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LUÍS NASSIF
O Orçamento e a incerteza
A discussão econômica
dos anos 90 foi montada
em cima de clichês, que se perpetuaram pela força da repetição. Um deles é o suposto "engessamento" do Orçamento,
as vinculações criadas pela
Constituição de 1988 que, segundo os planilheiros, não
permitiriam uma gestão financeira flexível. Como se essa flexibilidade fosse precondição para resolver os problemas nacionais.
Tome-se o 89º artigo de um
desses consultores, em sua coluna dominical no "Estado de
S. Paulo". Os números que
menciona são estrondosos. As
receitas estimadas para o Orçamento de 2005 são de R$
457,4 bilhões. As despesas
obrigatórias pela Constituição
alcançam R$ 361,7 bilhões. Aí
ele acrescenta as despesas de
juros, e o "gasto rígido" passa
a R$ 442 bilhões, ou 96,6% das
receitas. "Restam, pois, apenas R$ 15,4 bilhões para utilização discricionária". Há que
criar a flexibilidade, mas onde? Em cima dos juros? Não
dá, porque é "pagamento
obrigatório por contrato e pela
realidade".
Um marciano que descesse
no Brasil suporia, com justa
razão, que as vinculações orçamentárias se destinam ao
supérfluo, ao desperdício, a
alimentar a irracionalidade
burocrática. Que setores são
esses, os beneficiados pelas
vinculações? Saúde, educação,
aposentadoria, pagamento de
funcionários públicos, transferência para Estados e municípios. Em suma, a própria essência do modelo federativo
brasileiro e todas as despesas
que retornam na forma de serviços ou pagamentos à população. Ainda há os campeões
do desplante, que sustentam
que a redução desses gastos é
necessária para aumentar sua
eficiência.
Essas destinações foram definidas pela Constituição, a lei
de todas as leis, que paira sobre contratos e sobre leis ordinárias. Fala-se em "incerteza
jurisdicional" e se questiona a
lei maior do país, definida pelo conjunto de constituintes livremente eleitos pela população.
Depois que algum gênio da
planilha cunhou o termo "incerteza jurisdicional", imediatamente entrou para a galeria
dos clichês, brandido como se
fosse uma inovação teórica.
Acusa-se o Judiciário de estar
por trás dos altos "spreads"
bancários, por trazer "incerteza jurisdicional". E quem diz
isso são os membros da nobre
estirpe dos economistas que,
com seus planos econômicos,
se julgaram com poder para
atropelar não apenas contratos mas leis e a própria Constituição. Quem salvou o país da
"incerteza jurisdicional" dos
economistas foi o juiz que ordenou a liberação de cruzados
retidos pelo Plano Collor.
Para os planilhas, a única
"incerteza jurisdicional" que
conta é a que mexe com contratos financeiros. Aumentar
impostos da noite para o dia,
para pagar a conta de juros,
cortar a aposentadoria ano
após ano, não estabelecer limites aos níveis de juros reais,
tudo isso deve ser debitado ao
inevitável. Como diz o planilheiro-mór, é a realidade que
se impõe. Ante esse determinismo, só resta aos crentes se
voltar para Meca e rezar ao
pôr-do-sol, como um bom fundamentalista.
E-mail -
Luisnassif@uol.com.br
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