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OPINIÃO ECONÔMICA
As raízes da crise
ALOIZIO MERCADANTE
Há um mês, nesta mesma coluna, alertei para a possibilidade de uma nova crise cambial.
De lá para cá, graves erros na condução da política monetária e
cambial e estapafúrdios desencontros entre os membros da equipe
econômica do governo -o ministro Malan, o mesmo que quer o
BC independente no próximo governo, dizendo que o órgão não
deve intervir e o presidente da instituição, Armínio Fraga, avisando
que vai sair de férias- complicaram ainda mais a situação, conformando-se um quadro típico de
ataque especulativo contra a moeda nacional. Nada mais emblemático para comemorar os sete
anos do real.
Não nos queremos confundir
com figuras como Gustavo Franco, cuja crítica irresponsável vai à
direção do aprofundamento dos
desequilíbrios atuais. Não bastasse a "contribuição" que já deu, durante sua gestão no BC, por meio
de uma política artificial de valorização do real, que custou ao país
bilhões de dólares. Grave também
é a diretoria do BC aceitar esse tipo de provocação e expor em público as fragilidades da instituição
para enfrentar a crise. Nossa crítica é de outro tipo: visa contribuir
à identificação das causas estruturais da situação em que nos encontramos e à formulação de alternativas que permitam avançar
na superação de nossas dificuldades.
As raízes profundas da crise
atual são conhecidas e estão ligadas às políticas de abertura radical e desregulamentação da economia, que geraram fragilidades
estruturais as quais constituem
formidáveis obstáculos para qualquer projeto futuro de desenvolvimento do país.
A dependência da economia
com relação ao capital estrangeiro
foi levada a níveis críticos, passando a operar como um mecanismo
de internalização da instabilidade
dos mercados externos e de subordinação do funcionamento da
economia nacional às prioridades
e interesses dos credores e investidores externos.
As finanças públicas foram destroçadas pela política de juros elevados. O endividamento público
exponencial e o peso da conta de
juros liquidaram a capacidade
operacional e de regulação econômica do Estado brasileiro e limitaram sua autonomia de gestão da
política econômica. Também colocaram sob permanente questionamento a sua solvência, tornando-o, em consequência, refém do
"mercado".
A supervalorização do papel do
mercado na alocação de recursos
conduziu à desconsideração dos
problemas estruturais do país e ao
abandono da política de desenvolvimento, gerando atrasos em setores estratégicos, particularmente
nos de tecnologia e infra-estrutura
energética e logística, que reduziram a competitividade sistêmica
da economia.
Esse processo fragilizou a economia brasileira, impondo taxas
medíocres de crescimento e tornando-a vítima potencial de crises
das mais diversas origens, à semelhança dos organismos que padecem de deficiências de seu sistema
imunológico e, por consequência,
sujeitos aos efeitos amplificados
de qualquer pequena infeção. Hoje somos extremamente vulneráveis a qualquer turbulência nos
mercados financeiros externos. E
sofremos a ameaça de colapsos em
serviços essenciais, como a eletricidade.
Evidentemente estamos vivendo
o fim de um ciclo. O neoliberalismo fracassou, mas deixa como herança restrições estruturais extremamente graves. Vencê-las não
será uma tarefa simples e implicará um período de não poucas dificuldades.
Para enfrentá-las, será essencial
mudar radicalmente os critérios e
prioridades da atual política econômica, colocando em primeiro
plano os interesses populares e nacionais e transformando o social
no eixo do processo de desenvolvimento. Não se trata de "humanizar" o neoliberalismo com políticas sociais compensatórias, nos
moldes da chamada "Terceira
Via", mas sim de romper o atual
modelo econômico, dentro do
qual não há saída para o impasse
em que nos encontramos. E em
seu lugar implantar uma nova política de desenvolvimento, que
promova a inclusão social e a redistribuição da renda e da riqueza, reoriente o sistema produtivo
para um mercado de consumo de
massas, favoreça o aumento das
exportações de bens e serviços e a
substituição de importações. Um
novo projeto que permita superar
a fragilidade externa que engessa
nossas potencialidades e limita
nosso crescimento.
Um mercado de consumo de
massas, que inclua um forte componente de bens e serviços de saúde e saneamento, educação e moradia, contribuiria a esse propósito, posto que tem menor incidência sobre o balanço de pagamentos. É uma dinâmica econômica
de outro tipo, que o país tem condições de promover e operar.
A superação da restrição externa passa também pela implementação de uma política agressiva de
recuperação do saldo comercial e
de redução do déficit estrutural na
conta de serviços do balanço de
pagamentos. Particularmente relevante são, nesse contexto, o estímulo à expansão das exportações,
o melhoramento e a racionalização da estrutura de transporte, o
armazenamento e a comercialização que oneram a competitividade da produção exportável, a
substituição de importações, inclusive no segmento de bens de
consumo nos quais o país gasta
cerca de US$ 12 bilhões por ano, e
o aproveitamento de nossas potencialidades nas áreas de turismo e indústria naval.
A diminuição da vulnerabilidade externa é fundamental para
viabilizar a redução da fragilidade fiscal, por meio da diminuição
da taxa de juros e de seu impacto
no endividamento interno, liberando recursos para os investimentos na área social, em infra-estrutura e em desenvolvimento
tecnológico.
É a superação dessas vulnerabilidades que permitirá consolidar a
perspectiva do social como novo
eixo do desenvolvimento econômico, dando consistência a programas como reforma agrária,
"Tolerância zero com a fome" e
Bolsa-Escola, que promovem a inclusão social dos excluídos.
Aloizio Mercante, 47, economista e professor licenciado da PUC e da Unicamp, é
deputado federal por São Paulo e secretário de Relações Internacionais do Partido dos Trabalhadores.
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