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São Paulo, terça-feira, 07 de outubro de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Pergunte a seu avô

BENJAMIN STEINBRUCH

Pergunte a seu avô onde ele investe sobras de recursos, quando as tem. Muito provavelmente, ouvirá uma resposta tradicional: na poupança ou em outra aplicação de renda fixa, como os fundos, por exemplo.
Avós são conservadores, principalmente em matéria de investimentos. E eles estão certos. As cartilhas financeiras dizem que aplicações de risco, como as do mercado de ações, rendem frutos a longo prazo e não são as melhores opções para pessoas mais idosas, que precisam usufruir agora da rentabilidade de suas poupanças.
Li na semana passada, no "Valor", uma reportagem interessante. Um pequeno grupo de investidores, acima de 75 anos, aplica regularmente suas economias em ações, contrariando todas as recomendações dos entendidos. E estão contentes com os resultados. Conseguem viajar, gastar com lazer e complementar a aposentadoria.
O exemplo desses investidores arrojados não é para ser seguido por avós de forma generalizada. Investimentos em ações, em razão do risco, são mais indicados para a formação de patrimônio, pensando sempre no longo prazo.
Quem tem mais de 40 anos certamente se lembra do que aconteceu no mercado de ações em 1971. Depois da alguns anos de extraordinário crescimento, a Bolsa despencou. Algumas ações literalmente viraram pó, passaram a valer apenas 10% de sua cotação e levaram até dez anos para recuperar o valor anterior. Muitos investidores venderam seus papéis, fugiram da Bolsa e nunca mais voltaram. Coisa parecida ocorreu no estouro da bolha da Bolsa de Nova York, em 2001.
Não lembro isso para alarmar investidores. Ao contrário. Os episódios de 1971 e 2001 são consequência de momentos de alta especulação, não representam a regra do mercado e, mesmo tendo sido extremamente graves, não impuseram perdas definitivas aos investidores que olhavam para o mercado de ações com olhos de longo prazo.
Então, o comportamento destemido dos investidores seniores que gostam da Bolsa deveria representar um alerta sobre as oportunidades que o país perde com o seu minúsculo mercado acionário, que poderia ser (e não é), ao mesmo tempo, agente de desenvolvimento econômico e de formação do patrimônio das pessoas.
Num país com elevadíssimos custos de capital, a captação de recursos via lançamento de ações é instrumento de redução desses custos. Portanto contribui para a saúde financeira das empresas.
Ao lançar ações no mercado e democratizar o capital, as empresas captam poupança de longo prazo para investimentos, que vão gerar aumento de produção, crescimento econômico e empregos. Mas vários fatores têm desencorajado a abertura de capital, entre eles a incerteza da economia, os altos custos da operação e a burocracia que ela exige. A CVM registrou apenas uma oferta primária de ações neste ano.
Ao comprar ações, o investidor se torna partícipe de lucros e prejuízos de uma empresa e deve estar preparado, como num casamento, para suportar com ela períodos de crise e de bonança. Ocorre que, por distorções e falta de regulamentação, o acionista minoritário muitas vezes não tem seus direitos respeitados, a ponto de arcar com prejuízos em tempo de crise e não levar os lucros em tempo de bonança.
O exemplo dos investidores com mais de 75 anos mostra que há campo para o crescimento do mercado de ações. Eles não começaram agora a investir na Bolsa. Alguns estão lá há mais de 30 anos e satisfeitos com os resultados. Uma prova de que, a despeito das ressalvas feitas acima, há empresas boas no mercado, que proporcionam ganhos bastante razoáveis a médio e longo prazo a seus acionistas minoritários.
O Brasil tem um índice muito baixo de poupança interna, bastante concentrada em aplicações de renda fixa. Só o patrimônio dos fundos soma mais de R$ 450 bilhões, uma montanha de recursos cuja finalidade principal é financiar o governo (só 7% desse valor está em fundos de ações). O país será outro no dia em que esse capital puder ser carreado para investimentos produtivos, via mercado de ações aberto a investidores de todos os tamanhos e de todas as idades.


Benjamin Steinbruch, 50, empresário, é presidente do conselho de administração da Companhia Siderúrgica Nacional.

E-mail - bvictoria@psi.com.br


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