país crescerá entre 3% e 3,5% é muito otimista, eu acredito em 2%.

FOLHA - Apesar dos recentes avanços, o Brasil não consegue crescer o tanto que quer e precisa. Por quê?
ROUBINI
- Há sérios impedimentos estruturais ao crescimento que persistem, como a falta de infra-estrutura, falta de uma boa educação para a força de trabalho, há tributação excessiva e gastos do governo elevados demais. Em resumo, foram feitas reformas macro e financeiras, agora o país precisa de reformas micro. Não acho que o atual presidente progredirá nessas reformas, vamos ver o próximo.

FOLHA - A economia americana cresceu 3,3% no segundo trimestre. Essa taxa o surpreendeu?
ROUBINI
- Pelos indicadores de produção, renda, gastos e empregos, os EUA entraram em recessão no primeiro trimestre. No segundo, o governo lançou o pacote de estímulo de US$ 100 bilhões, que artificialmente impulsionou o crescimento. Teremos números negativos no terceiro trimestre, no quarto e nos meses seguintes até o meio do ano que vem.
Há menos consumo, menos poupança, petróleo caro, emprego caindo, confiança do consumidor piorando, altas taxas de endividamento, derrocada no crédito. Dê o nome que quiser, é um desastre.

FOLHA - A Bolsa de Valores brasileira já caiu 18,7% desde o início do ano. O senhor acha que há espaço para recuar ainda mais?
ROUBINI
- Minha visão é que, apesar das condições domésticas, o que conta mesmo é o cenário global. No mundo inteiro, há uma queda de pelo menos 20% dos preços das ações, tanto nas economias avançadas quanto nas emergentes. Creio que, dada a recessão mundial, os preços dos papéis podem cair ainda mais uns 10%. O horizonte é bem pessimista para o mercado financeiro em todos os lugares, incluindo a América Latina, incluindo o Brasil.

FOLHA - Como o senhor imagina um governo Obama e um governo McCain? Eles teriam condições de resolver esse nó na economia?
ROUBINI
- O crescimento econômico dos EUA sempre foi maior nos governos democratas do que nos republicanos, enquanto quase todas as recessões dos últimos 50 anos se deram sob gestões republicanas. Parece que McCain não entende a severidade dessa crise econômica, financeira e de hipotecas; acredito que Obama tem idéias mais sensíveis para lidar com isso, e precisamos de um presidente que compreenda o problema e tenha as políticas corretas. Acho que Obama faria um trabalho muito melhor do que McCain.

FOLHA - O senhor ainda presta assessoria para os democratas?
ROUBINI
- Não, não estou envolvido em política. Sou professor em tempo integral e ainda administro a minha consultoria.
Não estou envolvido e não tenho planos de voltar a ser no curto prazo.


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