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OPINIÃO ECONÔMICA
FHC versus BC?
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Em sua recente viagem à Europa, o presidente da República apresentou-se em nova roupagem. Disse que é essencial "não
perder a perspectiva do Estado
nacional". Defendeu uma "maior
racionalidade dos movimentos de
capital", já que "a ação desordenada dos mercados torna mais
difícil para os países emergentes a
gestão de políticas públicas duradouras".
A uma certa altura, entusiasmou-se e exclamou: "Chega de liberalismo, viva a nova legitimação do Estado". Segundo FHC, estaria nascendo no âmbito internacional "um Consenso de Washington com sinal trocado".
Os brasileiros, cada vez mais céticos, não têm levado muito a sério o novo discurso presidencial.
Nem mesmo os seus subordinados, que parecem ter outra agenda.
O Banco Central (BC), por
exemplo, trafega em faixa própria. Há poucas semanas, diretores do BC voltaram a insistir nos
seus planos de liberalização dos
movimentos internacionais de
capital, sob aplausos entusiasmados dos porta-vozes tupiniquins
dos bancos estrangeiros (uma das
piores pragas da imprensa nacional, diga-se de passagem, são os
economistas brasileiros de bancos
estrangeiros).
Um dos diretores do BC previu
já para este mês de junho medidas (ainda não especificadas) que
dariam maior liberdade aos fluxos de capital. Ressalvou que não
haverá, por enquanto, plena conversibilidade do real, mas adiantou que a intenção seria facilitar
a remessa de recursos para o exterior por meio da simplificação e
desburocratização de transações
na conta de capitais do balanço
de pagamentos.
Em princípio, ninguém é contra
a redução da burocracia. Contudo a busca de objetivos simpáticos, como a simplificação de normas e procedimentos, pode conflitar com o interesse público. Se
não for feita de forma criteriosa, a
remoção de controles administrativos fragilizará a posição internacional do país.
Desculpe, leitor, se vou dizer o
óbvio, mas uma coisa é "a perspectiva do Estado nacional", na
expressão de FHC; outra, completamente diferente, são as conveniências dos mercados financeiros e da ínfima minoria de brasileiros que mantém uma relação
privilegiada com os circuitos internacionais de dinheiro e poder.
A esses últimos interessa o mínimo de burocracia e complicação
nas suas relações financeiras com
o exterior. E o máximo de liberdade para captar recursos em
moeda estrangeira ou remetê-los
para fora, de acordo com as suas
prioridades individuais.
Por outro lado, para o conjunto
da população brasileira, o que
importa é a segurança do país nas
suas relações internacionais e a
diminuição da sua dependência
em relação às turbulências externas.
Do ponto de vista do interesse
público, convém, por exemplo, saber se as medidas que o BC está
considerando adotar não trazem
o risco de aumentar a instabilidade da economia em momentos de
grande incerteza e pânico. Facilitar ainda mais a remessa de capital ao exterior não levaria à intensificação das saídas de recursos em conjunturas adversas?
No caso de um país como o Brasil, cheio de problemas e ainda
bastante vulnerável, o recomendável não seria, ao contrário, disciplinar e controlar mais de perto
essas remessas?
Outra pergunta: as medidas de
liberalização em estudo não impediriam o BC de controlar o perfil da dívida externa? Por uma
questão elementar de prudência,
o BC deve assegurar que os empréstimos externos e títulos colocados nos mercados internacionais obedeçam a prazos mínimos
e cronogramas de vencimento. Se
não o fizer, poderá defrontar-se
com graves dificuldades na administração das contas externas,
provocadas por uma concentração de pagamentos em determinados períodos.
Para evitar esse tipo de risco, o
BC teria que fixar prazos mínimos de carência e amortização
progressivamente mais longos e
acompanhar cuidadosamente a
distribuição dos pagamentos ao
longo do tempo. Precisaria, além
disso, caminhar na direção de
proibir, ou pelo menos restringir,
a contratação de empréstimos
com cláusulas que dão ao credor
a opção de resgate antecipado.
Deveria, também, impedir que os
devedores finais no Brasil antecipem o pagamento de suas dívidas
externas, violando os prazos mínimos estabelecidos no momento
da contratação das obrigações.
Em resumo, não se deve permitir que medidas de liberalização e
simplificação inviabilizem ou dificultem a adoção de providências de proteção da economia.
Sem elas, as políticas públicas
brasileiras continuarão à mercê
da "ação desordenada dos mercados" a que se referiu o presidente da República.
Ah, leitor, mas todas essas preocupações podem ser supérfluas. O
presidente voltou da Europa imbuído de um novo espírito e saberá conter os ímpetos liberalizantes do BC.
Assim falou a velhinha de Taubaté.
Paulo Nogueira Batista Jr., 45, economista e professor da Fundação Getúlio
Vargas-SP, escreve às quintas-feiras nesta coluna.
E-mail: pnbjr@attglobal.net
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