São Paulo, quarta-feira, 08 de setembro de 2004

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ANÁLISE

O próximo choque é o da dívida, e não o do petróleo

DANIEL GROSS
DO "NEW YORK TIMES"

Com os preços do petróleo acima dos US$ 40 por barril, especialistas tentam acalmar os nervos ao apontar o fato de que a economia dos EUA, impulsionada pelo setor de serviços, depende muito menos do produto do que no passado, durante a era da economia industrial. Afinal, entre 1973 e 2003, o volume de petróleo necessário para gerar US$ 1 de PIB caiu à metade. As mudanças estruturais na economia permitiram que o país absorvesse o recente choque da alta no petróleo.
Essa é a boa notícia. A má notícia é que outras mudanças estruturais na economia -a piora das contas governamentais, de um superávit a imensos déficits; a predileção dos consumidores pelo consumo; e preços residenciais que continuam a subir mais rápido que a renda domiciliar- ampliaram a dependência do país quanto a outra espécie de combustível: o crédito.
Como resultado, o navio da economia norte-americana, que enfrentou com sucesso a recente alta nos preços do petróleo, pode na verdade estar mais vulnerável a altas súbitas nos preços do capital.
"Melhor ir dormir sem jantar do que acordar devendo dinheiro", escreveu Benjamin Franklin em "Poor Richard's Almanac". Nos últimos anos, consumidores, empresas e governos dos EUA vêm caindo na cama com os estômagos empanturrados e seus cartões de crédito estourados. Entre 1988 e 2000, a relação entre dívidas não-financeiras e o PIB se manteve firme, em cerca de 1,8 para 1. Mas recentemente a dívida dos consumidores, empresas e do governo inchou como a barriga de um concorrente em concurso de comer cachorros-quentes.
Do início de 2001 ao fim de 2003, a economia acrescentou US$ 1,317 trilhão ao PIB e US$ 4,2 trilhões ao total de dívidas do país. Isso significa que cada dólar a mais na produção econômica veio acompanhado de US$ 3,19 em dívidas. Assim, hoje, pela primeira vez, a relação entre o endividamento e o PIB dos EUA está acima de 2 para 1.
A aparente dependência da economia com relação ao crédito como forma de alimentar todo tipo de transação, da compra de casas ao orçamento das Forças Armadas, é problemática. Se as rendas e as receitas não voltarem a subir, os consumidores desgastados podem encontrar dificuldades para manter em dia seus pagamentos.
Uma economia viciada em dívida também fica vulnerável ao aumento aparentemente inevitável dos juros. E os norte-americanos assumiram riscos monetários ainda maiores. Os devedores, especialmente os proprietários de imóveis, não reagiram aos recentes aumentos nos juros reduzindo seu volume de empréstimos.
Um endividamento coletivo mais alto significa estar mais suscetível a choques externos. As empresas sem dívidas podem arcar com diversos trimestres de resultados desfavoráveis, enquanto as companhias muito endividadas encontram desastres depois de apenas um trimestre negativo.
O mesmo se aplica ao consumidor. Toda espécie de variável assustadora -nova alta da gasolina, o estouro da bolha na habitação- se torna pesadelo em momentos de endividamento mais alto. Assim, quando nos deitarmos após nossos fartos jantares financiados por linhas de crédito que usam nossas casas como garantia, diz o economista Austan Goolsbee, "creio que todos devamos sentir um certo nervosismo".


Tradução de Paulo Migliacci


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