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São Paulo, sexta-feira, 08 de agosto de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Um novo governo Lula

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

Os primeiros seis meses do governo Lula mereceram uma série de análises por parte da imprensa e dos principais formadores de opinião do país. Os petistas, com exceção de um grupo ideologicamente mais radicalizado, defenderam o governo alegando que sua baixa eficiência, neste período, decorre do pouco tempo no poder e dos problemas gerados pela "herança maldita", deixada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. O presidente Lula vai precisar de mais tempo para impor sua agenda de mudanças e cumprir as promessas ambiciosas da campanha eleitoral do ano passado; uma avaliação agora seria precipitada, dizem eles.
A direita convertida, principalmente os empresários nacionais e parte da classe média, preferiu não se manifestar publicamente. Suas frustrações com o presidente, que são imensas, ficaram restritas ao anonimato de algumas declarações à imprensa e à segurança de algumas reuniões fechadas. Mas a desilusão é muito grande, e o sentimento de que foram enganados por Lula, impossível de ser escondido.
Os partidos de oposição aproveitaram o momento para aprofundar os ataques ao presidente Lula. Fragilizados no Congresso pela adesão maciça dos partidos de direita, imobilizados pelos interesses -alguns legítimos- de governadores que dependem do auxílio do governo federal e que precisam da reforma da Previdência para realizar seus programas de governo, o PFL e o PSDB ensaiaram algumas críticas mais duras à falta de eficiência da administração Lula.
A crítica mais contundente veio dos funcionários públicos, machucados que foram por uma traição inominável cometida pelo PT e pelo presidente Lula. Em menos de 90 dias, esses brasileiros passaram da condição de companheiros de luta para a de sanguessugas dos trabalhadores privados. Abandonados pela CUT, não tiveram outra saída senão aliar-se ao PSTU e fundar uma nova central sindical.
A grande voz ausente desse necessário debate foi a dos trabalhadores privados. A posição governista da CUT impediu que as críticas à política econômica neoliberal do governo Lula, ao achatamento salarial e ao aumento do desemprego que dela derivaram tivessem a dimensão política que mereciam. Mais uma traição, essa menos dramática que a cometida com os funcionários públicos, mas ainda assim uma traição.
Do lado dos que vêem, neste início de governo, sinais claros de sucesso e eficiência destacaram-se os grupos ligados ao mercado financeiro, no Brasil e no exterior. Afinal, o governo brasileiro é um dos únicos entre os países em desenvolvimento que seguem, à risca, a cartilha do chamado Consenso de Washington, como bem lembrou o jornal inglês "Financial Times".
Não vou, entretanto, usar este meu espaço semanal para falar dos primeiros seis meses de Lula. Não gosto de datas como referência para analisar fatos políticos ou econômicos. A história nos ensina que o calendário civil é um péssimo referencial para essas reflexões. Entendo que a votação em primeiro turno da reforma da Previdência deve substituir, como primeiro marco importante do governo petista, o fim do primeiro semestre do ano. O que aconteceu na Câmara de Deputados, nesta semana, tem uma força extraordinária para que possamos entender a dinâmica do governo e o que pode acontecer no decorrer dos próximos meses.
O governo revelou-se politicamente muito mais frágil do que procurava passar a todos nós, principalmente por meio da imprensa. Os mais de 400 votos esperados viraram pouco mais de 350 na votação inicial e pouco menos de 330 na votação do destaque da contribuição dos inativos.
Não seria exagero dizer que o governo terminou de joelhos a votação da última quarta-feira. Escapamos de um desastre pelo comportamento maduro e correto dos partidos de oposição. Tivessem o PFL e o PSDB pautado sua atuação pelos valores seguidos pelo PT em seus anos de oposição e estaríamos vivendo hoje uma crise financeira de grandes proporções. Qual seria a cotação do dólar e o valor do chamado risco Brasil hoje?
A governabilidade de Lula foi mantida não pelos partidos oportunistas que aderiram à sua base parlamentar em razão de interesses menores, mas pelos tucanos e pefelistas que colocaram os interesses do país à frente de uma mera busca do poder. Aliás, comportamento esse oposto ao dos petistas durante os anos FHC.
Mitos caíram -como o todo-poderoso ministro José Dirceu- e histórias foram maculadas por comportamentos fascistóides, como o do deputado Professor Luizinho. A cobertura, pela televisão, desses momentos dramáticos revelou uma tentativa de rolo compressor no encaminhamento das votações e seu fracasso durante duas madrugadas. Prevaleceu a democracia, com todas as suas virtudes e defeitos. Mas que o governo Lula será outro depois desses acontecimentos não tenha dúvida!


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 60, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).

Internet:www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br


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