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São Paulo, domingo, 07 de dezembro de 2003

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MONTADORAS

Decisão de prorrogar redução do imposto foi tomada pelo presidente, a fim de beneficiar os metalúrgicos do ABC

IPI menor atende a "berço político" de Lula

KENNEDY ALENCAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A prorrogação do acordo com as montadoras que reduziu o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) em três pontos percentuais para os carros populares e médios foi uma decisão tomada diretamente pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para atender especialmente os metalúrgicos do ABC paulista, seu berço sindical e político.
O presidente da CUT (Central Única dos Trabalhadores), Luiz Marinho, e o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, José Lopez Feijóo, tiveram conversas e reuniões com Lula e o ministro da Fazenda, Antonio Palocci Filho, para tratar da extensão do benefício.
A área técnica da Fazenda era contra, por avaliar que o benefício é um contra-exemplo do que o governo pretende para uma política industrial. O benefício atende a um setor específico, abre mão de arrecadação de impostos e não traz, na visão da área técnica da Fazenda, ganhos sistêmicos para a economia. Ou seja, é um paliativo para determinado público.
Palocci, porém, cedeu aos argumentos de Marinho e de Feijóo. O principal: a extensão era uma forma de dar uma satisfação à principal base sindical de Lula e de funcionar como instrumento para evitar novas demissões no ABC (região paulista que inclui as cidades de Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano do Sul).
No dia 21 de novembro, o presidente da CUT se reuniu com Lula e Palocci, no Palácio do Planalto, para tratar da prorrogação do acordo, que seria oficializada no dia 28. Pelo acordo inicial, a redução do IPI iria até o final do mês passado. Com a decisão de Lula, a alíquota menor foi prorrogada até fevereiro de 2004.
Marinho, aliado histórico de Lula e presidente de uma central ligada umbilicalmente ao PT, argumentou que o fim do acordo poderia acirrar os ânimos dos trabalhadores do ABC contra o governo. Não seria conveniente, em um momento de queda de renda e de alto desemprego, não prorrogar o acordo.
Por meio da Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores), as montadoras também pressionaram pela prorrogação do acordo. Foram duas as etapas: em princípio, um grupo de técnicos da Anfavea, liderados por Aurélio Santana, gerente de planejamento estratégico, analisou os resultados com o ""incentivo fiscal" e se encarregou de preparar um estudo pelo qual tentavam demonstrar que a perda com o IPI era compensada por uma arrecadação maior ""no conjunto" de IPI mais PIS/Cofins.
Pelo estudo, a arrecadação de IPI caiu em média 11% com a isenção, mas o arrecadado com os três tributos subira 24% de julho (pré-isenção) comparado a outubro. Terminada essa etapa, começaram as negociações de ""cúpula", que envolveram outras duas reuniões. Participaram, pelas montadoras, Ricardo Carvalho (presidente da Anfavea e representante da Volks), Persio Pastre (Fiat), Rogelio Golfarb (Ford) e Luiz Moan Yabiku Júnior (GM).
O vice-presidente da GM (General Motors) do Brasil, José Carlos Pinheiro Neto, que tem boa relação com Lula desde quando o presidente era líder sindical no ABC, também fez lobby pela prorrogação do acordo.
Pelo governo, os negociadores foram Palocci, Bernardo Appy, secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Jorge Rachid (Receita Federal), mais Feijóo, do lado do sindicalismo.
Lula e Palocci se convenceram e mandaram a área técnica estender o acordo, numa tentativa de dar uma notícia boa em meio a notícias ruins na economia real.

Ministro político
Apesar de cuidar da Fazenda, Palocci é um ministro político. Quase todos os dias começa o expediente em reuniões no Palácio do Planalto com Lula e o ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu. Nesses encontros, além das questões econômicas, trata dos outros assuntos prioritários do governo que fogem da economia.
A Receita Federal chegou a esboçar uma reação contrária, mas Palocci não arredou o pé. Ficou acordado que esse seria o último socorro ""emergencial" e que o setor agora discutirá medidas estruturais. O recado público dessa discussão ""estrutural" foi passado na quinta: o presidente da Anfavea defendeu que se aproveitasse a reforma tributária para promover um ""ajuste" na tabela de IPI.
Não são poucos os motivos de preocupação do setor. A indústria automobilística brasileira tem capacidade para produzir 3,2 milhões de automóveis, mas neste ano não passará do 1,82 milhão de unidades -poderia ser pior, não fosse a alta de 38,9% nas exportações, no acumulado em dólares até novembro, que servem de desafogo para o mercado interno. Este, no acumulado do ano, registrava até o mês passado queda de 6,8% no número de veículos vendidos. Antes do ""efeito IPI-juros mais baixos", o tombo em relação a 2002 era previsto em 10%.
De acordo com analistas, nenhuma das montadoras que desembarcaram no país desde 1990 recuperou os investimentos. Ao todo, montadoras e fabricantes de autopeças investiram US$ 32 bilhões no Brasil.
Vítimas foram produzidas com a crise. A mais notória, o presidente da Volks, Paul Fleming, que deixará o cargo em janeiro, não mais que 14 meses depois de assumi-lo. A subsidiária brasileira diz estar no vermelho há cinco anos.


Colaboraram Cláudia Trevisan, Claudia Rolli e José Alan Dias, da Reportagem Local

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