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OPINIÃO ECONÔMICA
Privatização de bancos públicos
RUBENS PENHA CYSNE
Há vários argumentos teóricos para explicar por que as empresas públicas tendem a ser
mais ineficientes do que as empresas privadas. A inexistência
do risco de falência impediria
uma tomada da administração
por uma equipe mais competente ("takeover"). A maior
estabilidade no emprego reduziria os esforços não diretamente monitoráveis dos funcionários.
Em adição, a falta de flexibilidade administrativa levaria a
uma menor velocidade nas operações de compra e venda, implicando maiores estoques e,
portanto, maiores custos, além
de menor aproveitamento das
oportunidades de mercado.
Como argumentos teóricos
podem sempre ser questionados, ainda que algumas vezes
sem muita deferência ao bom
senso, cabe apresentar algumas
evidências empíricas para o caso do setor financeiro público.
Segundo dados do IBGE, em
1995 o tamanho das instituições
financeiras públicas, medido
pela participação do PIB, foi de
3,2%, e o das instituições privadas, de 3,59%, ou seja, aquelas
representando 47%, e estas,
53% do total.
As participações percentuais
da remuneração dos assalariados das instituições financeiras
privadas e públicas, entretanto,
tomadas em relação à remuneração total dos assalariados do
setor financeiro, foram de, respectivamente, 38,5% para as
instituições privadas e 61,5%
para as públicas.
Em adição, estudo da Fundação Getúlio Vargas (Cysne e
Soares) apresenta custos com
pessoal, relativamente às receitas geradas, de, respectivamente, 46,0%, 69,6% e 142,5%, para
uma amostra de bancos privados, estaduais e federais, no primeiro semestre de 1995. Certamente tais diferenças não se explicam apenas por práticas diferenciadas de terceirização.
No caso específico dos bancos
públicos, entretanto, o maior
problema para o país não se
situa na ineficiência microeconômica, mas sim na ameaça à
estabilidade macroeconômica.
Sabedores de que o Banco
Central do Brasil não pode passar a operar da noite para o dia
como um banco central que diz
não, governos estaduais utilizam os bancos estaduais para
taxar competitivamente os outros Estados. Tal como no caso
das guerras de redução do
ICMS, a falta de uma sinalização de coordenação centralizada leva a uma queda de
bem-estar para todo o país.
O governo federal, por outro
lado, simplesmente não age
com a energia demandada pela
situação, diante do desequilíbrio dos bancos federais. Parece
esquecer que o desafio desses
bancos não se encerrou com a
necessidade de adaptação a
uma situação de menor inflação. Daqui para a frente, há
ainda o desafio da competição
com bancos internacionais, o
que torna o horizonte das instituições financeiras públicas
ainda mais sombrio.
A ameaça à estabilidade macroeconômica fica clara quando se observa que, entre julho
de 1994 e janeiro de 1997, a assistência financeira do Banco
Central ao setor bancário oficial aumentou de R$ 4,2 bilhões
para R$ 44,1 bilhões.
Tomando-se como base o valor da base monetária de julho
de 1994, tais gastos, se não esterilizados por elevações da dívida pública, teriam implicado
uma expansão monetária da
ordem de 432%, montante bastante superior aos 100% - 140%
que podem ser explicados pela
remonetização da economia.
A história pregressa de tentativas de saneamento dos bancos
estaduais deixa claro um ponto:
nenhum acordo deve ser efetuado pelo governo federal sem a
garantia absoluta de que o Estado perderá o controle de sua
carteira de banco comercial, seja por liquidação ou privatização.
Tanto o PAC (Programa de
Apoio Creditício), instituído
por voto do Conselho Monetário Nacional (233/83, de
20/7/83), visando especificamente a solucionar problemas
dos bancos estaduais do Rio de
Janeiro, Ceará, Santa Catarina,
Goiás, Pará, Amazonas e Alagoas, quanto o Programa de Recuperação Financeira (Proref),
de 1984, instituído pelo voto
CMN 446/84 de 04/04/84, são
provas nesse sentido.
Tais programas previam não
apenas ajustes dos bancos estaduais (fechamento de agências,
redução dos quadros de pessoal
e reavaliação das operações ativas dos bancos, bem como sua
capitalização por parte dos governos estaduais), como contrapartida da ajuda que lhes seria
prestada pelo Banco Central,
como também punições (voto
CMN 232/86, de 4/9/86) para
aqueles que não cumprissem as
metas pactuadas.
Os resultados não foram nada
animadores. Dentre as instituições estaduais que se engajaram, seja no PAC ou no Proref,
poucas apresentaram melhoras
significativas. A maior parte
permaneceu operando de forma
semelhante àquela que deu origem a seus problemas de liquidez. As exigências acordadas
-fechar agências deficitárias e
recuperar os créditos em atraso- simplesmente não foram
cumpridas.
Desde então, várias outras
tentativas fracassadas de programas de ajuste compõem a
evidência histórica de que o
Banco Central não dispõe de
poderes políticos para fazer
honrar os acordos efetuados
com o Estado quando estes continuam com o controle de seus
bancos comerciais estaduais.
Rubens Penha Cysne, 39, é diretor de pesquisa da Escola de Pós-Graduação em Economia (EPGE) da Fundação Getúlio Vargas.
E-mail: rubens@fgv.br.
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