São Paulo, quinta-feira, 08 de junho de 2000


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OPINIÃO ECONÔMICA

FHC versus BC?

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Em sua recente viagem à Europa, o presidente da República apresentou-se em nova roupagem. Disse que é essencial "não perder a perspectiva do Estado nacional". Defendeu uma "maior racionalidade dos movimentos de capital", já que "a ação desordenada dos mercados torna mais difícil para os países emergentes a gestão de políticas públicas duradouras".
A uma certa altura, entusiasmou-se e exclamou: "Chega de liberalismo, viva a nova legitimação do Estado". Segundo FHC, estaria nascendo no âmbito internacional "um Consenso de Washington com sinal trocado".
Os brasileiros, cada vez mais céticos, não têm levado muito a sério o novo discurso presidencial. Nem mesmo os seus subordinados, que parecem ter outra agenda.
O Banco Central (BC), por exemplo, trafega em faixa própria. Há poucas semanas, diretores do BC voltaram a insistir nos seus planos de liberalização dos movimentos internacionais de capital, sob aplausos entusiasmados dos porta-vozes tupiniquins dos bancos estrangeiros (uma das piores pragas da imprensa nacional, diga-se de passagem, são os economistas brasileiros de bancos estrangeiros).
Um dos diretores do BC previu já para este mês de junho medidas (ainda não especificadas) que dariam maior liberdade aos fluxos de capital. Ressalvou que não haverá, por enquanto, plena conversibilidade do real, mas adiantou que a intenção seria facilitar a remessa de recursos para o exterior por meio da simplificação e desburocratização de transações na conta de capitais do balanço de pagamentos.
Em princípio, ninguém é contra a redução da burocracia. Contudo a busca de objetivos simpáticos, como a simplificação de normas e procedimentos, pode conflitar com o interesse público. Se não for feita de forma criteriosa, a remoção de controles administrativos fragilizará a posição internacional do país.
Desculpe, leitor, se vou dizer o óbvio, mas uma coisa é "a perspectiva do Estado nacional", na expressão de FHC; outra, completamente diferente, são as conveniências dos mercados financeiros e da ínfima minoria de brasileiros que mantém uma relação privilegiada com os circuitos internacionais de dinheiro e poder. A esses últimos interessa o mínimo de burocracia e complicação nas suas relações financeiras com o exterior. E o máximo de liberdade para captar recursos em moeda estrangeira ou remetê-los para fora, de acordo com as suas prioridades individuais.
Por outro lado, para o conjunto da população brasileira, o que importa é a segurança do país nas suas relações internacionais e a diminuição da sua dependência em relação às turbulências externas.
Do ponto de vista do interesse público, convém, por exemplo, saber se as medidas que o BC está considerando adotar não trazem o risco de aumentar a instabilidade da economia em momentos de grande incerteza e pânico. Facilitar ainda mais a remessa de capital ao exterior não levaria à intensificação das saídas de recursos em conjunturas adversas?
No caso de um país como o Brasil, cheio de problemas e ainda bastante vulnerável, o recomendável não seria, ao contrário, disciplinar e controlar mais de perto essas remessas?
Outra pergunta: as medidas de liberalização em estudo não impediriam o BC de controlar o perfil da dívida externa? Por uma questão elementar de prudência, o BC deve assegurar que os empréstimos externos e títulos colocados nos mercados internacionais obedeçam a prazos mínimos e cronogramas de vencimento. Se não o fizer, poderá defrontar-se com graves dificuldades na administração das contas externas, provocadas por uma concentração de pagamentos em determinados períodos.
Para evitar esse tipo de risco, o BC teria que fixar prazos mínimos de carência e amortização progressivamente mais longos e acompanhar cuidadosamente a distribuição dos pagamentos ao longo do tempo. Precisaria, além disso, caminhar na direção de proibir, ou pelo menos restringir, a contratação de empréstimos com cláusulas que dão ao credor a opção de resgate antecipado. Deveria, também, impedir que os devedores finais no Brasil antecipem o pagamento de suas dívidas externas, violando os prazos mínimos estabelecidos no momento da contratação das obrigações.
Em resumo, não se deve permitir que medidas de liberalização e simplificação inviabilizem ou dificultem a adoção de providências de proteção da economia. Sem elas, as políticas públicas brasileiras continuarão à mercê da "ação desordenada dos mercados" a que se referiu o presidente da República.
Ah, leitor, mas todas essas preocupações podem ser supérfluas. O presidente voltou da Europa imbuído de um novo espírito e saberá conter os ímpetos liberalizantes do BC.
Assim falou a velhinha de Taubaté.


Paulo Nogueira Batista Jr., 45, economista e professor da Fundação Getúlio Vargas-SP, escreve às quintas-feiras nesta coluna.
E-mail: pnbjr@attglobal.net


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