São Paulo, domingo, 8 de junho de 1997.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

OPINIÃO ECONÔMICA
Privatização de bancos públicos

RUBENS PENHA CYSNE
Há vários argumentos teóricos para explicar por que as empresas públicas tendem a ser mais ineficientes do que as empresas privadas. A inexistência do risco de falência impediria uma tomada da administração por uma equipe mais competente ("takeover"). A maior estabilidade no emprego reduziria os esforços não diretamente monitoráveis dos funcionários.
Em adição, a falta de flexibilidade administrativa levaria a uma menor velocidade nas operações de compra e venda, implicando maiores estoques e, portanto, maiores custos, além de menor aproveitamento das oportunidades de mercado.
Como argumentos teóricos podem sempre ser questionados, ainda que algumas vezes sem muita deferência ao bom senso, cabe apresentar algumas evidências empíricas para o caso do setor financeiro público.
Segundo dados do IBGE, em 1995 o tamanho das instituições financeiras públicas, medido pela participação do PIB, foi de 3,2%, e o das instituições privadas, de 3,59%, ou seja, aquelas representando 47%, e estas, 53% do total.
As participações percentuais da remuneração dos assalariados das instituições financeiras privadas e públicas, entretanto, tomadas em relação à remuneração total dos assalariados do setor financeiro, foram de, respectivamente, 38,5% para as instituições privadas e 61,5% para as públicas.
Em adição, estudo da Fundação Getúlio Vargas (Cysne e Soares) apresenta custos com pessoal, relativamente às receitas geradas, de, respectivamente, 46,0%, 69,6% e 142,5%, para uma amostra de bancos privados, estaduais e federais, no primeiro semestre de 1995. Certamente tais diferenças não se explicam apenas por práticas diferenciadas de terceirização.
No caso específico dos bancos públicos, entretanto, o maior problema para o país não se situa na ineficiência microeconômica, mas sim na ameaça à estabilidade macroeconômica.
Sabedores de que o Banco Central do Brasil não pode passar a operar da noite para o dia como um banco central que diz não, governos estaduais utilizam os bancos estaduais para taxar competitivamente os outros Estados. Tal como no caso das guerras de redução do ICMS, a falta de uma sinalização de coordenação centralizada leva a uma queda de bem-estar para todo o país.
O governo federal, por outro lado, simplesmente não age com a energia demandada pela situação, diante do desequilíbrio dos bancos federais. Parece esquecer que o desafio desses bancos não se encerrou com a necessidade de adaptação a uma situação de menor inflação. Daqui para a frente, há ainda o desafio da competição com bancos internacionais, o que torna o horizonte das instituições financeiras públicas ainda mais sombrio.
A ameaça à estabilidade macroeconômica fica clara quando se observa que, entre julho de 1994 e janeiro de 1997, a assistência financeira do Banco Central ao setor bancário oficial aumentou de R$ 4,2 bilhões para R$ 44,1 bilhões.
Tomando-se como base o valor da base monetária de julho de 1994, tais gastos, se não esterilizados por elevações da dívida pública, teriam implicado uma expansão monetária da ordem de 432%, montante bastante superior aos 100% - 140% que podem ser explicados pela remonetização da economia.
A história pregressa de tentativas de saneamento dos bancos estaduais deixa claro um ponto: nenhum acordo deve ser efetuado pelo governo federal sem a garantia absoluta de que o Estado perderá o controle de sua carteira de banco comercial, seja por liquidação ou privatização.
Tanto o PAC (Programa de Apoio Creditício), instituído por voto do Conselho Monetário Nacional (233/83, de 20/7/83), visando especificamente a solucionar problemas dos bancos estaduais do Rio de Janeiro, Ceará, Santa Catarina, Goiás, Pará, Amazonas e Alagoas, quanto o Programa de Recuperação Financeira (Proref), de 1984, instituído pelo voto CMN 446/84 de 04/04/84, são provas nesse sentido.
Tais programas previam não apenas ajustes dos bancos estaduais (fechamento de agências, redução dos quadros de pessoal e reavaliação das operações ativas dos bancos, bem como sua capitalização por parte dos governos estaduais), como contrapartida da ajuda que lhes seria prestada pelo Banco Central, como também punições (voto CMN 232/86, de 4/9/86) para aqueles que não cumprissem as metas pactuadas.
Os resultados não foram nada animadores. Dentre as instituições estaduais que se engajaram, seja no PAC ou no Proref, poucas apresentaram melhoras significativas. A maior parte permaneceu operando de forma semelhante àquela que deu origem a seus problemas de liquidez. As exigências acordadas -fechar agências deficitárias e recuperar os créditos em atraso- simplesmente não foram cumpridas.
Desde então, várias outras tentativas fracassadas de programas de ajuste compõem a evidência histórica de que o Banco Central não dispõe de poderes políticos para fazer honrar os acordos efetuados com o Estado quando estes continuam com o controle de seus bancos comerciais estaduais.


Rubens Penha Cysne, 39, é diretor de pesquisa da Escola de Pós-Graduação em Economia (EPGE) da Fundação Getúlio Vargas.
E-mail: rubens@fgv.br.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice



Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita do Universo Online ou do detentor do copyright.