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São Paulo, domingo, 07 de dezembro de 2003

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MUDANÇA

Palocci quer encaminhar projeto ao Congresso em 2004 e acabar com questionamentos sobre liberdade de ação do BC

Pressionado, Meirelles pode ter autonomia

VALDO CRUZ
DIRETOR-EXECUTIVO DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O Ministério da Fazenda programou em sua agenda de 2004 encaminhar ao Congresso, no início do ano, o projeto que dá autonomia operacional ao Banco Central. A decisão foi comunicada ao presidente do BC, Henrique Meirelles, que tem se sentido incomodado com as pressões vindas de dentro do próprio governo por mudanças na política monetária.
Com o envio do projeto, que foi discutido entre o ministro Antonio Palocci Filho e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva há cerca de 20 dias, a Fazenda espera acabar com os questionamentos sobre a autonomia do BC no governo petista.
O projeto estava engavetado desde abril, após ter sido anunciado como uma das prioridades da equipe econômica. Ficou arquivado por causa de resistências na bancada do PT no Congresso e de dúvidas entre ministros sobre o momento certo para votá-lo.
Dúvidas que alguns líderes do PT acreditam ainda existir e que podem atrapalhar os planos de Palocci e Meirelles, defensores da proposta. A equipe econômica acredita, porém, que essas resistências tenham diminuído.
Numa tentativa de conquistar apoio ao projeto, assessores da Fazenda e do banco costumam frisar que a proposta é dar autonomia, não independência total ao BC, como ocorre nos EUA.
Na autonomia, o governo é responsável por fixar metas, como a a inflação a ser atingida em determinado período, cabendo ao BC adotar as medidas para cumpri-las. O banco fica obrigado a prestar contas ao governo e ao Congresso. Seus diretores, por outro lado, ganham mandatos, de preferência não coincidentes com o do presidente.
As pressões por quedas mais significativas dos juros voltaram a incomodar Meirelles no mês passado, principalmente depois de ele ter lido na Folha e em "O Globo" que sua atuação estava sendo questionada dentro do governo.
Chegaram a circular informações de que Meirelles cogitava deixar o banco num futuro próximo. O governo e o Banco Central negam: sugerem que Meirelles tem o apoio do presidente e de Palocci. Além disso, dados indicando inflação em queda mostrariam que ele está no caminho certo.
Fazenda e BC fazem questão de destacar que em nenhum momento o presidente chegou a transmitir uma ordem para que o Copom (Comitê de Política Monetária) reduzisse os juros. Mas as pressões existem e partem de assessores próximos a Lula -os ministros Luiz Gushiken e José Dirceu, principalmente- e também do próprio presidente.
No caso do presidente, as pressões, chamadas na Fazenda e no BC de desejos mais do que justos de Lula, são transmitidas por Palocci a Meirelles. Geralmente em conversas sobre a economia que os dois mantêm regularmente.
A equipe econômica destaca que o presidente não faz pressão pública por entender que não pode atingir a credibilidade do BC. O que acaba não acontecendo com assessores do presidente, que pressionam tanto reservada como publicamente o Banco Central.
Depois das queixas de Meirelles, o governo procurou aproximá-lo dos petistas. Tanto que ele foi convidado a fazer uma explanação sobre economia a ministros petistas durante reunião com o presidente na Granja do Torto.
O relato de participantes do encontro, ocorrido no dia 22 de novembro, é que o presidente do BC convenceu os presentes de que estava no rumo certo. Mas não deixou de ser questionado, principalmente sobre o que foi considerado uma demora em iniciar uma redução nos juros.
Apesar das pressões, o BC só foi reduzir os juros, em meio ponto percentual, no mês de junho. Isso depois de promover dois aumentos, em janeiro e fevereiro, quando a taxa atingiu 26,5% ao ano.
Munido de gráficos, Meirelles mostrou que a manutenção dos juros naquela época permitiu uma queda sólida da inflação. Em suas palavras, o BC ganhou credibilidade naquele momento.
Na reunião da Granja do Torto, Meirelles também falou da necessidade de dar autonomia ao BC. Segundo ele, com a autonomia, o banco ganharia mais credibilidade e teria condições de reduzir ainda mais os juros no futuro.
Na última quinta-feira, declarações de José Dirceu sobre juros, anunciando até que eles vão cair neste mês, causaram novo desconforto no governo. Um assessor de Lula chegou a dizer que achou "estranho" o ministro da Casa Civil se manifestar sobre juros depois de ter prometido evitar declarações polêmicas.
No dia seguinte, o ministro mudou o discurso, dizendo que o governo apenas debate com a sociedade a política econômica, e o BC decide qual deve ser a taxa de juros, hoje em 17,5% ao ano.
O ministro da Casa Civil sabe que suas posições sobre economia têm impacto no mercado. Em meados do ano, após defender queda nos juros, a ele foi apresentado um acompanhamento feito pela equipe econômica sobre a trajetória dos juros futuros -naquele dia, o mercado havia reagido à sua fala. O mesmo voltou a ocorrer na quinta-feira.


Colaborou Gabriela Athias, da Sucursal de Brasília


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