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LUÍS NASSIF
A crise do campo
Não há bordão mais óbvio
do que tachar agricultor
de chorão em qualquer circunstância. Em algumas, efetivamente são. Em outras, não. Na
atual crise agrícola, há que
olhar mais para os números,
antes de generalizar a grita da
agricultura.
Vamos a alguns números enviados pelo leitor Samuel Dourado, de Guairá.
A atual safra de grãos foi
plantada em novembro de
2004, com o dólar a R$ 3. Parte
relevante dos insumos agrícolas é dolarizada, assim como a
soja, o milho e o sorgo -que
pertencem à cadeia de proteínas da maioria das rações animais. Com esse dólar, o custo de
produção da soja girou em torno dos R$ 32,00 a saca. Essa soja, que representa 20% dos estoques atuais das multinacionais e cooperativas, está precificada em balcão na Alta Mogiana Paulista em R$ 24,00 a
saca -um prejuízo de R$ 8,00
a saca ou 25% sobre o custo. No
caso do milho, o prejuízo é de
R$ 4,00 a saca ou 22% sobre o
custo.
Some a esse prejuízo -efeito
da política cambial- a quebra
da safra. Com isso, há uma
quebra de caixa generalizada
dos produtores, às vésperas do
plantio da próxima safra. A
partir da segunda quinzena do
mês, começa o plantio da próxima safra, exigindo capital de
giro.
Até agora, não foi liberado
nenhum centavo de crédito rural para a próxima safra, escreve o leitor. Liberado, o crédito
rural dará, se muito, para cobrir 50% dos custos. O restante
terá que ser financiado a juros
de 26% ao ano.
Justamente agora começa a
amortização da securitização
das dívidas do Pesa (dívidas de
valor acima de R$ 200 mil que
foram securitizadas), além dos
investimentos do Moderfrota.
Até agora, o governo federal
autorizou a prorrogação dos
investimentos no âmbito da Finame e algumas parcelas de
custeio da safra anterior, que
serão descontadas do valor a financiar nesta safra.
Lembra o leitor que não se
trata apenas de falta de liquidez temporária, mas de soma
de prejuízo econômico com escassez de recursos, abatendo-se
principalmente sobre pequenos
e médio produtores de grãos. O
resultado será a continuação
da concentração no campo, expulsando pequenos e médios
produtores da atividade.
O que o leitor vê, de um lado,
é a atenção justificada do governo com a agricultura familiar. Mas observa um amplo
descaso para com um tipo de
agricultura moderna e distribuidora de renda, que é a mecanizada, praticada por pequenos e médios agricultores, que
se tornaram o elo mais frágil da
cadeia da produção. O pequeno
produtor de soja, com área de
200 hectares, é visto como latifundiário. E foi essa estrutura
de pequenos e médios que ajudou a transformar o país em
potência agroindustrial, especialmente nas produções integradas, como soja, aves, suínos,
bovinos, citros.
O leitor é parte interessada,
assim como é o ministro da
Agricultura, Roberto Rodrigues
-homem dotado de bom senso
e de equilíbrio. Mas seus alertas
devem ser mais bem apreciados, em vez de descartados por
essa simplificação de jogar todas as avaliações negativas no
caldeirão da choradeira.
E-mail - Luisnassif@uol.com.br
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