São Paulo, sexta-feira, 07 de outubro de 2005

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LUÍS NASSIF

A crise do campo

Não há bordão mais óbvio do que tachar agricultor de chorão em qualquer circunstância. Em algumas, efetivamente são. Em outras, não. Na atual crise agrícola, há que olhar mais para os números, antes de generalizar a grita da agricultura.
Vamos a alguns números enviados pelo leitor Samuel Dourado, de Guairá.
A atual safra de grãos foi plantada em novembro de 2004, com o dólar a R$ 3. Parte relevante dos insumos agrícolas é dolarizada, assim como a soja, o milho e o sorgo -que pertencem à cadeia de proteínas da maioria das rações animais. Com esse dólar, o custo de produção da soja girou em torno dos R$ 32,00 a saca. Essa soja, que representa 20% dos estoques atuais das multinacionais e cooperativas, está precificada em balcão na Alta Mogiana Paulista em R$ 24,00 a saca -um prejuízo de R$ 8,00 a saca ou 25% sobre o custo. No caso do milho, o prejuízo é de R$ 4,00 a saca ou 22% sobre o custo.
Some a esse prejuízo -efeito da política cambial- a quebra da safra. Com isso, há uma quebra de caixa generalizada dos produtores, às vésperas do plantio da próxima safra. A partir da segunda quinzena do mês, começa o plantio da próxima safra, exigindo capital de giro.
Até agora, não foi liberado nenhum centavo de crédito rural para a próxima safra, escreve o leitor. Liberado, o crédito rural dará, se muito, para cobrir 50% dos custos. O restante terá que ser financiado a juros de 26% ao ano.
Justamente agora começa a amortização da securitização das dívidas do Pesa (dívidas de valor acima de R$ 200 mil que foram securitizadas), além dos investimentos do Moderfrota.
Até agora, o governo federal autorizou a prorrogação dos investimentos no âmbito da Finame e algumas parcelas de custeio da safra anterior, que serão descontadas do valor a financiar nesta safra.
Lembra o leitor que não se trata apenas de falta de liquidez temporária, mas de soma de prejuízo econômico com escassez de recursos, abatendo-se principalmente sobre pequenos e médio produtores de grãos. O resultado será a continuação da concentração no campo, expulsando pequenos e médios produtores da atividade.
O que o leitor vê, de um lado, é a atenção justificada do governo com a agricultura familiar. Mas observa um amplo descaso para com um tipo de agricultura moderna e distribuidora de renda, que é a mecanizada, praticada por pequenos e médios agricultores, que se tornaram o elo mais frágil da cadeia da produção. O pequeno produtor de soja, com área de 200 hectares, é visto como latifundiário. E foi essa estrutura de pequenos e médios que ajudou a transformar o país em potência agroindustrial, especialmente nas produções integradas, como soja, aves, suínos, bovinos, citros.
O leitor é parte interessada, assim como é o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues -homem dotado de bom senso e de equilíbrio. Mas seus alertas devem ser mais bem apreciados, em vez de descartados por essa simplificação de jogar todas as avaliações negativas no caldeirão da choradeira.


E-mail - Luisnassif@uol.com.br

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