São Paulo, domingo, 08 de julho de 2001

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OPINIÃO ECONÔMICA

As raízes da crise

ALOIZIO MERCADANTE

Há um mês, nesta mesma coluna, alertei para a possibilidade de uma nova crise cambial. De lá para cá, graves erros na condução da política monetária e cambial e estapafúrdios desencontros entre os membros da equipe econômica do governo -o ministro Malan, o mesmo que quer o BC independente no próximo governo, dizendo que o órgão não deve intervir e o presidente da instituição, Armínio Fraga, avisando que vai sair de férias- complicaram ainda mais a situação, conformando-se um quadro típico de ataque especulativo contra a moeda nacional. Nada mais emblemático para comemorar os sete anos do real.
Não nos queremos confundir com figuras como Gustavo Franco, cuja crítica irresponsável vai à direção do aprofundamento dos desequilíbrios atuais. Não bastasse a "contribuição" que já deu, durante sua gestão no BC, por meio de uma política artificial de valorização do real, que custou ao país bilhões de dólares. Grave também é a diretoria do BC aceitar esse tipo de provocação e expor em público as fragilidades da instituição para enfrentar a crise. Nossa crítica é de outro tipo: visa contribuir à identificação das causas estruturais da situação em que nos encontramos e à formulação de alternativas que permitam avançar na superação de nossas dificuldades.
As raízes profundas da crise atual são conhecidas e estão ligadas às políticas de abertura radical e desregulamentação da economia, que geraram fragilidades estruturais as quais constituem formidáveis obstáculos para qualquer projeto futuro de desenvolvimento do país.
A dependência da economia com relação ao capital estrangeiro foi levada a níveis críticos, passando a operar como um mecanismo de internalização da instabilidade dos mercados externos e de subordinação do funcionamento da economia nacional às prioridades e interesses dos credores e investidores externos.
As finanças públicas foram destroçadas pela política de juros elevados. O endividamento público exponencial e o peso da conta de juros liquidaram a capacidade operacional e de regulação econômica do Estado brasileiro e limitaram sua autonomia de gestão da política econômica. Também colocaram sob permanente questionamento a sua solvência, tornando-o, em consequência, refém do "mercado".
A supervalorização do papel do mercado na alocação de recursos conduziu à desconsideração dos problemas estruturais do país e ao abandono da política de desenvolvimento, gerando atrasos em setores estratégicos, particularmente nos de tecnologia e infra-estrutura energética e logística, que reduziram a competitividade sistêmica da economia.
Esse processo fragilizou a economia brasileira, impondo taxas medíocres de crescimento e tornando-a vítima potencial de crises das mais diversas origens, à semelhança dos organismos que padecem de deficiências de seu sistema imunológico e, por consequência, sujeitos aos efeitos amplificados de qualquer pequena infeção. Hoje somos extremamente vulneráveis a qualquer turbulência nos mercados financeiros externos. E sofremos a ameaça de colapsos em serviços essenciais, como a eletricidade.
Evidentemente estamos vivendo o fim de um ciclo. O neoliberalismo fracassou, mas deixa como herança restrições estruturais extremamente graves. Vencê-las não será uma tarefa simples e implicará um período de não poucas dificuldades.
Para enfrentá-las, será essencial mudar radicalmente os critérios e prioridades da atual política econômica, colocando em primeiro plano os interesses populares e nacionais e transformando o social no eixo do processo de desenvolvimento. Não se trata de "humanizar" o neoliberalismo com políticas sociais compensatórias, nos moldes da chamada "Terceira Via", mas sim de romper o atual modelo econômico, dentro do qual não há saída para o impasse em que nos encontramos. E em seu lugar implantar uma nova política de desenvolvimento, que promova a inclusão social e a redistribuição da renda e da riqueza, reoriente o sistema produtivo para um mercado de consumo de massas, favoreça o aumento das exportações de bens e serviços e a substituição de importações. Um novo projeto que permita superar a fragilidade externa que engessa nossas potencialidades e limita nosso crescimento.
Um mercado de consumo de massas, que inclua um forte componente de bens e serviços de saúde e saneamento, educação e moradia, contribuiria a esse propósito, posto que tem menor incidência sobre o balanço de pagamentos. É uma dinâmica econômica de outro tipo, que o país tem condições de promover e operar.
A superação da restrição externa passa também pela implementação de uma política agressiva de recuperação do saldo comercial e de redução do déficit estrutural na conta de serviços do balanço de pagamentos. Particularmente relevante são, nesse contexto, o estímulo à expansão das exportações, o melhoramento e a racionalização da estrutura de transporte, o armazenamento e a comercialização que oneram a competitividade da produção exportável, a substituição de importações, inclusive no segmento de bens de consumo nos quais o país gasta cerca de US$ 12 bilhões por ano, e o aproveitamento de nossas potencialidades nas áreas de turismo e indústria naval.
A diminuição da vulnerabilidade externa é fundamental para viabilizar a redução da fragilidade fiscal, por meio da diminuição da taxa de juros e de seu impacto no endividamento interno, liberando recursos para os investimentos na área social, em infra-estrutura e em desenvolvimento tecnológico.
É a superação dessas vulnerabilidades que permitirá consolidar a perspectiva do social como novo eixo do desenvolvimento econômico, dando consistência a programas como reforma agrária, "Tolerância zero com a fome" e Bolsa-Escola, que promovem a inclusão social dos excluídos.


Aloizio Mercante, 47, economista e professor licenciado da PUC e da Unicamp, é deputado federal por São Paulo e secretário de Relações Internacionais do Partido dos Trabalhadores.



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