São Paulo, terça-feira, 08 de maio de 2007

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VINICIUS TORRES FREIRE

Sarkozy e "Manô Marron"

Presidente quer proteger capital e "liberalizar" por baixo, mas país ainda está dividido e periferias continuam quentes

O QUE IMPORTA a eleição francesa? A França é menos e menos relevante na economia mundial. Menos que a Inglaterra, com sua grande finança, seus impostos baixos e sua desigualdade social crescente. O PIB francês era 20% maior que o inglês pré-revolução thatcherista, em 1980. Hoje é 10% menor. Na política, tem direito de veto na cúpula da ONU, embora a ONU tenha virado pó-de-traque após George Bush 2º. Vinha sendo um pólo regional de resistência retórica contra o império americano.
Tem também bombas nucleares, a "bombette", como dizem diplomatas americanos, fazendo chacota. Além de ser um museu, uma livraria, um centro de debates, um restaurante e um jardim maravilhosos, belos e civilizadíssimos, o interesse da França pode ser o de um grande e inteligente laboratório do conflito social e econômico do mundo desenvolvido maduro -provavelmente o último laboratório.
Discute-se, especialmente na mídia anglo-saxã, em que lugar da escala entre Thatcher e Blair ficará a política de Nicolas Sarkozy. Mas, quanto ao grande capital, Sarkô sugere mais um Colbert transgênico ou um "bonapartista protecionista", como o chamaram no "Le Monde", do que um liberal (Colbert, o ministro mercantilista de Luís 14, rei da França no século 17). Sarkozy na campanha mesmo defendeu a proteção da grande empresa francesa contra aquisições estrangeiras. Quer difundir na União Européia o protecionismo francês e tem um histórico de "parcerias público-privadas".
Ministro da Economia de Jacques Chirac, usou dinheiro público para salvar a gigante Alstom da concordata ou de uma aquisição alemã. Apadrinhou grandes fusões. Alguns de seus amigos megaempresários, esperam seu concurso para resolver grossas questões corporativas.
Sarkô decerto quer quebrar a espinha dos sindicatos, em especial no serviço público, cortar empregos públicos e o quanto puder da lei da jornada de trabalho de 35 horas, reduzir o livre acesso às universidades e baixar impostos em geral. A França "privada" votou nele, do pequeno comerciante e agricultor aos executivos e megaempresários.
Isto é, a bronca vai sobrar para funcionalismo, sindicalistas e os "Manos Browns" da periferia das grandes cidades, os "Manô Marrons", imigrantes e descendentes, marginalizados quase todos.
Em 1995, Alain Juppé, premiê de Chirac, tentou reformar a Previdência Social francesa. Greves pararam o país e tinham o apoio de 65% da população. A era Chirac morreu aí.
Houve tentativas liberalizantes de 2003 a 2005, quase todas barradas nas ruas, com protestos muito menores, é verdade. Mas ao protesto declinante da "França branca" protegida pelo Estado haverá o protesto da França "Manô Marron", que por ora é mais fúria do que política.
Apesar da decrepitude da esquerda, Sarkô vai lidar com uma França ainda dividida e nem de longe preparada para o mercadismo "cum" desigualdade inglês. O comparecimento maciço às urnas mostrou que o país em massa quer tanto mudanças de fato como defender o conservantismo social-democrata. A depender da rapidez e da vontade que Sarkozy evoluir na escala Blair-Thatcher, o pau pode comer.


vinit@uol.com.br

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